Capítulo 3 - Direitos da personalidade e personalidade: do nascituro ao morto
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Capítulo 3
DIREITOS DA PERSONALIDADE
E PERSONALIDADE:
DO NASCITURO AO MORTO
Importa que nos consciencializemos do signicado do HOMEM e de sua inserção em uma comunidade
livre, tal como se lê no artigo 1º da DECLARAÇÃO de Paris, tudo expressivamente rearmado no Do-
cumento de Argel. Não se trata de HOMEM-INDIVÍDUO-ABSTRATO, termo que acoberta interesses
de classe, dominantes no terreno político, ou no da preeminência dos que detêm e se beneciam do
CAPITAL opressor. O que está em causa é o HOMEM-PESSOA-CONCRETA, titular de direitos civis e
políticos (artigos 2º a 21), mas também de direitos econômicos, sociais e culturais (artigos 22 a 28),
sob o signo da LIBERDADE, da IGUALDADE e da FRATERNIDADE (artigo 1º).1
1. INTRODUÇÃO E CONCEITOS INICIAIS
Direitos da personalidade são aqueles que têm por objeto os diversos aspectos
da pessoa humana, caracterizando-a em sua individualidade e servindo de base para o
exercício de uma vida digna. São direitos de personalidade a vida, a intimidade, a inte-
gridade física, a integridade psíquica, o nome, a honra, a imagem, os dados genéticos e
todos os seus demais aspectos que projetam a sua personalidade no mundo.
Como já alertamos em outra oportunidade:
[...] personalidade e direitos de personalidade, apesar de intrincados são institutos distintos.
Num primeiro sentido, tem-se o atributo de constituição do sujeito enquanto partícipe de relações e
situações jurídicas – a personalidade. A pessoa é o ente dotado de personalidade e, como tal, apta a
possuir direitos e deveres na ordem jurídica. Em outro sentido, veem-se aspectos próprios da pessoa
atuando como objeto de relações ou situações jurídicas – os direitos de personalidade.
Dito de outra forma: o primeiro enfoca a pessoa em seu aspecto subjetivo, permitindo que alguém
seja sujeito de relações e situações jurídicas. Já os direitos de personalidade concentram-se no aspecto
objetivo, isto é, são objeto de relações e situações jurídicas.2
O Código Civil de 2002 foi o primeiro instrumento legislativo brasileiro a trazer a
expressão “direitos da personalidade”, regulando-os nos arts. 11 a 21.
1. Trecho do discurso de paraninfo proferido pelo Prof. Edgar de Godói da Mata-Machado aos formandos de 1979
da Faculdade de Direito da UFMG. AFONSO, Elza Maria Miranda. O direito fundado na dignidade do homem.
Revista da Faculdade Mineira de Direito (PUC Minas), Belo Horizonte, n. 3 e 4, v. 2, p. 39-51, 1º e 2º sem. 1999, p.
49.
2. NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. Direitos de personalidade e dados genéticos. Belo Horizonte: Escola Superior
Dom Helder Câmara, 2010, p. 17.
BIOÉTICA E BIODIREITO • Maria de FátiMa Freire de Sá e Bruno torquato de oliveira naveS
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A defesa e a proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos da personalidade
alcançaram grande importância nos últimos tempos em razão dos avanços científicos e
tecnológicos experimentados pela humanidade que, se de um lado, trazem benefícios
vários, de outro, potencializam riscos e danos a que podem estar sujeitos os indivíduos.
Várias discussões permeiam o tema, tais como: Podemos pensar a vida como o simples
respirar, como a garantia da “batida de um coração”? Quais os limites à redesignação
do estado sexual? O embrião é pessoa? A clonagem de seres humanos pode ser o meio
para a cura de doenças?
Para introduzir o assunto, entendemos por bem consultar o “Houaiss” e inves-
tigarmos, ainda que de forma rápida, o sentido de “dignidade”, palavra-chave para a
construção do pensamento que norteará este capítulo. Dignidade significa “qualidade
moral que infunde respeito; consciên cia do próprio valor; honra, autoridade, nobreza”.3
Ao lado desse substantivo abstrato, outra palavra deve ser considerada, porque
também derivada do verbo “dignificar”, que é o termo “dignificação”, ou seja, tornar
digno. É que o processo de dignificação, por sua vez, nos levará a concepções sobre
dignidade da vida, conceito que sempre instiga a atenção de muitos, exatamente porque
não se apresenta de maneira unívoca, haja vista a multiplicidade de valores culturais,
religiosos e éticos desenvolvidos nas sociedades plurais e democráticas.
Além dos assuntos biojurídicos inicialmente questionados, outros são discutidos
sob o manto da dignidade humana e dos direitos da personalidade. Não raras são as
discussões no foro trabalhista sobre a possibilidade ou não de o empregador compelir
funcionárias à revista pessoal, com despimento de roupas íntimas sob ameaça de dispensa
por justa causa, justificando a atitude em regulamentos de segurança do patrimônio
empresarial. Nas varas de família, discute-se se uma pessoa pode ou não ser obrigada,
“debaixo de vara”, a realizar exame de DNA para fins de investigação de paternidade,
também sob a luz dos direitos da personalidade.4
Lembramos, também, o emblemático caso do “arremesso de anão”, citado por
Gustavo Tepedino, em que também se discutia o valor da pessoa humana. Trata-se de
decisão do Conselho de Estado da França que confirmou Ato Administrativo baixado
pelo Prefeito da cidade de Morsang-sur-Orge, que proibiu a realização de um inusitado
espetáculo que ocorria em determinada discoteca da região, chamado de “arremesso
de anão”. Certo é que o indivíduo de pequena estatura era transformado em projétil e
arremessado, pela plateia, de um ponto a outro da boate.5
3. HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva,
2001, p. 1040.
4. Sobre o assunto, Taisa Maria Macena de Lima manifesta-se: “Na verdade, tanto a identidade genética quanto a
intimidade e a intangibilidade do corpo humano são componentes da dignidade da pessoa, de modo que a digni-
dade do investigado e a dignidade do investigante estão em confronto. Impossível atender a um sem o sacrifício
do outro.” (LIMA, Taisa Maria Macena de. Filiação e Biodireito: uma análise das presunções em matéria de filiação
em face da evolução das ciências biogenéticas. In: SÁ, Maria de Fátima Freire de Sá; NAVES, Bruno Torquato de
Oliveira. Bioética, biodireito e o Código Civil de 2002. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 275.) Ver, ainda: BRASIL.
STF, HC n. 71.373-4, RS, de 10/11/1994 (DJU, 22/11/1994, p. 45686).
5. TEPEDINO, Gustavo. Direitos humanos e relações jurídicas privadas. In: TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito
civil. Rio de janeiro: Renovar, 1999, p. 55-71.
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