De Certa Imobilidade dos Juízes durante a Audiência

AutorPiero Calamandrei
Ocupação do AutorJornalista, Jurista, Político e Docente universitário italiano
Páginas77-81

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Deve ser um grande tormento para os juízes estarem a ouvir um advogado dizendo coisas inúteis e insensatas. Para fazer cessar este tormento, é preciso que o orador deixe de falar, o que o juiz enérgico consegue interrompendo-o, ou então que o auditor deixe de o ouvir, o que o juiz pacífico consegue ... adormecendo.

Eu creio que muitas vezes o sono dos juízes é premeditado. Adormecem de propósito, para não ouvirem o que diz o advogado e, não obstante, poderem segundo sua consciência dar razão ao seu cliente.

O sono é, frequentemente, um hábil expediente do juiz para defender uma ou

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outra das partes contra os erros dos seus advogados.

Gosto dos juízes que fixam seu olhar no meu enquanto falo. Dão-me, assim, a honra de procurar no meu olhar para além das palavras, as quais podem não passar de um jogo de habilidade dialética, a limpidez da minha alma.

Gosto do juiz que me interrompe quando falo. Falo para lhe ser útil e, quando me convida a calar-me, adverte-me de que a continuação do meu discurso o aborreceria. Reconheço, assim, que até então o tinha interessado.

Gosto também (mas talvez um pouco menos) do juiz que adormece enquanto falo. O sono é o meio mais discreto que o juiz pode empregar para se retirar na ponta dos pés, sem fazer barulho. Deixa-me à vontade, para discorrer sozinho, comigo mesmo, quando meu discurso já não interessa.

Certo juiz confiava-me um dia suas impressões, feitas de experiência profissional,

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sobre o sono provocado pelo verbo dos advogados.
– Não é verdade – dizia que o sono seja insidioso, pois tem por costume fazer-se preceder, na sua grande lealdade, por um aviso discreto. Quem escuta um orador percebe muito bem que está no limiar do sono quando, num dado momento, o sentido das palavras se atenua até desaparecer enquanto o timbre da voz, posto que bem perceptível ainda, adquire uma ressonância misteriosa e difusa, como a modulação rítmica da flauta de um encantador de serpentes. Esta purificação acústica da palavra, que de expressão de pensamento passa e se dissolve, por assim dizer, em música, é, para o observador sagaz, o aviso seguro de que a magia se aproxima.

Mas os advogados imprevidentes não veem que, modulando suas frases e dando aos seus períodos a sonoridade de uma cadência sábia, facilitam e preparam esta dissociação entre o significado e o som da voz. Basta que um desses elegantes advogados,

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mestres na arte de dosar as modulações do discurso, comece a falar...

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