Da representação das partes em audiência - ausência de qualquer dos litigantes e seus efeitos à luz das alterações realizadas pela reforma trabalhista de 2017

AutorDenise Alves Horta
Páginas372-383

Page 372

Os homens [...] continuam a ter uma fé cega nas leis, e em buscar nas reformas destas o remédio contra os males do processo, que têm causas muito diferentes e remotas e são provavelmente o sinal mais ostensivo de uma insufi ciência radical do direito para as tarefas mais importantes que a desordem social vem colocando sobre seus ombros”.

(CARNELUTTI)1

1. Introdução

A Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, realizou significativas alterações na CLT, aprovada pelo Decreto-Lei
n. 5.452, de 1º de maio de 1943. O comentário que se propõe é voltado às novidades na seção da CLT que trata da audiência de julgamento (Seção II, Capítulo III, Título X — arts. 843 a 852).

Nessa seção, as alterações ocorreram no art. 843, em que se acrescentou o § 3º; no art. 844, em que o parágrafo único foi transformado em § 1º e acrescidos outros parágrafos até o 5º; no art. 847, em que se acrescentou um parágrafo único.

As inovações implantadas na seção a ser objeto de exame, embora num primeiro momento pareçam de pequena monta, contêm o germen de novas tendências estruturais do Processo do Trabalho, mormente se consideradas no conjunto da reforma empreendida.

Entendimentos jurisprudenciais consagrados e sumulados pelo Tribunal Superior do Trabalho, ao invés de serem incorporados no bojo da reforma, como se fez no Código de Processo Civil de 2015, foram repelidos com a criação de norma em sentido oposto, a exemplo do § 3º inserido no art. 843 da CLT, que afasta a necessidade de o preposto ser empregado da parte reclamada e colide com a Súmula n. 377 do TST, que, ao contrário, exige a condição de o preposto ser empregado.

Outro indicativo do embate promovido pela nova lei com a jurisprudência consolidada é a mitigação da revelia do reclamado, prevista no § 5º acrescido ao art. 844 da CLT, em confronto com a Súmula n. 122 do TST.

A lei reformadora trouxe, também, no limitado contexto do exame ora proposto, a inconcebível obrigação de o reclamante, ainda que beneficiário da justiça gratuita, pagar as custas do arquivamento da reclamação, encargo estabelecido como condição para a propositura de nova demanda (art. 844, §§ 2º e 3º), dispositivos que, por sinal, encontram-se citados no bojo da ADI 57662 proposta pelo Procurador Geral da República em face da Lei n. 13.467/17, nos pontos que discrimina como inconstitucionais.

Seja como for, a par das críticas que possam ser realizadas, está contemplado pela reforma um cenário novo, cuja consistência — ou inconsistência — será testada na prática.

A seguir, uma sinopse das alterações implementadas, destacadas em negrito:

Art. 843. Na audiência de julgamento deverão estar presentes o reclamante e o reclamado, independentemente do comparecimento de seus representantes, salvo, nos casos de Reclamatórias Plúrimas ou Ações de Cumprimento, quando os empregados poderão fazer-se representar pelo Sindicato de sua categoria.

§ 1º É facultado ao empregador fazer-se substituir pelo gerente, ou qualquer outro preposto que tenha conhecimento do fato, e cujas declarações obrigarão o proponente.

Page 373

§ 2º Se por doença ou qualquer outro motivo poderoso, devidamente comprovado, não for possível ao empregado comparecer pessoalmente, poderá fazer-se representar por outro empregado que pertença à mesma profissão, ou pelo seu sindicato.

§ 3º O preposto a que se refere o § 1º deste artigo não precisa ser empregado da parte reclamada.

Art. 844. O não comparecimento do reclamante à audiência importa o arquivamento da reclamação, e o não comparecimento do reclamado importa revelia, além de confissão quanto à matéria de fato.

§ 1º Ocorrendo motivo relevante, poderá o juiz suspender o julgamento, designando nova audiência.

§ 2 º Na hipótese de ausência do reclamante, este será condenado ao pagamento das custas calculadas na forma do art. 789 desta Consolidação, ainda que beneficiário da justiça gratuita, salvo se comprovar, no prazo de quinze dias, que a ausência ocorreu por motivo legalmente justificável.

§ 3º O pagamento das custas a que se refere o § 2º é condição para a propositura de nova demanda.

§ 4º A revelia não produz o efeito mencionado no caput deste artigo se:

I — havendo pluralidade de reclamados, algum deles contestar a ação;

II — o litígio versar sobre direitos indisponíveis;

III — a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei considere indispensável à prova do ato;

IV — as alegações de fato formuladas pelo reclamante forem inverossímeis ou estiverem em contradição com a prova constante dos autos.

§ 5º Ainda que ausente o reclamado, presente o advogado na audiência, serão aceitos a contestação e os documentos eventualmente apresentados.

Art. 845. O reclamante e o reclamado comparecerão à audiência acompanhados das suas testemunhas, apresentando, nessa ocasião, as demais provas.

Art. 846. Aberta a audiência, o juiz ou presidente proporá a conciliação.

§ 1º Se houver acordo lavrar-se-á termo, assinado pelo presidente e pelos litigantes, consignando-se o prazo e demais condições para seu cumprimento.

§ 2º Entre as condições a que se refere o parágrafo anterior, poderá ser estabelecida a de ficar a parte que não cumprir o acordo obrigada a satisfazer integralmente o pedido ou pagar uma indenização convencionada, sem prejuízo do cumprimento do acordo.

Art. 847. Não havendo acordo, o reclamado terá vinte minutos para aduzir a sua defesa, após a leitura da reclamação, quando esta não for dispensada por ambas as partes.

Parágrafo único. A parte poderá apresentar defesa escrita pelo sistema de processo judicial eletrônico até a audiência.

2. Da audiência de julgamento
2.1. Aspectos gerais

Antes de se adentrar nas considerações acerca das mudanças legislativas realizadas pela Lei n. 13.467/2917, na seção da CLT que trata da audiência de julgamento, faz-se necessário, para a visão do contexto em que inseridas, um breve escorço a respeito desse importante momento no Processo do Trabalho e da representação das partes em juízo.

Audiência significa ouvir com atenção e provém do latim audientia3, palavra que tem como “elemento de composição, do latim Audi —, de audire, ‘ouvir’, que se documenta em alguns vocábulos formados do próprio latim (como audiência) e em muitos outros introduzidos [...]”4. Em juízo, é o momento, designado pelo juiz, para ouvir as partes, incentivar a conciliação, colher defesa e provas, proferir decisões necessárias à instrução do feito, colher razões finais e proceder ao julgamento da lide5.

A audiência é a fonte primária da dinâmica do processo, sendo indispensável a presença das partes, para o seu curso regular. Não por outra razão, o art. 843, caput, da CLT, dispõe que “na audiência de julgamento, deverão estar presentes o reclamante e o reclamado, independentemente do comparecimento de seus representantes (...)”.

Explica-se a menção da CLT à “audiência de julgamento” pelo fato de ter sido previsto para essa oportunidade o julgamento, propriamente dito, do processo, que é, em suma, o objetivo almejado pelas partes. Na verdade, seguido à risca o sistema agasalhado pela CLT, a audiência seria de “instrução e julgamento” como observado por Russomano6, e não apenas de julgamento.

Concebida a audiência para ser contínua, a realidade forense, retratada no número de demandas, sua complexidade, e provas a serem produzidas, levou à necessidade de se adotar como rotineira a exceção, prevista na lei, de não se concluí-la no mesmo dia (art. 849 da CLT), e designar-se o seu processamento em três etapas: conciliação, instrução e julgamento. Isso significa, realizada uma etapa, adiar a continuidade da audiência para um momento seguinte, mas sem prejuízo de o magistrado, a seu critério, e adredemente cientes as partes, praticar em única assentada todos os atos necessários ao julgamento da lide.

Page 374

Nos processos de rito sumaríssimo, regulados nos arts. 852-A a 852-I da CLT, as demandas, com maior razão, por conta da celeridade do rito, também são instruídas e julgadas em audiência una, prevista, porém, se necessária, a possibilidade de seu adiamento para momento posterior (art. 852-H, §§ 1º, 3º, 4º, 7º). Para o julgamento, em regra, adia-se a audiência, proferindo-se a decisão no prazo legal.

O sistema de desenvolvimento das audiências no Processo do Trabalho revela, por si, a importância do comparecimento das partes pessoalmente, ou devidamente representadas e/ou assistidas, nesse ato processual solene e público (art. 93, IX da CF, arts. 11 e 189 do CPC/2015, art. 770 da CLT). Nas palavras de Batalha, “o comparecimento em juízo constitui ônus da parte, em seu próprio benefício”7. Na verdade, a ninguém mais do que à própria parte interessa acompanhar a realização concentrada dos atos processuais em audiência, necessários à demonstração e/ou defesa do seu direito, ou ponderar sobre a conveniência da conciliação, ainda que acompanhada de advogado. Nesse plano, a norma processual não deixa dúvida ao apenar aquele que não comparece à audiência ou nela não se faz representar consoante determina a lei.

2.2. Da representação das partes em juízo

A representação das partes em juízo deve se fazer segundo os preceitos do CCB (art. 1690) e do CPC (arts. 71 e 75), consideradas tanto a capacidade e a incapaci-dade relativa ou absoluta da pessoa para o livre exercício dos seus direitos, quanto a natureza da parte que pretende figurar em juízo.

A CLT trata da representação das partes na audiência e lhes faculta a capacidade postulatória (ius postulandi), sem prejuízo de se fazerem representar em juízo pelo sindicato ou por advogado regularmente inscrito na OAB (CLT, art. 791 e §...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT