A execução de ofício e a Lei n. 13.467/2017: reflexos na efetividade do direito do trabalho

AutorWânia Guimarães Rabêllo de Almeida
Páginas397-404

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“Não basta repetir que o processo, na medida do que for praticamente possível, deve proporcionar a quem tem um direito precisamente aquilo a que faça jus, se a determinação desse direito a atuar (base de todo raciocínio) revelar-se imperfeita e inadequada. A efetividade do processo, portanto, depende do bom entendimento de como opera a tutela jurisdicional e também do direito material a atuar.”

Flávio Yarshell

1. Introdução

O Direito Processual do Trabalho demonstra especial preocupação com a satisfação dos créditos reconhecidos em juízo. Neste sentido, o art. 878 da CLT, na sua redação original, atribui ao juiz o poder para promover a execução de ofício, solução que é reforçada pelo art. 880 da CLT, que se refere à execução requerida ou determinada, em uma clara demonstração de que a execução não pressupõe requerimento do credor.

A Lei n. 13.467 de 2017 alterou a redação do art. 878 da CLT, estabelecendo que a execução poderá ser realizada de ofício “apenas nos casos em que as partes não estiverem representadas por advogado”.

Pretende-se, com o presente artigo, analisar os efeitos da Lei n. 13.467/2017 na execução trabalhista e, principalmente, na efetividade do Direito do Trabalho.

2. Direito do trabalho e direito processual do trabalho: a efetividade necessária

Não há como examinar os efeitos da Lei n. 13.467/2017 na execução trabalhista olvidando os seus reflexos na própria efetividade do Direito do Trabalho.

Deste modo, cumpre recordar que o Direito do Trabalho tem entre as suas funções primordiais promover a melhoria da condição humana, social, econômica e política do trabalhador, com vistas a propiciar a ele e à sua família uma vida conforme a dignidade humana.

Daí a razão pela qual a Constituição da República atribui aos direitos inerentes ao trabalho humano o status de direitos fundamentais, como se vê dos seus arts. 5º a 11, valendo notar que o art. 170 da Constituição estabelece, de forma expressa, como finalidade da ordem econômica assegurar a todos uma vida digna. Desta forma, constitui uma exigência da dignidade humana a realização concreta dos direitos inerentes ao trabalho, em especial dos direitos fundamentais trabalhistas.

Não é só.

Ao trabalho humano também correspondem direitos humanos, ou seja, direitos humanos trabalhistas.

É o que o vê da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que reconhece, por exemplo, o direito ao trabalho, a condições justas e favoráveis de trabalho, a igual remuneração por igual trabalho, a uma remuneração justa e satisfatória e de organizar sindicatos (art. XXIII).

No mesmo compasso, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais assegura, nos arts. 6º e 7º, por exemplo, o direito de ganhar a vida mediante um trabalho livremente escolhido ou aceito, de formação e orientação técnica e profissional e ao emprego produtivo, que permita salvaguardar o gozo das liberdades políticas e econômicas fundamentais, assim como o direito de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis, que assegurem, especialmente: a) uma remuneração que proporcione, no mínimo, a todos os trabalhadores, um salário equitativo e uma remuneração igual por um trabalho de igual valor, sem qualquer dis-

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tinção, em particular, as mulheres deverão ter a garantia de condições de trabalho não inferiores às dos homens e perceber a mesma remuneração que eles, por trabalho igual e uma existência decente para eles e suas famílias;
b) condições de trabalho seguras e higiênicas; c) igual oportunidade para todos de serem promovidos, em seu trabalho, à categoria superior que lhes corresponda, sem outras considerações que as de tempo de trabalho e de capacidade; d) o descanso, o lazer, a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas, assim como a remuneração dos feriados. No art. 8º, este Pacto assegura o direito de: fundar sindicato, se filiar a sindicato, dos sindicatos de formarem federações ou confederações nacionais e o direito destas de formar organizações sindicais internacionais ou de a elas filiar-se, autonomia sindical, e direito de greve.

Já a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem dispõe que toda pessoa tem direito: à educação, no sentido de “preparo para subsistir de uma maneira digna, para melhorar o seu nível de vida” (art. XII); ao trabalho em condições dignas e o de seguir livremente sua vocação, na medida em que for permitido pelas oportunidades de emprego existente (direito ao trabalho — art. XIV); quando trabalhar, de receber uma remuneração que, em relação à sua capacidade de trabalho e habilidade, lhe garanta um nível de vida conveniente para si e para sua família (direito a uma justa retribuição — art. XIV); ao descanso, ao recreio honesto e à oportunidade de aproveitar utilmente o seu tempo livre em benefício do seu melhoramento espiritual, cultural e físico (direito ao descanso e ao aproveitamento do tempo livre — art. XV); à previdência social de modo a ficar protegido contra as consequências do desemprego, da velhice e da incapacidade, que, provenientes de qualquer causa alheia à sua vontade, a impossibilitem física ou mentalmente de obter meios de subsistência (direito à previdência social — art. XVI); de se associar com outras a fim de promover, exercer e proteger os seus interesses legítimos, de ordem política, econômica, religiosa, social, cultural, profissional, sindical ou de qualquer outra natureza (direito de associação — art. XXII).

Por fim, o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Protocolo de San Salvador), no art. 6º, a todos reconhece o direito ao trabalho, “o que inclui a oportunidade de obter os meios para levar uma vida digna e decorosa por meio do desempenho de uma atividade lícita, livremente escolhida ou aceita”, e estabelece, no art. 7º, que o direito ao trabalho “supõe que toda pessoa goze do mesmo em condições justas, equitativas e satisfatórias”, cumprindo aos Estados garantir: remuneração que assegure, no mínimo, a todos os trabalhadores condições de subsistência digna e decorosa para eles e suas famílias e um salário equitativo e igual por trabalho igual, sem nenhuma distinção; o direito de todo trabalhador de seguir sua vocação e de dedicar-se à atividade que melhor atenda às suas expec-tativas e a trocar de emprego de acordo com a respectiva regulamentação nacional; o direito do trabalhador à promoção ou avanço no trabalho, para o qual serão levadas em conta suas qualificações, competência, probidade e tempo de serviço; estabilidade dos trabalhadores em seus empregos, de acordo com as características das indústrias e profissões e com as causas de justa separação. No caso de dispensa injustificada, o trabalhador terá direito a uma indenização ou à readmissão no emprego ou a quaisquer outras prestações previstas pela legislação nacional; segurança e higiene no trabalho; proibição de trabalho noturno ou em atividades insalubres e perigosas para os menores de 18 anos e, em geral, de todo trabalho que possa pôr em risco sua saúde, segurança ou moral; limitação razoável das horas de trabalho, tanto diárias como semanais, devendo a jornada ser de menor duração quando se tratar de trabalho perigoso, insalubre ou noturno; repouso; gozo do tempo livre; férias remuneradas; remuneração dos feriados nacionais.

Note-se que todos estes direitos são assegurados na perspectiva da melhoria da condição humana, social, econômica e política do trabalhador e da sua família e à realização das condições necessárias para uma vida em sintonia com a dignidade humana.

Deste modo, quando se fala em efetividade do Direito do Trabalho deve estar presente que se trata da realização concreta de direitos voltados à melhoria da condição humana, social, econômica e política do trabalhador e sua família e à realização das condições necessárias para uma vida em sintonia com a dignidade humana.

Nesta linha de raciocínio, tendo o Direito Processual do Trabalho como uma das suas funções principais tornar concreto o Direito do Trabalho, é inegável que qualquer medida que afete a efetividade da jurisdição atinge, na essência, o próprio Direito do Trabalho.

Com efeito, existe entre estes dois ramos autônomos do Direito uma íntima conexão, no sentido de que “o direito processual do trabalho deve criar as condições processuais aptas a assegurar a máxima efetividade possível do direito do trabalho e, com isto, os direitos que traduzem as condições necessária a uma vida digna [...]. O direito processual do trabalho serve ao direito do trabalho e, este, à dignidade humana. Com isto, o direito processual do trabalho serve à dignidade humana.” (ALMEIDAc, 2016, p. 69).

Acrescente-se que íntima conexão entre o direito processual do trabalho e do direito do trabalho impõe:

  1. ao legislador, a criação de instrumentos aptos à realização da tutela adequada, efetiva, tempestiva, simplificada e econô-mica dos direitos assegurados pela ordem jurídica;

  2. às partes e ao juiz, o respeito aos princípios do direito do trabalho, na perspectiva, de que o processo do trabalho não pode servir à desconstrução do direito do trabalho;

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  3. ao legislador, às partes e ao juiz, a consideração da dimensão humana, econômica, social e política do direito do trabalho e, com isto, também da sua violação. (ALMEIDAc, 2016, p. 69).

    Atenta a esta realidade, a CLT assegura ao juiz ampla liberdade na direção do processo e a ele...

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