Homologação de acordo extrajudicial pela justiça do trabalho em matéria de sua competência. Processo de jurisdição voluntária

AutorRicardo Wagner Rodrigues de Carvalho
Páginas390-396

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1. Aspectos gerais da reforma trabalhista

Sob a justificativa de “modernizar” a legislação trabalhista foram procedidas açodadas modificações no corpo da CLT1, sem que houvesse a necessária discussão com a sociedade, o que, fatalmente, trará mais prejuízos do que benefícios para o Mundo do Trabalho, sofrendo este, em dias atuais, inúmeras transformações que obscurecem o horizonte, trazendo incertezas quanto ao desfecho dessas mudanças2.

Diante disso, introduziu-se em nosso ordenamento jurídico a Lei n. 13.467/2017 que procedeu à alteração de inúmeros artigos da CLT, revogou tantos outros e criou novas figuras, ainda estranhas ao Direito e Processo do Trabalho. Debruçam-se sobre o diploma normativo juristas, ainda atônitos, quanto aos possíveis efeitos sobre as relações de trabalho e com reflexos inevitáveis no Processo do Trabalho.

As transformações nas relações de trabalho no Brasil contêm ingredientes ainda mais perversos, em relação ao trabalhador: uma sociedade segregadora e discriminatória, com um enorme abismo entre a classe dominante e os trabalhadores em geral, além de uma crise econômico-financeira que assola o país. Nesse contexto é que se pretendem proceder as malfadadas “modernizações” na legislação trabalhista, incluindo a processual.

No campo do Direito Processual do Trabalho, causam espécie as restrições ao acesso à Justiça, constituindo, em certa medida, verdadeiro inviabilizador do manejo de ações por parte do trabalhador. Tanto é assim, que abriu-se a oportunidade de questionamentos quanto à constitucionalidade dessas alterações, como aque-las colocadas na Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Procuradoria Geral da República (ADIN 5766), cuja relatoria coube ao Ministro Roberto Barroso. Em referida ação o questionamento se restringe aos aspectos dos benefícios da Justiça Gratuita que sofreram forte restrição com a Reforma Trabalhista. Mas as modificações no campo do Direito Processual do Trabalho não ficam por aí, conforme o leitor poderá constatar ao longo deste artigo.

A respeito do tema em epígrafe, não há dúvida de que surgem, a cada dia, incentivos para agilizar a solução de conflitos, prática de gestão judiciária que pode ser observada em todas as esferas do Poder Judiciário. Tanto é assim que o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução n. 125/2010 tratando exatamente do tratamento adequado para solução de conflitos, considerando a natureza e peculiaridade de cada um deles. Instituiu, portanto, a “Política Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos de interesses” (art. 1º, da Res. N. 125/2010).

De par com essa diretriz, o Direito Processual do Trabalho sempre apresentou vocação conciliatória, característica, inclusive, presente na legislação processual. Com efeito, o art. 764 da CLT prevê a possibilidade de conciliação em qualquer fase do processo e os arts. 831 e 846 da CLT preveem momentos obrigatórios em que o Juiz deverá propor a conciliação (na abertura da audiência e antes de proferir a sentença).

Não obstante estes aspectos, a Justiça do Trabalho sempre foi refratária quanto à homologação de acordos extrajudiciais na amplitude que se deseja, por entender que não pode figurar como mero órgão homologador da vontade das partes, mesmo porque os direitos trabalhistas, em sua maioria têm natureza indisponível.3

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Tal questão, como poderemos analisar ao longo desse artigo, apresenta-se como fator de segurança para o trabalhador, na certeza de que o Juiz prolator da sentença homologatória poderá analisar, não apenas os requisitos formais de validade do acordo apresentado pelas partes, mas também o conteúdo do termo de acordo apresentado.

Com a Reforma Trabalhista, imposta pela Lei n. 13.467/2017, acrescentou-se um capítulo na CLT dedicado ao processo de jurisdição voluntária (arts. 855-B a E, da CLT), especificamente aplicável à homologação de Acordo Extrajudicial.

Nesse contexto, importante conceituarmos jurisdição voluntária e o papel do Magistrado na condução do procedimento, o qual, por certo, será simplificado e tem como objetivo maior a resolução mais célere de conflitos. No entanto, não podemos perder de vista que celeridade não se confunde com pressa e, tampouco, com renúncia a direitos originariamente indisponíveis. Importante investigar a respeito da mens legislatorisi ao instituir procedimento de jurisdição voluntária para homologação de acordos extrajudiciais, uma vez, repita-se, a induvidosa vocação conciliatória da Justiça do Trabalho e todo arcabouço legislativo já existente privilegiando esta modalidade de solução de conflitos.

Ademais, a diretriz presente hoje no processo do trabalho é de extinção do processo quando as partes buscarem a mera homologação da rescisão contratual no Judiciário, conforme remansosa jurisprudência. Além disso, a jurisprudência consolidada do Tribunal Superior do Trabalho trata como faculdade do Juiz a homologação de acordos, a teor do entendimento contido na Súmula n. 418 do TST4.

Nesse panorama surge, no horizonte, o procedimento de Jurisdição Voluntária, inaugurado no Processo do Trabalho, com capítulo dedicado exclusivamente a este rito. Mas, a reboque, procedeu-se à revogação do art. 477, § 1º da CLT, que trata da homologação das rescisões contratuais por parte do sindicato e outros órgãos que enumera, emergindo dúvidas quanto à real intenção da expressa previsão de rito próprio para homologação de acordos extrajudiciais.

Mauro Schiavi preleciona:

Os arts. 855-B a 855-E da CLT disciplinam polêmico instituto de homologação de acordo extrajudi-cial, qualificado como procedimento de jurisdição voluntária, o que sempre encontrou uma resistência grande na Justiça do Trabalho, em razão de princípios próprios do direito material do trabalho como a irrenunciabilidade de direitos, e do acesso á justiça do trabalhador economicamente fraco.

Doravante, os Juízes do Trabalho deverão ter grande sensibilidade em analisar e avaliar, no caso concreto, a extensão da quitação bem como a pertinência ou não da homologação.

Importante refletirmos sobre os efeitos dessas modificações e possível crescimento de acordos extrajudiciais que poderão representar verdadeira renúncia a direitos trabalhistas já adquiridos, em razão do término da contratação.

2. Jurisdição voluntária

Segundo Greco Filho citado por Diddier, Jurisdição Voluntária “é uma modalidade de atividade estatal ou judicial em que o ó rgã o que a exerce tutela assistencialmente interesses particulares, concorrendo com o seu conhecimento ou com a sua vontade para o nascimento, a validade ou a eficá cia de um ato da vida privada, para a formação, o desenvolvimento, a documentação ou a extinção de uma relação jurídica ou para a eficácia de uma situação”5.

Não obstante tratar-se de interesses privados, nos processos de jurisdição voluntária, a participação do Estado-Juiz é obrigatória para que as partes alcancem o seu desiderato.

Por não constituir atividade típica do Judiciário, há quem negue a natureza jurisdicional do procedimento. Passando ao largo dos motivos que alimentam a corrente administrativista, adoto o entendimento de Alexandre Freitas Câmara, considerando a Jurisdição Voluntária como verdadeira modalidade de jurisdição6:

Afirmada a natureza jurisdicional da jurisdiç ã o voluntá ria, há que se buscar o elemento que a distingue da ‘contenciosa’ (rectius, jurisdiç ã o nã o voluntá ria), e tal elemento, a meu juí zo, está na pretensã o.

Como já se disse, pode haver processo sem lide, o que nã o pode haver é processo sem pretensã o.

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Tal assertiva decorre da iné rcia caracterí stica da funç ã o jurisdicional. O Estado-juiz só exerce a funç ã o jurisdicional se provocado, e tal provocaç ã o se faz atravé s da manifestaç ã o em juí zo de uma pretensã o. Sendo tal pretensã o de integraç ã o de um negó cio jurí dico de direito privado, estar-seá diante da jurisdiç ã o voluntá ria. Caso contrá rio, a hipó tese será de jurisdiç ã o contenciosa (ou nã o voluntá ria). Assim, aquele que vai a juí zo pleiteando a separaç ã o consensual ou a alienaç ã o de um bem de incapaz pretende tã o somente que o ato judicial confira validade ao negó cio jurí dico que quer realizar. A hipó tese será , portanto, de jurisdiç ã o voluntá ria.

A reforçar o caráter jurisdicional da Jurisdição Voluntária pode-se citar a norma contida no art. 16 do CPC de 20157 que não mais apresenta a dicotomia antes presente no art. 1º do CPC de 19738 que subdividia a jurisdição em contenciosa e voluntária9.

Importa observar que a participação do Juiz no processo de jurisdição voluntária é requisito de validade do negócio jurídico de interesse das partes, competindo ao Juiz não somente a análise dos elementos formais, como também “adotar em cada caso a solução que considerar mais conveniente ou oportuna”10, constituindo verdadeira autorização para o julgamento por equidade11.

3. O procedimento de jurisdição voluntária e o processo do trabalho antes e depois da reforma trabalhista

O Código de Processo Civil vigente dedicou capítulo específico à Jurisdição Voluntária, cujas disposições são aplicáveis ao Processo do Trabalho, a teor do art. 769 da CLT, quando constatada a lacuna normativa e depois de exercido o prévio, e necessário, exame de compatibilidade com a sistemática processual trabalhista.12

Inexistindo, até o momento, na CLT, regramento próprio quanto ao tema, abre-se espaço para aplicação do CPC, por força do art. 769 da CLT e art. 15 do CPC. A aplicação se dá não só quando constatada a lacuna normativa, mas também nas denominadas lacunas ontológicas e axiológicas13.

Embora pouco comuns, há exemplos de processos de jurisdição voluntária na Justiça do Trabalho, quando a pretensão se limita à expedição...

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