O novo procedimento da exceção de incompetência territorial no processo do trabalho

AutorCarolina Silva Silvino Assunção
Páginas346-352

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1. O acesso à justiça e a competência territorial

Como forma de se alcançar a pacificação social, os Estados avocaram para si o encargo e o monopólio de definir o direito concretamente aplicável diante das situações litigiosas, bem como o de realizar esse mesmo direito, se a parte recalcitrante recusar-se a cumprir espontaneamente o comando concreto da lei (THEODORO JÚNIOR, 2011, p. 45).

Para cumprir essa função estabeleceu-se a jurisdição, que é o exercício de parcela da soberania do Estado com a finalidade de fazer prevalecer a regra jurídica concreta sobre o litígio estabelecido entre indivíduos.

Em razão da necessidade de se organizar a atuação do Poder Judiciário de forma a otimizar a prestação dos serviços, estipulou-se o critério da competência, que visa distribuir, entre os vários órgãos, as atribuições relativas ao desempenho da jurisdição (THEODORO JÚNIOR, 2011, p. 169).

A distribuição da competência, que é realizada por normas constitucionais, leis processuais e normas de organização judiciaria, classifica-se consoante os seguintes critérios: (i) competência interna e internacional; (ii) competência em razão do valor da causa; (iii) competência em razão da matéria; (iv) competência funcional e (v) competência territorial.

Segundo Humberto Theodoro Júnior, denomina-se competência territorial a que é atribuída aos diversos órgãos jurisdicionais levando em conta a divisão do território nacional em circunscrições judiciárias (THEODORO JÚNIOR, 2011, p.185)1. Além de ser ferramenta essencial à racionalização da prestação do serviço judiciário por permitir maior eficiência e especialização de cada órgão no julgamento de determinados tipos de causa, a competência territorial é tema indispensável para se verificar a efetividade do direito fundamental do acesso à justiça (art. 5º, XXXV CR/88).

Os critérios de distribuição da competência territorial no processo do trabalho estão elencados no art. 651 da CLT, que estabelece como premissa a atribuição do processamento e julgamento da ação trabalhista ao juízo da localidade em que o empregado prestou serviços ao empregador. Observa-se que, diferentemente do Código de Processo Civil, que estabeleceu como regra geral critério subjetivo (local do domicílio do réu — art. 46 CPC), o legislador celetista adotou critério objetivo de fixação da competência territorial, com o claro propósito protecionista de assegurar ao trabalhador maior acessibilidade à Justiça do Trabalho para resguardar seus direitos.

Segundo João Oreste Dalazen, a adoção, como regra geral, do critério de se considerar competente a vara do local da prestação dos serviços visou facilitar ao empregado a produção de prova (sobretudo, pericial e testemunhal) dos fatos controvertidos e evitar-lhe despesas com locomoção. O escopo da lei foi facilitar ao litigante economicamente mais débil e vulnerável o ingresso em juízo em condições mais favoráveis para a defesa de sus direitos, independentemente da posição processual que assumir. Levou em conta o legislador que, em tese, é mais fácil ao empregado recolher as provas no local onde ele trabalha ou trabalhou. (DALAZEN, 2017, p. 90).

É certo que a intenção do legislador foi alcançada à época da edição da Consolidação das Leis do Trabalho, porquanto adequada ao contexto social do país da década de quarenta, época na qual ainda não havia se intensificado a migração de trabalhadores no território nacional, fato que se acentuou a partir da segunda metade do século XX. Naquele tempo, devido ao estágio de desenvolvimento dos meios de comunicação e de transporte, não se vislumbrava grande fluxo no deslocamento de pessoas com a única finalidade de obter trabalho, de maneira que, normalmente, procurava-se emprego nas proximidades de seu domicílio.

A partir da intensificação da industrialização e do crescimento econômico, o país vivenciou não só grande

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fluxo migratório para grandes centros, mas também o deslocamento de trabalhadores para o desempenho de atividades temporárias, tais como o labor nas agriculturas de larga escala e na construção de grandes obras de infraestrutura.

A migração de trabalhadores para locais distantes de sua residência nos quais conseguem obter trabalho e contratação, mediante contratos de prazo determinado, dificulta seu acesso à justiça e a exigibilidade de direitos trabalhistas descumpridos (DE CASTRO, 2014, p. 332).

Segundo Raphael Miziara,

(...) o acolhimento literal do foro da prestação de serviços, acaba, muitas vezes, por impossibilitar o trabalhador a ajuizar a reclamação trabalhista, tendo em vista sua carência de recursos financeiros, o que, redundará, inexoravelmente, na sua inaptidão para ajuizar a ação.

Basta imaginar a situação na qual um trabalhador do setor canavieiro do Estado do Piauí que, após trabalhar durante o período de safra do Estado de Minas Gerais, retorna a sua terra natal e pretenda ingressar em juízo buscando a tutela jurisdicional para a satisfação de horas extras não pagas.

Exigir que o referido empregado se desloque ao local da prestação de serviços para o ingresso em juízo é o mesmo que lhe negar tal acesso, face ao manifesto obstáculo criado pela ausência de recur-sos financeiros do Reclamante, aliado ao alto custo de deslocamento e estada no local da prestação dos serviços. (MIZIARA, 2016, p. 192)

O atual contexto social e econômico da sociedade brasileira exigiu dos operadores do direito verdadeira releitura da norma celetista a fim de adequá-la à visão constitucionalista do Direito Processual do Trabalho, que exige a concretização dos preceitos constitucionais como forma de afirmação de uma sociedade justa e democrática.

Cientes da nova realidade brasileira — notadamente marcada pelo grande fluxo de deslocamento de trabalhadores de regiões áridas e com escassez de postos de trabalho para polos da agroindústria e de grande desenvolvimento econômico e, a par da necessidade de se atender à mens legis e do dever do operador do direito de identificar os obstáculos a serem transpostos para a efetiva materialização do direito fundamental do acesso à justiça — os Tribunais do Trabalho passaram a flexibilizar a norma prevista no art. 651 da CLT, de forma a permitir o ajuizamento da ação no foro do domicílio do trabalhador quando existente a possibilidade de compatibilizar o acesso à justiça da parte hipossuficiente com o direito do exercício da ampla defesa do empregador.

Nesse sentido é decisão recentemente proferida pela 7ª Turma do c. TST, que declarou como competente o foro de Mossoró/RN, local do domicílio do reclamante, em detrimento do foro do local da prestação dos serviços (Macaé/RJ), em razão de a reclamada ser empresa de grande porte e que tem atuação em diversos pontos do país e que, portanto, tem facilidades de locomoção o que, consequentemente, lhe permite o amplo exercício do contraditório e ampla defesa. Entendeu o órgão julgador que o art. 5º, § 1º da CR/88 impõe uma série de deveres ao Estado, não só no âmbito legislativo, mas também no judiciário, no sentido de adotar interpretações que viabilizem, na máxima extensão o amplo e irrestrito acesso aos seus órgãos, bem como a própria obtenção de julgamentos substancialmente justos2.

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A discussão acerca do foro competente para processar e julgar e julgar a ação trabalhista desafia a interposição da exceção de incompetência territorial.

A redação original da Consolidação das Leis do Trabalho exigia que as empresas se locomovessem ao órgão indicado como competente pelo trabalhador mesmo quando pretendessem arguir a exceção de competência territorial. Em razão da necessidade de se deslocarem, alegavam prejuízo ao seu direito, também constitucional, de acesso à justiça e exercício substancial do direito de defesa em razão de, muitas vezes, o ajuizamento da ação se dar em local muito distante de sua sede, inviabilizando o comparecimento em juízo em razão dos altos custos.

A Lei n. 13.467/17, também conhecida como reforma trabalhista, veio trazer novo procedimento da exceção de incompetência territorial para satisfazer o interesse de grandes empresas que recrutam trabalhadores nas mais diversas regiões do país e que constantemente são demandadas nos domicílios atuais de seus ex-empregados.

A alteração legislativa já desperta elogios e críticas da comunidade jurídica. Para que se possa ter a correta dimensão das implicações que a Lei n. 13.467/17 trouxe ao procedimento de exceção de incompetência territorial, necessário se faz, primeiramente, analisar como era disciplinada a matéria na redação original da Consolidação das Leis do Trabalho.

2. O procedimento de exceção de incompetência territorial na redação original CLT/43

A Consolidação das Leis do Trabalho disciplinava o procedimento de exceção territorial nos arts. 799 e 800, sendo que esse último tinha redação sucinta. Em razão da insuficiente regulamentação na norma celetista, o Direito Processual do Trabalho se valia, de forma subsidiária, das normas do processo civil comum (art. 769 CLT).

O advento do Código de Processo Civil de 2015 trouxe diversas reflexões acerca da compatibilidade das normas processuais comuns ao processo do trabalho, principal-mente no que diz respeito à possibilidade de apresentação da exceção no bojo da contestação (art. 337, II CPC) e a faculdade de apresentá-la no domicílio do réu (art. 340 CPC). Apesar de a maioria da doutrina ter se posicionado favoravelmente à aplicação do art. 337, II CPC ao processo do trabalho e contrariamente à norma do art. 340 CPC3, certo é que as novidades legislativas do CPC/15 não alteraram substancialmente a sistemática de verificação da competência territorial no processo do trabalho.

Consoante o...

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