O recurso de revista no processo do trabalho à luz das alterações introduzidas pela reforma trabalhista

AutorMurilo Rodrigues Coutinho
Páginas430-445

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A edição da Lei n. 13.467/2017 trouxe algumas consideráveis modificações na sistemática recursal trabalhista, especialmente quanto ao Recurso de Revista. Podemos separá-las entre alterações: a) menores, como a explicitação de poderes do Ministro Relator para decidir monocraticamente, conforme a inclusão dos §§ 11 e 14 no art. 896 da CLT; b) pontuais, mas com amplos reflexos, como a da técnica de fundamentação em um tópico específico de negativa de prestação jurisdicional com a inserção do inciso IV no § 1º-A do art. 896 da CLT, e; c) mais profundas, como a revogação dos §§ 3º a 6º do art. 896 da CLT, introduzidos pela recente Lei n. 13.014/2014, eliminando a uniformização, digamos, compulsória da jurisprudência dos Tribunais Regionais do Trabalho por meio de Incidentes de Uniformização de Jurisprudência — IUJ e, ainda, a introdução de seis parágrafos no art. 896-A, que agora regulamentam, em lei, um instituto há tempos existente e inoperante: a transcendência do recurso de revista.

Faremos observações conforme a necessidade de aprofundar em cada tema, refletindo sobre as consequências das alterações e possíveis rumos interpretativos a serem dados.

1. Inserção do inciso IV no § 1º-a do art 896 da CLT. Fundamentação recursal em negativa de prestação jurisdicional

Como sabido, o jus postulandi é a faculdade de qualquer parte de atuar na Justiça do Trabalho sem um advogado nas causas decorrentes da relação de emprego. Essa norma teria eficácia reduzida se não fossem os princípios da oralidade e da simplicidade que estão consagrados mesmo ainda com a alteração provocada pela Lei n. 13.467/2017 no art. 840, caput e § 1º, da CLT1 e permitem que a atuação sem advogado ocorra sem maiores rigores técnicos. Assim, ao invés de serem considerados regras especiais da petição inicial trabalhista, esses dois princípios e em especial o da simplicidade, foram alçados a verdadeiros princípios norteadores do Direito Processual do Trabalho, conforme reconhecido até mesmo pela jurisprudência do TST2.

Desse modo, deve-se interpretar de forma integrativa o jus postulandi e, como instrumento para viabilizá-lo, os princípios da oralidade e da simplicidade previstos no art. 840, caput e § 1º, da CLT, conforme inclusive reitera a jurisprudência do TST3, salvo as exceções previstas

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na Súmula n. 4254, editada em maio de 2010, firmando que o jus postulandi não alcança o Recurso de Revista e outros instrumentos processuais específicos.

Atendo-se exclusivamente ao Recurso de Revista, que é o foco deste estudo, a fundamentação para tal separação é, em suma, de que este tem natureza recursal extraordinária, sobressaindo aspectos estritamente técnico-jurídicos, o que o distinguiria, por exemplo, do recurso ordinário5.

Embora não seja o objetivo deste artigo a análise dos princípios que norteiam o Direito Processual do Trabalho, as observações feitas são de suma importância para entender como o TST vem alterando a sua própria compreensão das características do Recurso de Revista, sendo que por meio da Súmula n. 425 já afastou deste a incidência do art. 791 da CLT e, ao que parece, mini-miza a aplicação dos princípios especiais e caracterizadores deste ramo processual especial, como o princípio da simplicidade do art. 840, § 1º, da CLT, embora este último, o da oralidade e o jus postulandi estejam desde a redação original de maio de 1943 e incidissem ao então “recurso extraordinário trabalhista”6, ou seja, foram pensados originariamente para a aplicabilidade inclusive em casos de recursos de natureza técnica.

A cisão de incidência principiológica iniciada no Direito Processual do Trabalho em 2010 com o afastamento do jus postulandi do Recurso de Revista, entretanto, não teve o condão de desacoplar o princípio da simplici-dade da estrutura argumentativa tanto de petições subs-critas por advogados quanto de despachos e decisões de magistrados, pois o princípio da simplicidade já convivia e amoldava-se a uma larga e pretérita jurisprudência recursal formal e técnica7.

Destacamos, por exemplo, o prequestionamento, considerado pela jurisprudência do TST essencial ainda que se trate de discutir incompetência absoluta (OJ n. 62 da SBDI-1); que a decisão de TRT que simplesmente adota os fundamentos de primeiro grau e não explicita as suas próprias razões de decidir não atende prequestionamento (OJ n. 151 da SBDI-1), bastando, todavia, que o TRT adote explicitamente a tese, ainda que sem menção a dispositivo (OJ n. 118 da SBDI-1), mas havendo necessidade de a parte indicar expressamente o dispositivo legal nas razões do Recurso de Revista (Súmula n. 221). Dispensa, todavia, o prequestionamento quando a violação indicada houver surgido no próprio acórdão regional (OJ n. 119 da SBDI-1).

Pelo que se percebe, o legislador e a própria jurisprudência do TST ao longo dos anos quiseram mudar o feitio do recurso de natureza extraordinária trabalhista, reduzindo-lhe as hipóteses de incidência, até porque caso mantida a redação original ter-se-ia hoje um apelo que fatalmente seria uma terceira instância de ampla discussão, e não uma Corte de uniformização da legislação trabalhista voltada para uma discussão mais técnica.

Entretanto, ainda que se acolha a alegada complexificação de recursos de natureza técnica, o que justificaria inviabilizar que a própria parte se valesse do jus postulandi para interpor seu recurso, o que se percebe é que os advogados utilizam do princípio da simplicidade previsto no art. 840, § 1º, da CLT e neste fincam a técnica argumentativa utilizada no Recurso de Revista, causando também impactos na estrutura e aprofundamento argumentativo decisório dos magistrados da Justiça do Trabalho, pois o princípio da simplicidade também está ligado à celeridade, outro pilar de sustentação teleológico do Direito Processual do Trabalho: faz-se o simples para poder se fazer mais.

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Como nem as várias Orientações Jurisprudenciais e Súmulas mencionadas foram suficientes para alterar a estrutura técnica argumentativa pautada na simplicidade, pretendida — ou, ao menos, sinalizada — pelo TST para o Recurso de Revista sob o argumento de se tratar de recurso técnico, não por falta de qualificação dos advogados, mas por conta da cultura jurídica processual arraigada ao princípio da simplicidade até mesmo dos próprios magistrados, restou fazer alterações na estrutura legislativa a fim de explicitar a técnica recursal a ser utilizada, cuja transformação ganhou força com o § 1º-A e incisos I a III do art. 896 da CLT, introduzidos pela já picotada Lei n. 13.015/2014, que passaram a exigir que a parte se desincumbisse, sob pena de não conhecimento, do ônus de:

I) indicar o trecho da decisão recorrida que consubstancia o prequestionamento da controvérsia objeto do recurso de revista;

II) indicar, de forma explícita e fundamentada, contrariedade a dispositivo de lei, súmula ou orientação jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho que conflite com a decisão regional, e;

III) expor as razões do pedido de reforma, impugnando todos os fundamentos jurídicos da decisão recorrida, inclusive mediante demonstração analítica de cada dispositivo de lei, da Constituição Federal, de súmula ou orientação jurisprudencial cuja contrarie-dade deve apontar.

Como se percebe, houve uma indiscutível complexificação discursiva e argumentativa do Recurso de Revista, sendo que o legislador passou a exigir do advogado subscritor — vejam-se os termos! — que indique o trecho da decisão recorrida e, ainda, de forma explícita e fundamentada, contrariedade a dispositivo de lei, ou jurisprudência qualificada do TST, inclusive mediante demonstração analítica, exigência técnica formal muito superior e explícita quando comparada às exigências dos recursos extraordinário para o STF e especial para o STJ8. Não fosse suficiente a normatização e jurisprudência, a Lei n. 13.467/2017 complementou o rigorismo do art. 896, § 1º-A, da CLT com a introdução do inciso IV, de seguinte teor:

Art. 896. (...)

§ 1º-A (...)

IV — transcrever na peça recursal, no caso de suscitar preliminar de nulidade de julgado por negativa de prestação jurisdicional, o trecho dos embargos declaratórios em que foi pedido o pronunciamento do tribunal sobre questão veiculada no recurso ordinário e o trecho da decisão regional que rejeitou os embargos quanto ao pedido, para cotejo e verificação, de plano, da ocorrência da omissão.

As razões de ordem de política judiciária são claras: conforme publicado pelo próprio sítio do TST na internet9, ao final do primeiro trimestre de 2017, como previsível, o tema mais recorrente em recursos na Corte Superior era o de horas extras, com 45.938 feitos a discutir esse tema. A grande surpresa veio logo com o segundo colocado: negativa de prestação jurisdicional, com 45.192 casos, já com razoável distância do terceiro tema, intervalo intrajornada que constou em 30.187 processos.

Cabe, num primeiro momento, refletir as...

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