O direito das obrigações e o direito digital - contratos eletrônicos e a responsabilidade civil no ambiente digital
Autor | Guilherme Spillari Costa e Victoria Paganella |
Ocupação do Autor | Doutorando e mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Especialista em direito civil. Advogado. / Mestre em Direito Europeu e Alemão (UFRGS/CDEA). Especialização em Direito do Consumidor (Universidade de Coimbra). Advogada. |
Páginas | 45-82 |
O DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
E O DIREITO DIGITAL –
CONTRATOS ELETRÔNICOS
E A RESPONSABILIDADE CIVIL
NO AMBIENTE DIGITAL
Guilherme Spillari Costa*
Victoria Paganella**
Sumário: Introdução – 2. Contratos eletrônicos; 2.1 Conceitos; 2.2 Regulamentação do con-
trato eletrônico; 2.3 Formação do contrato no meio digital; 2.4 A prova do contrato eletrônico;
2.4.1 A assinatura eletrônica; 2.4.2 A testemunha no contrato eletrônico – 3. Responsabilidade
civil no direito digital; 3.1 Responsabilidade civil no Código Civil (CC); 3.2 Responsabilidade
civil no Código de Defesa do Consumidor (CDC); 3.3 Responsabilidade civil no Marco Civil da
Internet (MCI – Lei 12.965/2014); 3.4 Responsabilidade civil na Lei Geral de Proteção de Dados
Pessoais (Lei 13.709/2018 – LGPD); 3.5 Responsabilidade civil e o Projeto de Lei do Marco Legal
da Inteligência Articial – Referências.
INTRODUÇÃO
Adotando a classicação defendida por Fernando Noronha, o direito das
obrigações disciplina essencialmente três situações: (a) a relação de troca de bens
entre pessoas e de prestação de serviços (obrigações negociais); (b) a reparação
de danos que umas pessoas causem a outras (responsabilidade civil); e (c) os be-
nefícios indevidamente recebidos com o aproveitamento de bens ou direitos de
outras pessoas (enriquecimento sem causa).1 Em outras palavras, são as seguintes
as fontes (origens) das obrigações: o negócio jurídico, a responsabilidade civil e
o enriquecimento sem causa.
* Doutorando e mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Especialista
em direito civil. Advogado. E-mail: gscostaadv@gmail.com.
** Mestre em Direito Europeu e Alemão (UFRGS/CDEA). Especialização em Direito do Consumidor
(Universidade de Coimbra). Advogada. E-mail: paganellavictoria@gmail.com.
1. NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 28. Para uma análise
aprofundada sobre outras classicações e as demais fontes das obrigações, sugerimos: MIRAGEM,
Bruno. Direito civil: direito das obrigações. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 80-126.
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Neste trabalho, trataremos sobre o contrato, já que é “a espécie de negócio ju-
rídico mais relevante”,2 e a responsabilidade civil, institutos com maior repercussão
prática, inclusive para o contexto do direito digital, objeto do presente trabalho.
Desta forma, a primeira parte do trabalho irá cuidar sobre o contrato ele-
trônico, suas diferentes denominações, as normas aplicáveis, os requisitos para a
sua formação e, por m, como se dá a sua prova.
A segunda parte do trabalho abordará as regras de responsabilidade civil
com maior repercussão no contexto do Direito Digital. Serão examinados os
pressupostos e os principais desaos no ambiente virtual das regras de responsa-
bilidade civil no Código Civil, no Código de Defesa do Consumidor, no Marco
Civil da Internet, na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e no Projeto de Lei
do Marco Legal da Inteligência Articial.
2. CONTRATOS ELETRÔNICOS
2.1 Conceitos
Tradicionalmente, dene-se o contrato como o acordo formado por duas ou
mais pessoas no intuito de constituir, regular ou extinguir uma relação jurídica de
natureza patrimonial.3 É espécie de negócio jurídico que se distingue por exigir a
presença de ao menos duas partes na sua formação.4 Contrato é ato jurídico que
vincula, que cria ou modica direitos e obrigações para as partes contraentes,
cujo ato em si e seus efeitos são protegidos pelo direito.5
O desenvolvimento da tecnologia, em especial a partir da popularização da
internet6 e o consequente fenômeno da digitalização,7 proporcionou que contratos
sejam entabulados a partir de pessoas situadas em diferentes locais do mundo
e de forma instantânea, ou quase instantânea, em ambientes virtuais, através de
diferentes ferramentas tecnológicas como e-mail, plataformas e aplicativos, uti-
lizando diferentes hardwares, a exemplo do computador, aparelho celular, tablet.
Portanto, mudaram o ambiente e a forma da contratação.
Sobre o assunto, importa trazer a doutrina de Bruno Miragem:
2. MIRAGEM, Bruno. Direito civil: direito das obrigações. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 87.
Segundo Amaral, sendo o negócio jurídico o meio de realização da autonomia privada, o contrato é o seu
símbolo. AMARAL, Francisco. Direito civil. Introdução. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 384.
3. BESSONE, Darcy. Do contrato. Teoria geral. Rio de Janeiro. Forense, 1987. p. 21.
4. GOMES, Orlando. Contratos. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 4.
5. MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações
contratuais. 9. ed. São Paulo: ompson Reuters, 2019. p. 35.
6. MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 8. ed. São Paulo: omson Reuters Brasil, 2019. p.
663-665.
7. HOFFMANN-RIEM, Wolfgang. Teoria geral do direito digital. Transformação digital. Desaos para o
direito. Rio de Janeiro: Forense, 2021.
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O DIREITO DAS OBRIGAÇÕES E O DIREITO DIGITAL
Dentre os vários exemplos de avanço tecnológico nenhum é mais relevante do que o desen-
volvimento da internet, o qual deu causa, mesmo, ao surgimento de uma dimensão nova
do mercado de consumo (mercado de consumo virtual) e as relações que se estabelecem
por intermédio dela, como o comércio eletrônico – integrando fenômenos diversos como
a oferta pela internet e os meios de pagamento eletrônico –, novas estruturas negociais de
oferta de produto e serviços – caso, e.g. do fornecimento por plataforma digital – e a estra-
tégia de reconhecimento mais preciso dos interesses dos consumidores – em especial pelo
tratamento de dados pessoais.8
A venda à distância, por si só, não é novidade, pois já ocorria através da
troca de correspondências e, posteriormente, do telefone, havendo disposições
– situação que foi mantida e até mesmo ampliada no atual Código de 2002, con-
forme será tratado em item a seguir.
Desta forma, as compras e vendas à distância, assim como o instituto do contra-
to de maneira geral, acompanham a evolução das ferramentas tecnológicas no curso
da história. A diferença das ferramentas existentes há mais tempo (correspondências,
telefonemas, rádio, televisão) das atuais diz respeito especicamente à digitalização,
sendo possível agora a troca de dados digitais, como textos, sons e imagens.
Esta nova forma de contratar, praticada no comércio eletrônico em contra-
posição ao comércio tradicional,10 tem sido chamada de diferentes formas pela
doutrina, como contratos por computador,11 contrato telemático,12 contratos do
comércio eletrônico,13 contrato eletrônico,14 contrato digital.15
8. MIRAGEM, Bruno. Novo paradigma tecnológico, mercado de consumo digital e o direito do consumidor.
In. MARQUES, Claudia Lima. LORENZETTI, Ricardo Luis. CARVALHO, Diógenes Faria de. MIRAGEM,
Bruno. Contratos de serviços em tempos digitais. Contribuição para uma nova teoria geral dos serviços e
princípios de proteção dos consumidores. São Paulo: omson Reuters Brasil, 2021. p. 306.
9. Art. 1.081. Deixa de ser obrigatória a proposta: I – Se, feita sem prazo a uma pessoa presente, não foi
imediatamente aceita. Considera-se também presente a pessoa que contrata por meio do telefone.
Art. 1.086. Os contratos por correspondência epistolar, ou telegráca, tornam-se perfeitos desde que
a aceitação é expedida, exceto: (...)
10. MARQUES, Claudia Lima. Conança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor. Um estudo
dos negócios jurídicos de consumo no comércio eletrônico. São Paulo: Ed. RT, 2004. p. 35-36. LOREN-
ZETTI, Ricardo Luis. Comércio eletrônico. Trad. Fabiano Menke. São Paulo: Ed. RT, 2004.
11. SANTOLIM, Cesar Viterbo Matos. Formação e ecácia probatória dos contratos por computador. São
Paulo: Saraiva, 1995.
12. LUCCA, Newton de. Aspectos jurídicos da contratação informática e telemática. São Paulo: Saraiva, 2003.
13. MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações
contratuais. 9. ed. São Paulo: ompson Reuters, 2019. p. 97. MARQUES, Claudia Lima. Conança
no comércio eletrônico e a proteção do consumidor. Um estudo dos negócios jurídicos de consumo no
comércio eletrônico. São Paulo: Ed. RT, 2004. p. 35-36.
14. MENKE, Fabiano. A forma dos contratos eletrônicos. Revista de Direito Civil Contemporâneo. v. 26. p.
85-113. jan./mar. 2021. REBOUÇAS, Rodrigo Fernandes. Contratos eletrônicos. Formação e validade
– aplicações práticas. 2. ed. São Paulo: Almedina, 2018.
15. PINHEIRO, Patricia Peck. WEBER, Sandra Tomazi. OLIVEIRA NETO, Antonio Alves de. Fundamentos
dos negócios e contratos digitais. São Paulo: omson Reuters Brasil, 2019.
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