A partilha de bens digitais

AutorFernanda Las Casas e José Luiz de Moura Faleiros Júnior
Ocupação do AutorDoutoranda pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito Civil. Especialista em Direito de Família e Sucessões. Professora Titular da UNIMES. Professora de cursos jurídicos. Diretora do IBDFAM Santos. Coordenadora da Comissão de Pesquisas em Direito de Família e Sucessões do IBDFAM Santos e Membro da International Society of Family ...
Páginas143-176
A PARTILHA DE BENS DIGITAIS
Fernanda Las Casas*1
José Luiz de Moura Faleiros Júnior**2
Sumário: Introdução – 1. Dos regime de bens e suas normas jurídicas; 1.1 Do regime primário
de bens; 1.2 Do regime da comunhão parcial de bens; 1.3 Do regime da comunhão universal
de bens; 1.4 Do regime da separação convencional; 1.5 Do regime da separação obrigatória;
1.6 Regime de participação nal dos aquestos; 1.7 Mutabilidade de regime de bens após o
casamento e pacto antenupcial – 2. O planejamento patrimonial nos casamentos e uniões
estáveis; 2.1 Os pactos antenupciais; 2.2 Os contratos de convivência – 3. Da partilha de bens;
3.1 Na extinção da conjugalidade: no casamento, na união estável e na união homoafetiva; 3.2
Na sucessão: com disposição testamentária e sem disposição testamentária – 4. Bens jurídicos;
4.1 Os bens digitais e suas classicações; 4.2 Autonomia privada e a tutela instrumental dos
bens digitais – 5. Considerações nais – Referências.
INTRODUÇÃO
Ao longo da história, sempre existiu grande controvérsia entre juristas,
lósofos e sociólogos sobre o fundamento do bem jurídico e sua partilha. Muito
se discutiu sobre a origem e a legitimidade desse direito. Várias teorias foram
formuladas, na tentativa de trazer o justo e aceitável em cada tempo.
Este estudo se propõe a trazer a lume questões atinentes à partilha de bens
digitais, para tanto, dispõe-se a apresentar diversos posicionamentos sobre o que
são bens jurídicos, quais os regimes legais e como atuam no término das relações.
Buscou-se ponderar como impactará a escolha do regime, no matrimônio,
com o m da conjugalidade, seja decorrente de dissolução da sociedade conjugal,
seja em decorrência de causa sucessória.
* Doutoranda pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito Civil. Especialista em Direito
de Família e Sucessões. Professora Titular da UNIMES. Professora de cursos jurídicos. Diretora do
IBDFAM Santos. Coordenadora da Comissão de Pesquisas em Direito de Família e Sucessões do
IBDFAM Santos e Membro da International Society of Family Law. Autora e Coordenadora de obras
e artigos dedicados ao estudo do Direito de Família e Sucessões. Advogada.
** Doutorando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo – USP/Largo de São Francisco. Dou-
torando em Direito, na área de estudo ‘Direito, Tecnologia e Inovação’, pela Universidade Federal de
Minas Gerais – UFMG. Mestre e Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU.
Advogado e Professor.
EBOOK MANUAL DE DIREITO DIGITAL CIVIL.indb 143EBOOK MANUAL DE DIREITO DIGITAL CIVIL.indb 143 07/10/2022 11:09:4907/10/2022 11:09:49
FERNANDA LAS CASAS E JOSÉ LUIZ DE MOURA FALEIROS JÚNIOR
144
E de forma desaadora, apresentam-se os bens digitais nas relações matri-
moniais e sua partilha no caso de extinção da relação.
1. DOS REGIME DE BENS E SUAS NORMAS JURÍDICAS
Aduzem Gagliano e Pamplona que regime de bens é “o conjunto de normas
que disciplina a relação jurídico-patrimonial entre os cônjuges, ou, simplesmente,
o estatuto patrimonial do casamento.1
Ampara-se em três princípios fundamentais os quais darão o direcionamento
do regramento jurídico, a saber, o princípio da liberdade de escolha, o princípio
da variabilidade e o princípio da mutabilidade.
O princípio da liberdade de escolha, amparado na autonomia privada, ra-
tica que a escolha pelo regime jurídico de bens adotado é livre, salvo quando a
lei determinar, em situação especíca, para uma questão pontual, que o Estado
interra para proteger alguma vulnerabilidade.
A escolha do regime de bens é uma prerrogativa assegurada no artigo 1.639
do Código Civil, a qual reconhece, da autonomia da vontade, a liberdade de autor-
regulação na esfera da vida privada do casal. Por certo, a liberdade de escolha será
exercida em razão e nos limites da função social do casamento e da união estável.
O segundo princípio mencionado é o da variabilidade, que se relaciona à
possibilidade de escolha entre os quatro regimes de bens, regimes estes que os
nubentes têm oportunidade de escolher. Esses regimes estão previstos no Código
Civil nos artigos 1.639 e seguinte; caso não façam uma escolha, a lei determina
que, no silêncio das partes, prevalecerá o regime da comunhão parcial.
O último princípio, o da mutabilidade, relaciona-se com a possibilidade de
alteração posterior do regime de bens, está previsto no art. 1.639, § 2º, do CC,
que determina que a mudança seja feita sob justicativa, mediante autorização
judicial, desde que ressalvados os direitos de terceiros.
Os três princípios, acima elencados, encontram-se transcritos no artigo
1.639 do Código Civil:
Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus
bens, o que lhes aprouver.
§ 1º O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento.
§ 2º É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido
motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados
os direitos de terceiros.
1. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. São Paulo: Saraiva,
2021, v. 6: direito de família, p. 113.
EBOOK MANUAL DE DIREITO DIGITAL CIVIL.indb 144EBOOK MANUAL DE DIREITO DIGITAL CIVIL.indb 144 07/10/2022 11:09:4907/10/2022 11:09:49
145
A PARTIlHA dE bENS dIGITAIS
Desta forma, estando resguardada a ordem pública, os cônjuges e compa-
nheiros são livres para escolher o regime jurídico patrimonial de seus respectivos
relacionamentos, inclusive com a possibilidade de mesclar preceitos de regimes
diversos e até mesmo criarem um estatuto próprio, não previsto em lei.2
Por conseguinte, tem-se que regime de bens compõe o conjunto de regras
relacionadas à proteção e à administração do patrimônio do casal durante a con-
jugalidade e, no Brasil, essas regras estão previstas no Código Civil nos artigos
1.639 a 1.688.
A escolha pelos nubentes é oportunizada antes de aderirem ao casamento,
momento em que estes têm a oportunidade de informarem-se, a m de escolher
qual o melhor regime de bens que se adequa ao patrimônio familiar do casal.
As pessoas que optarem em viver na modalidade de União Estável, caso o
façam por meio da pactuação formal, seguiram na escolha das mesmas regras
disponíveis aos nubentes; porém, caso mantenham-se em União Estável sem
qualquer tipo de formalização, no silêncio da escolha, a lei determina que o regime
patrimonial será da comunhão parcial de bens.
1.1 Do regime primário de bens
O legislador brasileiro, baseado nas Ordenações Portuguesas, estabeleceu
que, realizado o casamento válido, irrompem obrigações e direitos patrimoniais
aos contraentes do matrimônio, pois estes passam a submeterem-se às normas
afetas à regulamentação dos bens.
Apenas com a edição do Código Civil de 1916 que, no Brasil, foram instituídas
quatro modalidades de regimes de bens, quais sejam, o regime dotal, a comunhão
parcial de bens, a separação total de bens e a comunhão universal de bens, essa
última sendo intitulada regime de bens ocial, quando ausente a escolha do re-
gime de bens a ser adotado mediante pacto antenupcial, como explica Balsius.3
Como regimes de bens primários, Dias os organiza sob a divisão nos regimes
previstos em lei,4 os quais acabam por limitar a autonomia privada com o propósito
de preservar o contexto familiar, por meio de preceitos sólidos.
Nesta esteira, é previsto no Código Civil de 2022 os seguintes regimes, vi-
gorando no Direito Brasileiro: comunhão parcial de bens; comunhão universal
2. RANGEL, Rafael C. Partilha de bens. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 40.
3. BLASIUS, Adriana Letícia. Evolução histórica e prática do instituto do regime de bens. Publicado em
30.07.2018. Disponível em https://www.kustermachado.adv.br/evolucao-historica-e-pratica-do-ins-
tituto-do-regime-de-bens/ Acesso em: 10 jul. 2022.
4. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 661.
EBOOK MANUAL DE DIREITO DIGITAL CIVIL.indb 145EBOOK MANUAL DE DIREITO DIGITAL CIVIL.indb 145 07/10/2022 11:09:4907/10/2022 11:09:49

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT