Notas sobre a execução dos smart contracts

AutorPaula Greco Bandeira e Bruna Vilanova Machado
Ocupação do AutorProfessora Adjunta de Direito Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sócia do Escritório Gustavo Tepedino Advogados. / Mestranda em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Advogada.
Páginas319-348
NOTAS SOBRE A EXECUÇÃO
DOS SMART CONTRACTS
Paula Greco Bandeira*
Bruna Vilanova Machado**
Sumário: Introdução – 1. Elementos caracterizadores dos smart contracts – 2. Os smart contracts
à luz dos princípios contratuais – 3. A execução dos smart contracts; 3.1 Os smart contracts na
alocação de riscos contratuais; 3.2 As limitações práticas oferecidas pela autoexecutoriedade
dos smart contracts; 3.3 Alternativas à luz do ordenamento jurídico brasileiro – 4. Conclusão
– Referências.
INTRODUÇÃO
Assiste-se, na Era do Risco, à proliferação de operações econômicas com-
plexas, para as quais, no comum dos casos, o ordenamento jurídico não oferece
solução imediata, a demandar dos contratantes criatividade na elaboração de
negócios atípicos que as disciplinem. Como argutamente observado por Gusta-
vo Tepedino, na Era do Risco, “complexas, atípicas e arriscadas operações, cujos
efeitos extrapolam a economia interna das partes, são submetidas à disciplina
contratual sem que o direito disponha de uma dogmática estabilizada acerca
da álea – alocada, nem sempre de forma simétrica, aos contratantes – e de suas
consequências jurídicas, sociais e econômicas”.1
Tais operações econômicas se expandem em crescente ambiente tecnológico,
que oferece rico instrumental à regulação dos interesses da autonomia privada.
Dentre tais ferramentas, se descortinam os contratos inteligentes, ou, na linguagem
anglo-saxã, smart contracts.
Com efeito, na sociedade contemporânea, o avanço da globalização e o de-
senvolvimento das ferramentas digitais tornaram a tecnologia indissociável das
relações sociais. Como consequência, os serviços e as transferências de riquezas
* Professora Adjunta de Direito Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sócia do
Escritório Gustavo Tepedino Advogados.
** Mestranda em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Advogada.
1. Prefácio. In: BANDEIRA, Paula Greco. Contratos aleatórios no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar,
2010.
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PAULA GRECO BANDEIRA E BRUNA VILANOVA MACHADO
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se operam de maneira cada vez mais automatizada, com reduzido espaço para a
intervenção humana. Esse fenômeno pode ser evidenciado a partir do surgimento
de novas tecnologias como a internet das coisas, a computação em nuvem e a
inteligência articial.
É exatamente nesse contexto da Era Digital que surgem os smart contracts,
ou contratos inteligentes, que, como nova modalidade tecnológica de contratação,
constituirá novo mecanismo oferecido aos particulares para a gestão dos riscos
contratuais que atingem suas atividades.
1. ELEMENTOS CARACTERIZADORES DOS SMART CONTRACTS
Os smart contracts ou contratos inteligentes traduzem relação jurídica contra-
tual perfectibilizada em ambiente digital, com base em protocolos computacionais
que podem ou não se valer da inteligência articial.2 O principal traço distintivo
dos smart contracts, portanto, consiste no seu modo de formalização e execução,
que ocorrem virtualmente e com mínima intervenção humana, seja das partes
envolvidas na contratação, seja de intermediários.3
Os protocolos computacionais por meio dos quais se desenvolvem os smart
contracts consistem em sequências de mensagens entre ao menos dois compu-
tadores que estabelecem uma comunicação em ambiente virtual.4 A partir dessa
2. Consoante se observou: “e name of the legal institution is also misleading: it suggests that the use of
articial intelligence is essential in the operation of the contract, while this is not the case. In general,
a given contract shall be deemed as intelligent if it is able to communicate with another computer
protocol. Smart contracts based on blockchain technology full this criterion” (JUHÁSZ, Ágnes. e
Applicability of Articial Intelligence in Contractual Relationships. Acta Univ. Sapientiae, v. 9, n. 1,
2020, p. 73-74). V. tb. COSTA, José Augusto Fontoura; MARQUES, Leonardo Albuquerque. Contra-
tos inteligentes, OAD e nova economia institucional: perspectivas para a interpretação e aplicação de
ajustes celebrados em computação descentralizada a partir de estudo de caso sobre a vulnerabilidade
da codicação no ambiente do Ethereum. Revista de Direito Civil Contemporâneo, v. 18, p. 61-90. jan./
mar., 2019: “Contratos inteligentes podem ou não empregar inteligência articial e podem ou não ser
executados em uma estrutura de blockchain operada por computação descentralizada”.
3. Vale notar que a automação da execução da avença é o principal traço distintivo entre os smart con-
tracts e os contratos eletrônicos em geral: “Os contratos eletrônicos, assim como os smart contracts,
não representam uma nova categoria contratual, mas sim apenas um novo meio de formalização de
tais contratos. Apesar disso, existe uma importante distinção entre os contratos eletrônicos e os smart
contracts. Enquanto nos contratos eletrônicos ganha destaque o momento da formação – visto que
sua distinção em relação aos contratos tradicionais se deve à forma como são realizados, ou seja, por
meio eletrônico –, nos smart contracts, a ênfase se dá em relação ao momento da execução, também de
forma eletrônica, mas com o diferencial da automatização” (WANDERLEY, Gabriela de Sá Ramires.
Smart Contracts: uma nova era do direito obrigacional? Revista de Direito e as Novas Tecnologias, v. 7,
São Paulo, 2020).
4. Em autorizada doutrina: “A protocol in computer science is a sequence of messages between at least
two computers. At a higher level of abstraction, a protocol consists of algorithms communicating via
messages” (SZABO, Nick. Formalizing and securing relationships on public networks. First Monday,
vol. 2, n. 9, set. 1997. Disponível em: https://journals.uic.edu/ojs/index.php/fm/article/view/548/469.
Acesso em: 18 maio 2021). Cfr. tb.: GALLOWAY, Alexander R. Protocol. eory, Culture & Society, v.
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