Responsabilidade civil dos provedores de internet

AutorThiago Ferreira Cardoso Neves
Ocupação do AutorDoutorando e mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro ? UERJ. Professor dos cursos de pós-graduação da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro ? EMERJ, da PUC-Rio, do CEPED UERJ, do Centro de Ensino Renato Saraiva ? CERS e da Faculdade Unyleya ? Estratégia. Coordenador e professor dos cursos de Pós-gradua...
Páginas107-142
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS
PROVEDORES DE INTERNET
Thiago Ferreira Cardoso Neves*1
Sumário: Introdução – 1. Os provedores de internet – 2. A relação jurídica entre provedores
e usuários da rede mundial de computadores – 3. A responsabilidade civil dos provedores de
internet; 3.1 Responsabilidade civil dos provedores por danos causados por ato próprio; 3.2
Responsabilidade civil dos provedores por danos causados por ato de terceiro – 4. Conclusão.
INTRODUÇÃO
A expansão da Internet é um fato inexorável. De um ambiente quase desco-
nhecido há duas décadas atrás, a rede mundial de computadores é levada hoje,
literalmente, na palma da mão de grande parte da população. É uma sociedade
tecnológica em que as comunicações e relacionamentos se dão, em grande parte,
por meios virtuais e eletrônicos, condições essas que se agravaram com a pandemia
do Coronavírus e o isolamento social.
Esses fenômenos sociais e essa tragédia sanitária fortaleceram os empresários
da tecnologia, que se agigantaram e passaram a deter não só um grande poder
econômico, mas também social, inuenciando a vida das pessoas.
Estruturados sob a forma de provedores, eles participam diuturnamente da
vida das pessoas, desde as atividades mais simples, como a busca de um endereço
e o trânsito até a chegada ao destino, até questões mais complexas como projeções
políticas e transações econômicas entre potências mundiais. É impossível, hoje,
vivermos sem os provedores de redes.
Mas, embora exerçam esses importantes papéis, a expansão das atividades
dos provedores tem o seu lado negativo. Não são incomuns os casos de danos
* Doutorando e mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Pro-
fessor dos cursos de pós-graduação da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ,
da PUC-Rio, do CEPED UERJ, do Centro de Ensino Renato Saraiva – CERS e da Faculdade Unyleya
– Estratégia. Coordenador e professor dos cursos de Pós-graduação em Direito Civil e Direito dos
contratos e responsabilidade civil da UCAM/OAB-RJ. Pesquisador visitante no Max Planck Institute
for Comparative and International Private Law – Hamburgo-ALE. Acadêmico e Vice-Presidente Ad-
ministrativo da Academia Brasileira de Direito Civil – ABDC. Membro do Instituto dos Advogados
Brasileiros – IAB. Advogado.
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causados diretamente por eles ou por terceiros por intermédio deles, impactando
a vida de milhões de pessoas ao redor do globo.
Por essa razão, o estudo do regime de responsabilidade civil desses agentes
tecnológicos e sociais é imprescindível, e é o que nos propomos a fazer no presente
estudo, como se verá nos tópicos a seguir desenvolvidos.
1. OS PROVEDORES DE INTERNET
No estudo da disciplina jurídica da responsabilidade civil dos provedores de
Internet, o primeiro marco conceitual a ser estabelecido é o da própria denição
jurídica do que são os provedores de Internet. Ora, como será possível enfrentar
a tortuosa questão atinente ao regime jurídico de responsabilidade civil desses
agentes, se não soubermos identicá-los? Impossível. Por isso, é condição sine
qua non para o exame da responsabilidade civil dos provedores de Internet que
se tenha a exata compreensão destes.
Desde logo, e antes de iniciarmos a análise do conceito desses agentes, res-
salvamos que o propósito, neste tópico, não é ingressar em discussões de caráter
técnico da informática. As denições e discussões aqui apresentadas se limitarão
ao seu aspecto jurídico, especialmente porque com o advento da Lei 12.965/2014,
publicada sob a alcunha de Lei do Marco Civil da Internet – LMC, os provedores
de internet passaram a ser reconhecidos, inequivocamente, como institutos afetos
ao mundo do Direito, isto é, como institutos jurídicos.
A LMC atendeu, em grande parte, aos anseios da classe jurídica acerca da
regulamentação das relações no âmbito da Internet.1 Antes dela havia uma gran-
de lacuna legislativa, que tornavam ainda mais frágeis as já vulneráveis relações
travadas eletronicamente. Uma alternativa muito comum era buscar socorro no
Código de Defesa do Consumidor, particularmente no que toca à questão envol-
vendo a responsabilidade por danos, assim como a criação de leis penais para a
tipicação de certas condutas,2 o que, à toda evidência, era insuciente diante da
complexidade das relações travadas no âmbito da Internet.3
1. A própria questão acerca da regulação, ou não, da Internet é polêmica. Para alguns, regular a Internet
pode limitar e restringir o uxo de informações e, consequentemente, a liberdade de informação.
Para outros, o próprio exercício da liberdade depende da regulação, a m de que sejam respeitados os
direitos dos indivíduos. Sobre a questão, ver SOUZA, Carlos Aonso; LEMOS, Ronaldo. Marco civil
da internet: construção e aplicação. Juiz de Fora: Editar, 2016, p. 14-16.
2. Veja-se, a título exemplicativo, a Lei 12.737/2012, batizada de Lei Carolina Dieckmann, editada após
o vazamento de fotograas contidas no celular da atriz que leva o nome da lei, tipicando diversos
crimes informáticos.
3. A mesma crítica é feita por João Victor Rozzati Longhi, em que observa o fenômeno da diculdade da
regulamentação da internet no Brasil, e a profusão de leis penais tornando típicas condutas comuns
praticadas pelos usuários. Ver LONGHI, João Victor Rozatti. Marco civil da internet no Brasil: breves
considerações sobre seus fundamentos, princípios e análise crítica do regime de responsabilidade civil
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RESPoNSAbIlIdAdE CIvIl doS PRovEdoRES dE INTERNET
Uma das virtudes da Lei 12.965/2014 é a apresentação e a positivação de
alguns conceitos básicos, até então de domínio exclusivo dos técnicos em infor-
mática, de modo a permitir um melhor e adequado tratamento jurídico de temas
não afeitos ao meio jurídico. Com esse propósito, o art. 5º da LMC estabelece um
rol de conceitos, que vão desde a própria Internet, até outros mais complexos,
como o de conexão e registro de acesso, o que se revela importante para facilitar
a solução de conitos que emanam das relações virtuais na grande rede.
Dentre esses conceitos está o do provedor de aplicações, mas, antes disso, o
de aplicações propriamente dito, o que se extrai do disposto no art. 5º, VII, da Lei
12.965/2014, e que se revela essencial para nosso estudo. Segundo o mencionado
dispositivo, aplicações de internet é “o conjunto de funcionalidades que podem
ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet”.
O conceito de aplicações, portanto, é amplo, e diz respeito, de modo simpli-
cado, a todas as atividades que podem ser exercidas através da Internet, como, por
exemplo, a apresentação, visualização e circulação de dados e informações,4 bem
como os serviços que são oferecidos, como a disponibilização de determinados
conteúdos, a possibilidade de se fazer pesquisas na rede, além da manutenção de
páginas na Internet.5
A partir daí é possível se extrair o conceito de provedor de aplicações, que
corresponde às pessoas jurídicas, virtualmente estruturadas, que oferecem, no
âmbito da Internet, funcionalidades como sites, aplicativos, serviços e jogos,6 isto
é, todas as atividades e serviços disponíveis na Internet.
dos provedores. In: MARTINS, Guilherme Magalhães (Coord.). Direito privado e internet. São Paulo:
Atlas, 2014, p. 109.
4. Na lição de Michele Keiko Mori, “Através da Internet é possível realizar várias aplicações, entre elas a
apresentação e a visualização de dados e informações sob forma gráca, a transferência de informações
ordenadas em arquivos armazenáveis e processáveis por computador, a transferência de imagem e som,
a consulta à distância a arquivos de dados, imagens e sons, a comunicação entre dois ou mais terminais
remotos” (MORI, Michele Keiko. Direito à intimidade versus informática. Curitiba: Juruá, 2001, p. 63).
5. Os provedores de aplicações diferem-se, conceitualmente, dos provedores de conexão, como explica
Alan Moreira Lopes: “Pode-se conceituá-las como ‘os serviços oferecidos na grande rede. (...) Diferem-se
dos provedores de conexão, pois atuam somente dentro da rede mundial, ao invés de participarem dos
processos de ingresso do terminal à internet, e são agentes responsabilizáveis por danos decorrentes dos
conteúdos que forem exibidos em suas plataformas ou atividades praticadas, na forma da lei” (LOPES,
Alan Moreira. Lei 12.965, de 23.04.2014 – estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso
da internet no Brasil (marco civil da internet). In: TEIXEIRA, Tarcisio; LOPES, Alan Moreira. (Coord.).
Direitos das tecnologias: legislação eletrônica comentada, mobile law e segurança digital. São Paulo: Ed.
RT, 2015, p. 48).
6. Na lição de Walter Aranha Capanema, os provedores são normalmente instituídos como pessoas
jurídicas, e quando se caracterizam como de aplicação, correspondem a “todas as funcionalidades que
existem na Internet, como sites, aplicativos, serviços e jogos. Podem ser remunerados ou gratuitos. Nesse
último caso, são remunerados indiretamente pela publicidade ou pela venda dos dados dos usuários
(CAPANEMA, Walter Aranha. A responsabilidade civil na internet: uma análise da Lei 12.965/2014.
Revista da EMERJ. v. 20, n. 78, Rio de Janeiro, p. 108, jan./abr. 2017).
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