Direitos da personalidade no metaverso sob a ótica do direito civil brasileiro

AutorJosé Eustáquio de Melo Júnior
Ocupação do AutorDoutorando em Direito (UniCeub) e em Desenvolvimento Regional (UFT). Professor. Juiz de Direito (Tribunal de Justiça do Tocantins ? TJTO). Coordenador do Laboratório de Inovação e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável do TJTO (INTELECTUS/TO). Integrante do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Automação e Inteligência Artificial da ...
Páginas177-226
DIREITOS DA PERSONALIDADE
NO METAVERSO SOB A ÓTICA
DO DIREITO CIVIL BRASILEIRO
José Eustáquio de Melo Júnior*
Sumário: Introdução – 1. compreendendo o metaverso; 1.1 Noções gerais; 1.2 Metaverso ou
multimetaverso?; 1.3 Benefícios e malefícios do metaverso – 2. Os direitos da personalidade
no metaverso sob a ótica do direito civil; 2.1 O nome; 2.2 A imagem; 2.3 A vida privada – 3. Os
direitos da personalidade no metaverso e suas perspectivas sob a ótica do direito civil; 3.1 O
corpo eletrônico; 3.2 A imortalidade – 4. Considerações nais – Referências.
INTRODUÇÃO
O tema que se propõe analisar neste ensaio é o Metaverso, mas diante das
inúmeras possibilidades que se apresentam para o pesquisador, especialmente
na área do Direito, optou-se por delimitar a investigação a algumas questões
importantes referentes aos direitos da personalidade da pessoa física nessa rede
virtual sob a ótica do Direito Civil brasileiro.
Dessa forma, as questões especícas relacionadas à Lei Geral de Proteção de
Dados – LGPD (Lei 13.709/2018)1 e de outras áreas do Direito, como o Direito
Penal, não serão objeto de aprofundamento nesta investigação, pelas seguintes
razões: a) é evidente que desde o cadastro até o término do acesso dos usuários as
normas da LGPD devem ser respeitadas pelas plataformas virtuais, naquilo que
for cabível, como o tratamento de dados pessoais, tais como RG, CPF e e-mail,
sob as penas da lei e judicialização da questão; b) as plataformas virtuais deverão
estruturar medidas rígidas de segurança, como gestão de acesso e controle e
prevenção a vazamento de dados; c) a LGPD regula, predominantemente, o tra-
tamento de dados pessoais e esta pesquisa se propõe a analisar como adequar os
direitos da personalidade ao Metaverso de acordo com as normas civil brasileiras.
* Doutorando em Direito (UniCeub) e em Desenvolvimento Regional (UFT). Professor. Juiz de Direito
(Tribunal de Justiça do Tocantins – TJTO). Coordenador do Laboratório de Inovação e dos Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável do TJTO (INTELECTUS/TO). Integrante do Grupo de Pesquisa In-
terdisciplinar em Automação e Inteligência Articial da Escola Superior da Magistratura Tocantinense
(ESMAT). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8966-705X. Email: jrjeustaquio@gmail.com.
1. Para saber mais sobre a LGPD vide FRAZÃO, Ana; OLIVA, Milena Donato; TEPEDINO, Gustavo
(Coord.). Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e suas repercussões no Direito Brasileiro. São Paulo:
Ed. RT, 2019.
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A inquietação que motivou esta pesquisa está relacionada, de um lado, com o
crescimento do Metaverso entendido não apenas como o aumento de investimen-
tos pelas empresas que atuam no ramo ou melhora na rentabilidade do seu negócio,
mas relaciona-se com a diversicação dos universos virtuais e seus propósitos.
Somente nos cinco primeiros meses do ano de 2022, por exemplo, foram inves-
tidos mais de US$ 120 bilhões em tecnologia e infraestrutura para o Metaverso, mais
que o dobro do valor investido durante todo o ano de 2021 (RODRIGUES P., 2022).
Segundo análise realizada por Kanterman e Naidu (2022), o mercado en-
volvendo o Metaverso pode atingir US$ 783,3 bilhões em 2024 contra US$ 478,7
bilhões em 2020, representando uma taxa de crescimento anual composta de
13,1%. Esse crescimento encontra-se alinhado com a elevação dos títulos de vi-
deogames fabricados para mundos online 3D, muito semelhantes às redes sociais,
e a oportunidade de agregar-se entretenimento ao vivo, como shows e eventos
esportivos. Lee (2022) constatou que um show realizado no Metaverso pode
render até dez vezes mais do que a receita de uma apresentação no mundo real.
De acordo com pesquisa feita pela empresa de consultoria Gartner, divul-
gada pelo Fórum Econômico Mundial, estima-se que um quarto da população
mundial passará ao menos uma hora por dia no Metaverso em 2026, empregando
o espaço virtual para reuniões, shows, eventos virtuais, trabalho e compras, e que
30% de todas as organizações do mundo vão possuir algum produto ou serviço
nessa rede virtual (MASTERSON, 2022).
Pode-se armar, portanto, que o Metaverso encontra-se em expansão e que
representa mais do que o uso de óculos de realidade aumentada e jogos online,
pois contempla, por exemplo, entretenimento ao vivo, redes sociais e conteúdo
gerado pelo usuário (KANTERMAN, 2022).
Os Metaversos mais populares em 2022 são o Axie Innity, CryptoVoxels,
Decentraland, Roblox, e Sandbox, Somnium Space e Star Atlas. Em comum,
todos esses Metaversos admitem a realização de compras por seus usuários que
vão desde lotes de terra virtual até avatares e vestuários e com exceção de Roblox
todos foram desenvolvidos em tecnologia blockchain.2 Entretanto, pode-se ob-
servar que essas redes virtuais diferenciam-se porque algumas são focadas em
games, como o Axie Innity, Roblox, e Sandbox e Star Atlas e outras em eventos
sociais, tais como a CryptoVoxels e Somnium Space.
2. Blockchain é uma rede descentralizada de computadores, uma base compartilhada de dados que faz
registro e validação eletrônica de transações digitais que facilita o processo de registro de transações e
rastreamento de ativos de uma rede empresarial. Para saber mais sobre blockchain vide DRESCHER,
Daniel. Blockchain Básico: uma Introdução Não Técnica em 25 Passos. São Paulo: Novatec, 2018.
LAURENCE, Tiana. Blockchain para leigos. BREGALDA, Maíra Meyer (Trad.). Rio de Janeiro: Alta
Books, 2019. Para aprofundar-se vide ARAÚJO FREIRE, João Pedro Correia de. Blockchain e Smart
Contracts: Implicações Jurídicas. Lisboa: Almedina, 2021.
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Por outro lado, diversos questionamentos surgiram a partir do cresci-
mento dos Metaversos – cada qual com seus preceitos, podendo ou não se
conectarem – destacando-se aqueles relacionados às regras de convivência,
nesse mundo virtual, especialmente dirigidos aos direitos da personalidade
das pessoas físicas.
Quanto a essas regras de convivência, Limongi França (2011) arma que “o
Direito existe para que a pessoa, em meio à vida social, seja aquinhoada segundo
a justiça com os bens necessários à consecução dos seus ns naturais”. Essa ar-
mação do ilustre jurista permanece muito atual, decorridos quase quatro décadas
desde que foi escrita pela primeira vez, contudo, a expressão vida social certamente
passa pela necessidade de uma releitura.
A noção de vida social mencionada pelo professor no início dos anos oitenta
era bem diferente do que se deve compreender atualmente. Àquela época, ine-
xistia a internet como é conhecida hoje, portanto, as relações sociais travavam-se
basicamente por meio de interações pessoais ou cartas. A evolução da tecnologia
desde então fez surgir uma vida social virtual – concomitante à vida social real –,
que se desenvolve em ambientes virtuais que contemplam o Metaverso, segundo
Basan e Faleiros Júnior (2020), por intermédio de redes sociais, e-mails, blogs,
canais de vídeo, páginas pessoais etc., em interativa relação com outras pessoas
e bens virtuais, de modo que o Direito então é chamado para regular essa nova
realidade que contempla a vida social virtual.
As indagações que se propõe responder com esta investigação referem-se aos
direitos da personalidade no âmbito do Metaverso à luz do Direito Civil brasileiro,
especicamente o nome, a imagem e a vida privada e como solucionar dúvidas
relacionadas ao corpo eletrônico e à imortalidade nesse ambiente virtual.
Pode-se armar que algumas dessas questões são respondidas com o emprego
do Direito Civil brasileiro, mas existem outras que ainda ensejam incertezas, seja
em razão da necessidade de regulamentação especíca, ainda carente no Brasil
e no mundo, seja pela diculdade de enquadramento nas normas existentes, de
forma que conduzem a algumas reexões quanto às perspectivas que circundam
os direitos da personalidade da pessoa física.
Os direitos da personalidade encontram-se consagrados em normas inter-
nacionais como a Declaração dos Direitos Humanos da Organização das Nações
Unidas (ONU), adotada pela ONU em 10 de dezembro de 1948, e a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de
novembro de 1969, recepcionado no Brasil pelo Decreto 678/1992.
Esses direitos da personalidade foram objeto de estudos por diversos doutri-
nadores, mas se pode armar que inexiste uma denição ou acepção amplamente
admitida, o que se justica pela armação de Bittar:
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