Tecnologia, imagem e privacidade: convergências à luz da proteção dos dados pessoais na sociedade tecnológica

AutorVitor Almeida e Ian Borba Rapozo
Ocupação do AutorDoutor e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professor Adjunto de Direito Civil da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (ITR/UFRRJ). Coordenador do Núcleo de Pesquisas em Relações Privadas, Direitos Fundamentais e Políticas Públicas (NUREP). / Mestrando em Direito e Inovação no Programa de Pós-...
Páginas247-270
TECNOLOGIA, IMAGEM E PRIVACIDADE:
CONVERGÊNCIAS À LUZ DA PROTEÇÃO
DOS DADOS PESSOAIS NA SOCIEDADE
TECNOLÓGICA
Vitor Almeida
Ian Borba Rapozo∗∗
Sumário: Introdução – 1. A proteção dos dados pessoais no direito brasileiro: informação e
vigilância na era tecnológica – 2. Imagem e privacidade em risco: os exemplos da internet das
coisas e do reconhecimento facial – 3. Convergências entre os direitos à imagem, privacidade
e proteção dos dados pessoais – 5. Considerações nais – Referências.
INTRODUÇÃO
O alvorecer do século XXI descortina e potencializa uma antiga questão a
respeito do descompasso do Direito com o progresso tecnológico. Em diferentes
áreas jurídicas, as tentativas de regulamentação dos impactos dos avanços tecnoló-
gicos e seus efeitos carecem da velocidade necessária para solucionar os impasses
decorrentes das transformações sociais, culturais e econômicas impulsionadas
ou criadas pelos aparatos tecnológicos.1 Em especial, os avanços tecnológicos
* Doutor e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professor
Adjunto de Direito Civil da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (ITR/UFRRJ). Coordenador
do Núcleo de Pesquisas em Relações Privadas, Direitos Fundamentais e Políticas Públicas (NUREP).
Pós-doutorando em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Advogado.
** Mestrando em Direito e Inovação no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Faculdade de Direito
da Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF. Pós-Graduando em Direito Processual pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais – PUC-MG. Graduado em Direito pela Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ. Pesquisador do grupo de pesquisa Argumentação, Direito e Inovação
(UFJF/CNPq). Pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Direitos Fundamentais, Relações Privadas e
Políticas Públicas – NUREP (UFRRJ). Advogado.
1. Nesta linha, Caitlin Mulholland defende que: “As inovações tecnológicas potencializam a velhice do
Direito. Vivemos num momento em que a tecnologia se desenvolve a largos passos e o Direito não
consegue acompanhar o seu ritmo. Não se tratando de ciência preditiva, o Direito sempre ca atrás na
corrida com – ou para alguns, contra – a tecnologia. De fato, começam a surgir conitos e questiona-
mentos que devem ser respondidos ou referidos pelo Direito, sempre depois que eles se apresentam
como resultado do uso de novas tecnologias”. MULHOLLAND, Caitlin. A tutela da privacidade na
internet das coisas (IOT). In: REIA, Jessica; FRANCISCO, Pedro Augusto P.; BARROS, Marina; MA-
GRANI, Eduardo (Org.). Horizonte presente: tecnologia e sociedade em debate. Belo Horizonte: Casa
do Direito, Fundação Getúlio Vargas, 2019, p. 485.
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VITOR ALMEIDA E IAN BORBA RAPOZO
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desaam a proteção dos direitos da personalidade, categoria que nasce no século
passado e já reclamam uma reformulação de modo a compatibilizar a proteção
integral da pessoa humana em sua dignidade no cenário de intensas modicações
sociais provocadas pela tecnologia, notadamente com a popularização e, por
conseguinte, facilitação dos recursos advindos com a internet.
A hiperconectividade revela que não somente as pessoas se comunicam com
as máquinas, mas que elas também podem se comunicar. As informações e os
dados coletados por meio de produtos aparentemente inofensivos e que oferecem
grande comodidade aos consumidores descortina a face perversa da renúncia
da privacidade nas atividades mais triviais do cotidiano e tornam a proteção dos
dados pessoais uma falácia diante do “consentimento” necessário para o uso de
aplicativos e objetos que fazem parte da vida hiperconectada, que exclui e discri-
mina aqueles que não participam das regras do jogo.
No perturbador romance “Máquinas como eu – E gente como você, Ian
McEwan antecipa os dilemas éticos da convivência entre humanos e androides
numa Londres de 1982. Num cenário que mistura cção e realidade, o autor narra
a relação entre humanos e não humanos numa Grã-Bretanha que recém perdeu
a Guerra das Malvinas e o matemático Alan Turing vive sua homossexualidade
plenamente, sendo suas contribuições essenciais para o avanço da tecnologia, que
permitiram não só a disseminação da internet e dos smartphones, bem como a
criação dos primeiros humanos sintéticos, com aparência e inteligência altamente
dedignas. Adão, o robô da história, era o “primeiro ser humano articial verda-
deiramente viável – com inteligência e aparência plausíveis, movimentos corretos
e mudanças de expressão. “Sua expectativa de vida era de funcional era de vinte
anos. Tinha um corpo compacto, ombros quadrados, pele escura, vasta cabeleira
preta penteada para trás; o rosto estreito e o nariz ligeiramente adunco sugeriam
inteligência viva, combinada com o ar pensativo que provinha das pálpebras um
pouco caídas”. Adão simbolizava o “mais sosticado brinquedo, sonho de todos
os tempos, o triunfo do humanismo – ou seu anjo exterminador.2
Em antecipação à um futuro que agora vivemos, Ian McEwan narra em sua
história que os “programas de reconhecimento de voz, um milagre da década de
1950, tinham se tornado uma tarefa enfadonha, com populações inteiras sacri-
cando várias horas por dia aos solilóquios solitários. A interface entre cérebros
e máquinas, fruto exótico do otimismo da década de 1960, não atraía mais o in-
teresse nem mesmo de uma criança. Aquilo que fazia as pessoas formarem las
durante todo um m de semana, seis meses depois era tão interessante quanto as
meias que elas calçavam. “O futuro estava sempre chegando. O enredo de cção
2. MCEWAN, Ian. Máquinas como eu: a gente como vocês. Trad. Jorio Dauster. São Paulo: Companhia
das Letras, 2019, p. 10 e 12.
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