O direito fundamental à proteção de dados pessoais

AutorDanilo Doneda
Páginas33-49
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O DIREITO FUNDAMENTAL
À PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS
Danilo Doneda
Sumário: 1 Informação e dados pessoais. 2 Bancos de dados e Big Data. 3 Desenvolvimento
das leis de proteção de dados. 4 Princípios de proteção de dados pessoais. 5 Proteção de
dados no ordenamento brasileiro. Referências.
A utilização sempre mais ampla de dados pessoais para as mais variadas atividades
– identif‌icação, classif‌icação, autorização e tantas outras – faz com que esses dados se
tornem elementos essenciais para que a pessoa possa se mover com autonomia e liberdade
nos corredores da Sociedade da Informação.1 Os dados pessoais acabam por identif‌icar
ou mesmo representar a pessoa em uma série de circunstâncias nas quais a sua presença
física não é possível ou conveniente. São elementos centrais, portanto, da proteção da
personalidade e da construção da identidade em nossa sociedade.
O tratamento de dados pessoais, em particular por processos automatizados, é, ao
mesmo tempo, uma atividade que apresenta riscos cada vez mais claros. Risco que se
concretiza na possibilidade de exposição e utilização indevida ou abusiva de dados pes-
soais; na eventualidade de esses dados não serem corretos e representarem erroneamente
seu titular; na sua utilização por terceiros sem o conhecimento ou autorização de seu
titular; na eventualidade de serem utilizados para f‌ins discriminatórios, somente para
citar algumas hipóteses concretas. Daí a necessidade de mecanismos que possibilitem
à pessoa deter conhecimento e controle sobre seus próprios dados – que são, no fundo,
expressão direta de sua própria personalidade.
As tecnologias da informação contribuíram para que a informação pessoal se tornasse
algo capaz de extrapolar a própria pessoa. A facilidade de sua coleta, armazenamento e
a sua utilidade para diversos f‌ins tornou-a um bem em si, ligado à pessoa, mas capaz de
ser objetivado e tratado longe e mesmo a despeito dela – não é por outro motivo que a
informação pessoal é o elemento fundamental em uma série de novos modelos de negócios
típicos da Sociedade da Informação. Diante deste fato, diversas legislaturas estabelecem
um marco normativo de caráter geral para a proteção de dados pessoais, possibilitando
1. Sobre a expressão sociedade da informação, v.: LYON, David. The roots of the information society idea. In: O’SULLI-
VAN, Tim; JEWKES, Yvonne (Ed.). The media studies reader. London: Arnold, 1998. p. 384-402. V. também:
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede: a era da informação, economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e
Terra, 1999. v. 1.
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DANILO DONEDA
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ao cidadão o exercício de seus direitos sobre dados pessoais de forma ampla, conf‌irme
recentemente introduzido no ordenamento jurídico pátrio pela Lei 13.709 de 14 de
agosto de 2018 - a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Considerando a amplitude e
importância da proteção de dados pessoais, este direito é tido em diversos ordenamentos
jurídicos como um instrumento essencial para a proteção da pessoa humana e é consi-
derado como um direito fundamental.
1. INFORMAÇÃO E DADOS PESSOAIS
A informação pessoal deve observar certos requisitos para sua caracterização como
tal. Uma determinada informação pode possuir um vínculo objetivo com uma pessoa,
revelando algo sobre ela. Esse vínculo signif‌ica que a informação refere-se às características
ou ações dessa pessoa, que podem ser atribuídas a ela seja em conformidade à lei, como
no caso do nome civil ou do domicílio, ou então que são informações provenientes de
seus atos, como os dados referentes, por exemplo, aos seus hábitos de consumo, sobre
opiniões que manifesta, à sua localização e tantas outras. É importante estabelecer esse
vínculo objetivo, pois ele afasta outras categorias de informações que, embora também
possam ter alguma relação com uma pessoa, não seriam propriamente informações pes-
soais: as opiniões alheias sobre essa pessoa, por exemplo, a princípio não possuem esse
vínculo objeto; também a produção intelectual de uma pessoa, em si considerada, não é
per se informação pessoal (embora o fato de sua autoria o seja). Pierre Catala, ilustrando
essa categorização, identif‌ica uma informação pessoal quando o objeto da informação
é a própria pessoa:
Mesmo que a pessoa em questão não seja a “autora” da informação, no sentido de sua concepção,
ela é a titular legítima de seus elementos. Seu vínculo com o indivíduo é por demais estreito para que
pudesse ser de outra forma. Quando o objeto dos dados é um sujeito de direito, a informação é um
atributo da personalidade.2
O Conselho Europeu, na Convenção no 108, de 1981 (conhecida como Conven-
ção de Strasbourg), produziu uma def‌inição para informação pessoal que condiz com
essa ordem conceitual. Para a Convenção, informação pessoal é “qualquer informação
relativa a uma pessoa singular identif‌icada ou susceptível de identif‌icação”.3 É explícito,
portanto, o mecanismo pelo qual é possível caracterizar uma determinada informação
como pessoal: o fato de estar vinculada a uma pessoa, revelando algum aspecto objetivo
desta. Note-se que a LGPD se vale de um dispositivo bastante semelhante ao def‌inir como
dado pessoal, em seu art. 5º, I, “informação relacionada a pessoa natural identif‌icada ou
identif‌icável” - aliás, seguindo tendência já presente desde 2011 com a def‌inição no art.
4º, IV da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011) de informação pessoal como
“aquela relacionada à pessoa natural identif‌icada ou identif‌icável”.
2. CATALA, Pierre. Ebauche d’une théorie juridique de l’information. In: Informatica e Diritto, ano IX, jan./apr. 1983,
p. 20.
3. Convenção no 108 – Convenção para a proteção das pessoas em relação ao tratamento automatizado de dados
pessoais, art. 2º.
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