Liberdade de expressão, internet e signos distintivos

AutorPedro Marcos Nunes Barbosa
Páginas239-264
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LIBERDADE DE EXPRESSÃO,
INTERNET E SIGNOS DISTINTIVOS
Pedro Marcos Nunes Barbosa
Sumário: 1 Introdução. 2 A liberdade de expressão na Constituição. 3 A liberdade de expressão
e os signos distintivos. 4 A Internet como palco de conitos entre direitos constitucionais. 5
Conclusão. Referências.
1. INTRODUÇÃO
“Pensei que era liberdade
Mas, na verdade, eram as grades da prisão”
Humberto Gessinger1
Há no senso comum a percepção de que a liberdade de expressão tem sido um valor
cada vez mais “tímido”2 nas relações entre núcleos de interesses, especialmente na seara
comercial.
Liberdade opõe-se a autoritarismo, à deformação da autoridade; não, porém, à autoridade legítima”,
e “quanto mais o processo de democratização avança, mais o homem se vai libertando dos obstáculos
que o constrangem, mais liberdade conquista.3
O diagnóstico de um período pós-constitucional de cerceamento à livre expressão
é facilmente detectado com ataques à liberdade de imprensa,4 ao avanço dos valores pro-
1. Trio, Humberto Gessinger. O preço. São Paulo: BMG, 1996.
2. “Nos dias de hoje, é preciso distinguir: os regimes democráticos permitem a expressão do pensamento, quer pela escrita,
quer por meio de palavras ou dos gestos, quer através de quaisquer sinais exteriores idealizados pela imaginação hu-
mana, ao passo que os regimes totalitários, em qualquer das modalidades em que se apresentem, intervêm em todas as
formas de manifestações do pensamento consideradas prejudiciais ao regime” (CRETELLA JÚNIOR, J. Comentários
à Constituição 1988. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988. p. 212).
3. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 231 e 233.
4. Episódios ultrajantes, como da proibição de um periódico paulista renomado em divulgar dados sobre o f‌ilho de
um ex-presidente, bem demonstram esse período obscuro: “O desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do
Distrito Federal e Territórios (TJDFT), proibiu o jornal O Estado de S. Paulo e o portal Estadão de publicar reportagens
que contenham informações da Operação Faktor, mais conhecida como Boi Barrica. O recurso judicial, que pôs o jornal
sob censura, foi apresentado pelo empresário Fernando Sarney, f‌ilho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP)
– que está no centro de uma crise política no Congresso”. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/noticias/
nacional,justica-censura-estado-e-proibe-informacoes-sobre-sarney,411711,0.htm >. Acesso em: 17 jan. 2020.
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PEDRO MARCOS NUNES BARBOSA
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prietários num ambiente de “combate concorrencial”5 sobre os princípios da liberdade
comunicativa e até mesmo com o atravancamento do direito ao humor.
Assim, como verdadeira máxima de experiência universal, de ontem, de hoje e de sempre, é possível
armar que períodos de exagerada restrição são normalmente sucedidos por outros de exagerada
abertura, sendo a recíproca verdadeira.6
Dessa forma, uma célere análise sobre a “festejada” liberdade de expressão na In-
ternet, meio comunicativo “aberto” e teoricamente democrático, parece ser pertinente
ao fato de que não vivemos um momento de crise, mas a crise do momento.
Assim, também será enfocada a liberdade de expressão no contexto mercantil, ainda
que fora do viés concorrencial, na tentativa de ponderar o direito fundamental estudado
para com outros valores constitucionais.
2. A LIBERDADE DE EXPRESSÃO NA CONSTITUIÇÃO
“Têm o meu destino pronto e não me deixam escolher.
Vêm falar de liberdade pra depois me prender.
Renato Russo e Marcelo Bonfá7
No universo espiritual e político da pólis grega (séculos VII-IV a. C.), o conceito de liberdade repre-
sentava a possibilidade de participação dos cidadãos na vida pública da cidade. Ser livre signicava
poder intervir nos interesses e assuntos políticos. Daí a preeminência do uso da palavra (discussão,
argumentação, debate) como instrumento de atuação na vida social.8
Já no movimento Renascentista, um pouco mais próximo – mutatis mutandi – das
noções atuais, a liberdade de opinião (junto com a tolerância religiosa) marcou a evolução
social no tocante às vicissitudes do multiprincípio Liberdade.
Mas mesmo antes de chegarmos aos – contemporâneos – conceitos de liberdade ne-
gativa e liberdade positiva, os juristas históricos já registravam que a crítica, instrumento
da liberdade de expressão, – até mesmo ao soberano, ao poder constituído –, servia ao
engrandecimento da humanidade.9
5. “A força militar e seu plano de guerra de ‘atingir e correr’ pref‌igura, incorpora e pressagia o que de fato está em jogo no
novo tipo de guerra na era da modernidade líquida: não a conquista de novo território, mas a destruição das muralhas
que impediam o f‌luxo dos novos e f‌luidos poderes globais; expulsar da cabeça do inimigo o desejo de formular suas
próprias regras, abrindo assim o até então inacessível, defendido e protegido espaço para a operação dos outros ramos,
não militares, do poder. A guerra hoje, pode-se dizer (parafraseando a famosa fórmula de Clausewitz), parece cada vez
mais uma ‘promoção do livre comércio por outros meios’” (BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro:
Zahar Editora, 2001. p. 19).
6. GARCIA, Emerson. A liberdade de expressão dos membros do Ministério Público. In: ANDRADE, André. A
constitucionalização do direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 319.
7. O reggae. Legião Urbana. São Paulo: EMI, 1985.
8. MENDES, Alexandre Fabiano. Liberdade. In: BARRETO, Vicente de Paulo. Dicionário de f‌ilosof‌ia do direito. Rio
de Janeiro: Renovar, 2006. p. 534.
9. “Longe de pensar em diminuir a autoridade legítima [...] se engrandecerá, de fato, quando a opinião pública for mais
poderosa do que a força, quando a indulgência e a humanidade f‌izerem que se perdoe aos príncipes o seu poder”. (BEC-
CARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 2. ed. Tradução de Paulo Oliveira. Bauru: Edipro, 2010. p. 18).
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