Marco civil da internet no brasil: breves considerações sobre seus fundamentos, princípios e análise crítica do regime de responsabilidade civil dos provedores

AutorJoão Victor Rozatti Longhi
Páginas121-151
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MARCO CIVIL DA INTERNET NO BRASIL:
BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE SEUS
FUNDAMENTOS, PRINCÍPIOS E ANÁLISE
CRÍTICA DO REGIME DE RESPONSABILIDADE
CIVIL DOS PROVEDORES
João Victor Rozatti Longhi
Sumário: .1 Marco Civil da Internet: princípios, fundamentos e aspectos estruturais. 2 Análise
crítica do regime de responsabilidade civil por conteúdo inserido por terceiros no marco civil
da internet e uma sugestão para a ponderação entre liberdade de expressão e bens da perso-
nalidade. 2.1 Provedor de conexão à Internet. 2.2 Provedor de aplicações de Internet. 2.2.1
Noticação judicial. 2.2.2 Necessidade de indicação da URL para bloqueio do conteúdo.
2.2.3 Exclusão dos direitos de autor e conexos do sistema do Marco Civil. 2.2.4 Conteúdos
com potencial lesivo já reconhecido: o exemplo da pedolia. 2.2.5 A superproteção da li-
berdade de expressão: o caso do hate speech e outros conteúdos potencialmente perigosos.
2.2.6 Compartilhamento e disponibilização de imagens íntimas sem autorização. Referências.
1. MARCO CIVIL DA INTERNET: PRINCÍPIOS, FUNDAMENTOS E ASPECTOS
ESTRUTURAIS
O Marco Civil da Internet no Brasil ou simplesmente Marco Civil (Lei 12.964/14)
como popularmente conhecido, funciona como centro do chamado microssistema da
proteção ao consumidor usuário de serviços de Internet no Brasil, devendo ser lida em
República, além da recente lei geral de proteção de dados pessoais (Lei 13.709/18), que
o complementou e trouxe alterações em seu texto.
Desde a promulgação do Marco vão-se anos e a cada dia as questões envolvendo
relações jurídicas no ambiente digital deixam de ser novidade, constituindo parte inte-
grante do cotidiano do Direito nacional. Em comparação com o início dos estudos sobre
o tema, é possível notar crescente interesse da doutrina e um processo de complexif‌icação
e fortalecimento da jurisprudência. Contudo, tendo-se em vista a dinamicidade e sof‌isti-
cação crescentes da tecnologia, novos desaf‌ios marcam a dinâmica deste incipiente ramo
do Direito, onde novas situações jurídicas se apresentam com velocidade que demanda
atenção constante do prof‌issional do Direito.
Antes de se adentrar especif‌icamente no tema da responsabilização pelo conteúdo
inserido por terceiros, devem ser destacados brevemente alguns aspectos pontuais do
Marco Civil, a f‌im de se ilustrar seus alicerces axiológicos.
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Primeiramente, o caráter principiológico e enunciativo de direitos civis é uma de
suas principais características. O texto legal enuncia como fundamentos: I – o reco-
nhecimento da escala mundial da rede; II – os direitos humanos, o desenvolvimento
da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais; III – a pluralidade e a
diversidade; IV – a abertura e a colaboração; e V – a livre-iniciativa, a livre concorrência
e a defesa do consumidor; e VI – f‌inalidade social da rede (art. 2º).
No que concerne aos princípios, enumera-os em rol exemplif‌icativo:1 I – garantia
da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da
Constituição; II – proteção da privacidade; III – proteção aos dados pessoais, na forma da
lei; IV – preservação da garantia da neutralidade da rede; V – preservação da estabilidade,
segurança e funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os
padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas; VI – responsabilização dos
agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei; e VII – preservação da natureza
participativa da rede; VIII – a liberdade dos modelos de negócios promovidos na Internet,
desde que não conf‌litem com os demais princípios estabelecidos nesta Lei (art. 3º).
Alguns pontos do texto merecem especial destaque, e serão analisados sem a pre-
tensão de exaurir o tema.
Primeiramente, a lei parece se alicerçar sobre um tripé axiológico que dará o norte
da Internet brasileira: neutralidade, privacidade e liberdade de expressão. No que diz
respeito à proteção da neutralidade da rede. Acerca, Tim Wu leciona que:
[...] O ideal de neutralidade anuncia uma rede que trata da mesma forma tudo que transporta, indiferente
a natureza do conteúdo ou a identidade do usuário. No mesmo espírito do princípio m o princípio da
neutralidade garante que é melhor deixar aos “ns” da rede as decisões quanto ao uso do meio, e não
aos veículos de informação.2
Preconiza-se que a ausência de neutralidade na Rede traria seis grandes possíveis
riscos: 1. Filtragem pelos provedores de qual conteúdo é ou não acessado aos usuários;
2. Formação de monopólios verticais entre provedores de conteúdo, acesso e hospe-
dagem com sensível diminuição do poder de escolha dos consumidores acerca do que
acessam; 3. Controle de preços e formação de carteis; 4. Diminuição do tempo médio de
velocidade para o consumidor f‌inal; 5. Restrição à inovação tecnológica; 6. Diminuição
das possibilidades de expressão política na Internet.3-4
1. Art. 3º ...omissis... Parágrafo único. Os princípios expressos nesta Lei não excluem outros previstos no ordenamento
jurídico pátrio relacionados à matéria, ou nos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
2. WU, Tim. Impérios da comunicação. Do telefone à internet, da AT&T ao Google. Tradução da obra The master
switch: the rise and fall of information empires por Cláudio Carina. Rio de Janeiro: Zahar, 2012. p. 244.
3. Cf. ZELNICK, Bob; ZELNICK, Eva. The illusion onf net neutrality: Political alarmism, Regulatory Creep and the real
threat to Internet Freedom. Stanford: Hoover Institution Press, 2013. As premissas, na própria obra mencionada,
enfrentam duras críticas. Contudo, ainda que cause especial estranheza a adesão maciça por parte dos grandes
provedores aos argumentos pró neutralidade, em especial com um aguerrido discurso pela liberdade de expressão
que muito mais parece uma forma de manutenção de sua recém conquistada hegemonia empresarial, parece certo
até o momento que a Internet “neutra” como princípio promova mais a inovação, a concorrência e a democracia
participativa do que o contrário. Nesse sentido, LONGHI, João Victor Rozatti. Privacidad, democracia y redes
sociales en Brasil: ¿Primavera o inverno? Disponível em:
des-sociales-en-brasil-primavera-o-inverno/>. Acesso em: 11 jan. 2021
4. Salienta-se que, principalmente nos Estados Unidos, o estabelecimento de limites aos provedores via regulação na
Federal Communications Comission (FCC) tem cedido espaço a regras mais permissivas aos agentes econômicos
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