O discurso de ódio na internet

AutorAna Paula Barbosa-Fohrmann e Antonio dos Reis Silva Jr
Páginas3-31
1
O DISCURSO DE ÓDIO NA INTERNET
Ana Paula Barbosa-Fohrmann
Antonio dos Reis Silva Jr.
Sumário: 1 Introdução. 2 O caso Mayara Petruso – “mate um nordestino afogado!”. 3 Conte-
údo e limites da liberdade de expressão e de comunicação. 4 A liberdade de expressão e de
comunicação no direito constitucional alemão. 4.1 Breve nota sobre o conteúdo e os limites
do art. 5º da Lei Fundamental. 4.2 Exemplos de casos emblemáticos da Jurisprudência da Corte
Constitucional alemã. 4.2.1 Lüth – BVerfG 198 (1958). 4.2.2 Schmid-Spiegel – BVerfG 12,
113 (1961). 4.2.3 Mephisto – BVerfG 30, 173 (1971). 4.2.4 Entrevista Stern-Strauss – BVerf
G 82, 272 (1900). 4.2.5 Titanic/“Nascido para matar” – BVerfG 86, 1 (1992). 4.2.6 A men-
tira de Auschwitz – BVerfG 90, 241 (1994). 4.2.7 Soldados são assassinos I (BVerfG 1 BvR
1423/92 [1994]). 4.2.8 Soldados são assassinos II – BVerfG 93, 266 (1995). 5 A degeneração
da liberdade de expressão na incitação ao discurso do ódio: a decisão do Supremo Tribunal
Federal sobre o Caso Ellwanger (HC 82.424/03). 6 Responsabilidade civil pela prática do
discurso do ódio. 7 Notas conclusivas. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Dentre os temas relacionados ao debate acerca do conteúdo e limites da liberdade de
expressão, recebe cada vez mais destaque aquele relativo ao discurso do ódio. Não porque
os tempos hodiernos trouxeram mais intolerância, desrespeito e senso de desintegração
por parte das pessoas, mas, sobretudo, em razão da extensão e da amplitude que os efeitos
de tais condutas passaram a atingir na sociedade. Antes restritas ao círculo fechado de
reuniões entre os grupos de intolerantes, ou limitadas pela precária circulação de jornais
ou revistas de conteúdo específ‌ico, as mensagens de incitação e demonstração de ódio
contra determinadas pessoas ou grupos ganharam o público geral a partir da difusão das
novas tecnologias de mídia, como a rádio, a televisão e, especialmente, a Internet, sem
olvidar da terrível experiência dos regimes totalitários do século XX.
Nesse contexto, o presente estudo pretende traçar um panorama da construção do
conteúdo e dos limites da liberdade de expressão e comunicação sob uma perspectiva
comparada, especif‌icamente em relação ao direito alemão, bem como realizar o enfren-
tamento dos possíveis efeitos civis resultantes de tal conduta, centralizando o debate
acerca da responsabilidade civil pela prática do discurso do ódio, realizando, sempre
que possível, o cotejo da teoria com a praxe, em diálogo com o primeiro leading case
brasileiro de discurso do ódio proferido através da Internet.
EBOOK DIREITO DIGITAL 4ED.indb 3EBOOK DIREITO DIGITAL 4ED.indb 3 31/03/2021 16:09:5731/03/2021 16:09:57
ANA PAULA BARBOSA-FOHRMANN E ANTONIO DOS REIS SILVA JR.
4
2. O CASO MAYARA PETRUSO – “MATE UM NORDESTINO AFOGADO!”
Era outubro de 2010, quando, após a eleição da presidente Dilma Rousseff, a então
estudante de direito Mayara Penteado Petruso, utilizando-se de seu perf‌il no Twitter,
publicou diversos textos, com menos de 140 caracteres cada, dentre os quais se destacou
aquele que continha a assertiva segundo a qual “nordestino não é gente”, convocando
seus seguidores a fazer um favor à cidade de São Paulo – matar um nordestino afogado.1
Com a dinâmica, velocidade e f‌luidez do meio eletrônico, em poucos minutos a sua
manifestação havia extrapolado os limites de seus seguidores para alcançar um público
certamente inimaginável para a autora do discurso – toda a coletividade. A causa dessa
amplif‌icação de destinatários pode ser atribuída à própria expansão da mensagem pelo
meio eletrônico, mediante o recurso dos retweets, hiperlinks, ou de colagem de imagem
e reprodução em qualquer outra plataforma fora do Twitter, ou, sobretudo, pela noto-
riedade que a imprensa escrita e audiovisual deu ao caso, atingindo um público ainda
maior, que sequer utiliza a rede mundial de computadores.2
A Internet, instrumento poderoso de divulgação, circulação e coleta de informa-
ções, tem como uma de suas características primordiais a exclusão das fronteiras físicas
e aproximação virtual,3 mas ao mesmo tempo real, de toda e qualquer pessoa conectada,
de modo a permitir, por meio de sua interatividade,4 o amplo acesso aos dados inseridos
na rede.5
Desse modo, não raro, os dados circulados na Internet são amplamente utilizados
como combustível para as mídias paralelas inseridas no próprio ambiente eletrônico,
como jornais e blogs informativos virtuais, assim como servem de fonte cada vez mais
1. Segundo o texto publicado pela autora do fato em seu twitter @mayarapetruso: “Nordestino não é gente, faça um
favor a Sp (sic), mate um nordestino afogado”.
2. Alertando para a necessidade de regulação e do despertar da doutrina sobre a explosão das redes sociais, Anderson
Schreiber aponta que, ao se apresentarem como “fenômeno de avassaladora popularidade, as redes sociais não
podem continuar a ser encaradas pelo direito como espaço patológico de lesão à privacidade e outros direitos de
personalidade. Em vez de virar-se de costas para a realidade contemporânea, é preciso ref‌letir sobre os melhores
modos de adequá-la aos valores fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro”. Cf. Twitter, Orkut e Facebook
– considerações sobre a responsabilidade civil por danos decorrentes de perf‌is falsos nas redes sociais. Diálogos
de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. v. III, p. 167.
3. O caso é um emblema do alcance das informações do ambiente do ciberespaço. Segundo Boaventura de Sousa
Santos, na atualidade, “a transformação mais profunda está a ocorrer nas concepções de espaço e tempo. Todas as
instituições da modernidade foram construídas na base de um espaço-tempo privilegiado [...]. Este espaço-tempo
está hoje a ser desestruturado sob a pressão de um espaço-tempo emergente, global e instantâneo, o espaço-tempo
electrónico, o ciber-espaço” (Os tribunais e as novas tecnologias de comunicação e de informação. Estudos de
direito da comunicação. Coimbra: Ed. IJC, 2002. p. 142).
4. Segundo Alexandre Dias Pereira, “a interactividade é uma dimensão essencial da internet”, considerando a própria
conotação da palavra, que “poderíamos traduzi-la em português por ‘rede interactiva’” (A liberdade de navegação
na internet: browsers, hyperlinks, meta-tags. Estudos de direito da comunicação. Coimbra: Ed. IJC, 2002. p. 228).
5. No que concerne à vocação da Internet para fazer-se depositária de dados com acesso instantâneo e imediato,
superando as fronteiras físicas, cf., por todos: MARTINS, Guilherme Magalhães. Formação dos contratos eletrô-
nicos de consumo via internet. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 32, para quem “a internet, também conhecida
como a grande rede, traz consigo a era do tempo real, permitindo a disposição instantânea de uma informação,
de uma imagem ou som através do mundo [...]. A internet pode ser def‌inida como uma rede de computadores
ligados entre si, [...] de maneira que a identif‌icação das suas fronteiras físicas se torna impossível em virtude da
sua difusão pelo planeta”.
EBOOK DIREITO DIGITAL 4ED.indb 4EBOOK DIREITO DIGITAL 4ED.indb 4 31/03/2021 16:09:5731/03/2021 16:09:57

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT