Regulação das fronteiras da internet: um primeiro passo para uma teoria geral do direito digital

AutorJuliano Madalena
Páginas179-200
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REGULAÇÃO DAS FRONTEIRAS DA INTERNET:
UM PRIMEIRO PASSO PARA UMA TEORIA
GERAL DO DIREITO DIGITAL
Juliano Madalena
Sumário: 1 Introdução. 2 Fundamentos e características do espaço virtualizado. 3 Internet
como objeto passível de regulação pelo direito. 4 O modelo normativo do Marco Civil da
Internet. 5 Considerações nais. Referências.
1. INTRODUÇÃO
As transformações sociais catalisadas pela tecnologia marcam a sociedade contem-
porânea, que a utiliza como meio ou fundamento de suas identidades. Passamos de uma
sociedade industrial, movida por complexas engrenagens, para uma sociedade impul-
sionada pela hiper-informação. O novo reconduziu o homem para horizontes inovado-
res, abandonando caminhos ultrapassados e que levaram o sujeito à diluída sociedade
pós-moderna, já em desuso, e, também, superada pela tecnologia. Se a pós-modernida-
de, ainda que fundada em uma grande opacidade conceitual, demarcou o consumo, a
desconexão do sujeito, do abandono do moderno e da transformação do tempo. Assim,
atualmente podemos assumir que vivemos na sociedade do hiper.
Gilles Lipovetsky leciona que na hipermodernidade “não há escolha, não há alter-
nativa, senão evoluir, acelerar para não ser ultrapassado pela evolução1. Para o sociólogo,
a pós-modernidade nada mais foi que um período de transição, de curta duração, para o
tempo do hipermoderno. Essa fase de elevação à potência regida pelos meios de comu-
nicação – notadamente a internet – e pelo consumo agrava a “Sociedade do Espetáculo
de Guy Debord”, que é marcada pela transposição da realidade. O Homem acredita estar
informado, mas sua vida está diluída e é apresentada a si próprio em um conjunto de
imagens, signos e fragmentos.
Daí surgem fenômenos como o Estado de Vigilância2 de Carlos Molinaro e Ingo
Sarlet, caracterizado pelo poder originário da informação cabendo ao Estado o controle
sobre as fronteiras das esferas públicas e privadas, o que impacta diretamente os direitos
1. LIPOVETSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos. Trad. Mário Vilela. São Paulo: Editora Barcarolla, 2004. p. 57.
2. MOLINARO, Carlos Alberto; SARLET, Ingo Wolfgang. Breves notas acerca das relações entre a sociedade em rede,
a internet e o assim chamado estado de vigilância. In: LEITE, George Salomão; LEMOS, Ronaldo (coord.). Marco
Civil da Internet. São Paulo: Ed. Atlas, 2014. p. 31 e ss.
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JULIANO MADALENA
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fundamentais de liberdade e privacidade3 dos indivíduos. A bem da verdade, vivemos
em uma época de coisif‌icação do homem e a internet parece ser um dos rotores dessa
nova textura social. Desse modo, a tecnologia adentra em nossas vidas. De certa forma, a
hiper-informação despontou uma desordem jurídica desaf‌inando tradicionais institutos,
causando desconf‌iança e medo.
Assim a identif‌icação de algumas dif‌iculdades e características pertinentes ao objeto
jurídico a que nos propomos a tratar inaugura o presente estudo. Defendemos a existência
de cinco características, não exaurientes, peculiares à matéria e que tem propiciado a
contínua readaptação dos institutos jurídicos.
2. FUNDAMENTOS E CARACTERÍSTICAS DO ESPAÇO VIRTUALIZADO
Ainda que tenhamos um marco regulatório da internet no Brasil, jovem e que ainda
precisa estar à prova das interpretações do judiciário, da academia e da sociedade, restam
inúmeras obscuridades a serem iluminadas em matéria de internet e direito. Portanto, o
presente estudo objetiva identif‌icar as peculiaridades do fato social, bem como questionar
as diretrizes adotadas em matéria de regulação da internet. Com efeito, a matéria é relati-
vamente nova para o direito, que precisa se adaptar para atender as demandas sociais de
um mundo virtualizado. Nesse aspecto, precisamos compreender os fatos para melhor
adequá-los ao sistema jurídico. Daí porque deve-se assentar que a sociedade global4
passa por um movimento geral de virtualização5. A vida social está experimentando um
espaço desconhecido, onde a circulação de valores e interações sociais acontecem com
características particulares.
Em nossa busca de entender o processo de mutação dos fatos e adaptação do direito,
é imperioso conhecer as particularidades que a internet ostenta. O equívoco em aplicar
o sistema jurídico na realidade da internet tem como início a desconsideração de suas
características. Até o momento, nem todas análises do fenômeno partiram o cotejo do
tema através dos fundamentos básicos que realmente informam uma teoria geral do direito
digital. Contudo, em obra basilar sobre a matéria, Ricardo Lorenzetti elenca as caracte-
rísticas que identif‌ica como relevantes para o estudo do tema e não deixa despercebido o
estudo do fato para a aplicação do direito6 salientando que “as análises jurídicas não podem
deter-se nos vínculos internos estabelecidos pela tecnologia, desinteressando-se pelo marco
histórico, sociológico, econômico e pelos dados do caso concreto7. Com efeito, Lorenzetti
3. Veja: ULHOA, Fabio. O direito à privacidade no Marco Civil da Internet. In: DE LUCCA, Newton; SIMÃO FILHO,
Alberto; LIMA, Cíntia Rosa Pereira de (coords). Direito & Internet III – Tomo I. São Paulo: Quartier Latin, 2015.
p. 504.
4. Giovanni Iudica aponta que a globalização é o resultado da crise de dois grandes “atores” globais, quais sejam, o
Estado e a Lei. Neste aspecto, importante destacar a lição do autor, para quem a lei pode governar, ordenar ou, pelo
menos, orientar o curso da globalização. Para nós, f‌ica a sugestão quanto à necessária legislação sobre a internet
como caminho para acalmar seus impactos sociais negativos. IUDICA, Giovanni. Revista de Direito Bancário e
do Mercado de Capitais. vol. 4. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 173.
5. LÉVY, Pierre. O que é o virtual? São Paulo: Ed. 34, 1996. p. 11.
6. LORENZETTI, Ricardo L. Comércio eletrônico. Tradução por Fabiano Menke. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2004.
7. Ibidem. p. 26.
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