A proteção de dados pessoais no brasil a partir da lei 13.709/2018: efetividade?

AutorNewton De Lucca e Renata Mota Maciel
Páginas221-238
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A PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS NO BRASIL
A PARTIR DA LEI 13.709/2018: EFETIVIDADE?
Newton De Lucca
Renata Mota Maciel
Sumário: 1 Introdução. 2 Dados pessoais e a necessidade de proteção: novas soluções para
velhos problemas. 3 Principais características dos modelos europeu e estadunidense de pro-
teção de dados e as lições para o Brasil. 4 A efetividade da Lei 13.709/2018 para a proteção
de dados. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A Lei n. 13.709/2018 instaurou ordenação específ‌ica sobre a proteção de dados
pessoais no Brasil.
De acordo com o artigo 1º da Lei, seu objeto é dispor sobre o tratamento de da-
dos pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica
de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais
de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa
natural.
Ainda que o tratamento do tema em lei específ‌ica deva ser festejado, sua edição não
f‌icou a salvo de críticas e intensos debates, como a abrangência do termo “dados pessoais”,
ou a pertinência de uma autoridade garantidora; tanto que neste último sentido houve
a edição subsequente da Lei n. 13.853, de 8 de julho 2019, com o propósito de criar a
Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), órgão da administração pública
federal, integrante da Presidência da República, além de complementar a regulação de
suas atribuições.
A necessidade de proteção dos dados pessoais constitui velho problema, embora
imponha novas soluções, sobretudo com o advento de tecnologias a serviço da coleta,
armazenamento e uso desses dados.
Não parece haver dúvida de que a promulgação da Lei n. 13.709/2018 (LGPD)
buscou tornar mais ef‌iciente a ordenação jurídica voltada à proteção de dados no Brasil.
A questão proposta neste artigo refere-se à efetividade da LGPD neste quesito.
Evidentemente, como a referida Lei ainda está na vacatio legis, a análise aqui apresen-
tada tem escopo preditivo, mas nem por isso impede que se verif‌ique, a partir dos seus
dispositivos, alterações que, efetivamente, permitirão o aprimoramento da proteção de
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dados pessoais no Brasil e, o que talvez seja mais relevante, certa estabilidade esperada,
a f‌im de atender aos desaf‌ios decorrentes da constante evolução tecnológica.
Nesse aspecto, a partir dos modelos regulatórios europeu e estadunidense podem-
-se extrair lições para o Brasil, dado o estágio de desenvolvimento encontrado naqueles
países em matéria de proteção de dados e, também, por força da precedência de seus
instrumentos legislativos.
Ao f‌inal, são apresentados os principais dispositivos da Lei n. 13.709/2018 com
potencial para garantir a efetividade da ordenação de proteção de dados no País.
2. DADOS PESSOAIS E A NECESSIDADE DE PROTEÇÃO: NOVAS SOLUÇÕES
PARA VELHOS PROBLEMAS1
A proteção da privacidade ou, mais especif‌icamente, dos dados pessoais, ao contrário
do que possa parecer, não constitui fenômeno do século XXI. Pelo menos desde o f‌inal
do século XIX o tema é objeto de estudos jurídicos, como bem ilustra o famoso texto de
Samuel D. Warren e Louis D. Brandeis, no qual reconhecem que a proteção integral da
pessoa e da propriedade constitui princípio tão antigo quanto a própria common law,
ainda que, de tempos em tempos, seja necessário def‌inir novamente a exata natureza e
extensão dessa proteção.2
É evidente que o reconhecimento da proteção de dados, nos moldes como apre-
sentada atualmente, decorreu de gradativa marcha rumo à valoração jurídica de bens
intangíveis, os quais não mais se enquadravam na original proteção contra interferências
físicas sobre o binômio vida e propriedade imóvel.
Nesse contexto, como af‌irmam Warren e Brandeis3:
This development of the law was inevitable. The intense intellectual and emotional life, and the hei-
ghtening of sensations which came with the advance of civilization, made it clear to men that only a
part of the pain, pleasure, and prot of life lay in physical things. Thoughts, emotions, and sensations
demanded legal recognition, and the beautiful capacity for growth which characterizes the common
law enabled the judges to afford the requisite protection, without the interposition of the legislature.
Os mesmos autores, já no f‌im do século XIX, alertavam para o premente contexto
da civilização que imporia o reconhecimento do chamado “right to be let alone”, ou
“direito de ser deixado só”, em época na qual ainda surgiam invenções como a fotograf‌ia
instantânea4 e o desenvolvimento de grandes empreendimentos jornalísticos, a fazer
1. Item publicado em DE LUCCA, Newton; DEZEM, Renata Mota Maciel. A proteção de dados pessoais no Brasil
a partir da Lei n. 13.709/2018: avanço ou retrocesso? In: JORGE, André Guilherme Lemos; ADEODATO, João
Maurício; DEZEM, Renata Mota Maciel Madeira (Coord.). Direito empresarial: estruturas e regulação. Volume
2. São Paulo: Uninove, 2018, pp. 255-276.
2. WARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis D. The Right to Privacy. Harvard Law Review. Cambridge: Harvard
University Press. v. IV, n. 05, pp. 193-217, Dec. 1890, p. 193. No mesmo sentido, PARENTONI, Leonardo Netto.
O Direito ao Esquecimento (Right to Oblivion). In: DE LUCCA, Newton; SIMÃO FILHO, Adalberto; LIMA, Cíntia
Rosa Pereira de (Coords.). Direito & Internet III. Tomo I. São Paulo: Quartier Latin, 2015, pp. 539-618.
3. Op. cit., p. 195.
4.
A popularização da fotograf‌ia ocorre a partir de 1888, com o lançamento da “câmera KODAK”, base da
ideia da “fotograf‌ia acessível a todos”, criada por George Eastman, fundador da Eastman Kodak Company
(cf. Wikipedia. Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Kodak. Acesso em 09 set. 2018).
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