Direito a Igualdade e não Discriminação na Relação de Trabalho

AutorSilvia Teixeira do Vale/Rosangela Rodrigues D. de Lacerda
Ocupação do AutorJuíza do Trabalho no TRT da 5ª Região/Procuradora do Trabalho da PRT 5ª Região
Páginas249-273
3.
DIREITO A IGUALDADE E NÃO
DISCRIMINAÇÃO NA RELAÇÃO DE TRABALHO
(1) BITTAR, Eduardo Carlos Bianca; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. 8. ed. São Paulo: Atlas,
2010, p. 111.
(2) BITTAR, Eduardo Carlos Bianca; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. 8. ed. São Paulo: Atlas,
2010, p. 188-207.
(3) BITTAR, Eduardo Carlos Bianca; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. 8. ed. São Paulo: Atlas,
2010, p. 287-289.
(4) NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma teoria do estado de direito. Coimbra: Almedina, 1987, p. 26-37.
Politicamente, a ideia de igualdade sempre esteve
atrelada à concepção de liberdade. Por esta razão, em
muitas situações práticas observadas nas relações de
trabalho, a conduta violadora é, concomitantemen-
te, uma inobservância da isonomia e do direito de
liberdade.
A primeira concepção de igualdade remonta à
filosofia platônica, segundo a qual a desigualdade
era legítima e os privilégios eram naturais a alguns
seres humanos. Assim, a filosofia grega considerava
que algumas pessoas haviam nascido para comandar
(devido à sua virtude ou conhecimento), enquanto
outras haviam nascido para obedecer (por vício ou
ignorância), de modo que a desigualdade natural jus-
tificava a desigualdade social(1). A diferenciação entre
os que possuíam direitos a serem exercidos e os des-
possuídos era legitimada filosófica e juridicamente
pela natural diferença entre os homens, que nasciam
com qualidades, predicados e talentos distintos.
A quebra desta concepção de existência de di-
ferenças naturais entre os seres humanos somente
foi registrada no pensamento dos estoicos e, muito
posteriormente, com a ascensão da doutrina cristã
de criação da humanidade à imagem e semelhança
de Deus(2). Embora o discurso retórico da Igreja Ca-
tólica sustentasse a igualdade entre os homens, o fato
é que, durante a Idade Média, com uma sociedade es-
tamental, as classes sociais e privilégios eram deter-
minados pelo nascimento e origem. Durante a Idade
Moderna, por outro lado, prevaleceu o entendimento
de que a igualdade natural era cedida para o Leviatã,
de modo que a desigualdade advinda da lei civil era
legítima, na medida em que expressaria o preço pago
pelo homem para uma convivência pacífica sob a égide
do contrato social(3). Incumbia a cada indivíduo, por
conseguinte, buscar suas oportunidades, espaços e
êxitos em sociedade, sendo o pensamento de Thomas
Hobbes o embrião do liberalismo e do conceito de
igualdade formal.
A ideia de que todos os seres humanos são iguais,
independentemente de quaisquer critérios, somente
recebeu formulação jurídica na era contemporânea,
precisamente com a Declaração de Direitos da Vir-
gínia, em 1776. Trata-se de um documento, entre-
tanto, que não consagra a igualdade política plena,
pois não reconhecia o direito de sufrágio às mulhe-
res e aos trabalhadores, mas apenas aos burgueses
que detinham a propriedade dos meios de produção.
Por conseguinte, o reconhecimento de uma igual-
dade natural entre os homens, com o corolário de
um tratamento igualitário, também denominado de
igualdade constitucional, foi consagrado em todas as
declarações de direitos que se seguiram às revoluções
liberais do século XVIII. A Revolução Francesa, nes-
ta ordem de ideias, consolidou um longo esforço de
“juridicização do poder estatal”, na dicção de Jorge
Reis Novais(4). A burguesia tencionava a restrição ao
poder estatal e a derrubada das barreiras da socieda-
de estamental e, para este desiderato, necessitava de
uma legislação que assegurasse a todos a igualdade,
conquanto apenas sob o aspecto formal. No Estado
de Direito, portanto, as normas são válidas univer-
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CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DO TRABALHO
salmente e iguais para todos, pois somente a regula-
mentação prévia, abstrata e geral poderia assegurar a
certeza, a previsibilidade, a racionalidade e a justiça
das limitações na esfera da liberdade e propriedade
dos cidadãos. A premissa de que todos são iguais pe-
rante a lei traz implícita a ideia de que as desigual-
dades fáticas entre as pessoas são irrelevantes sob o
ponto de vista jurídico. Em outras palavras, significa
que a lei deve ser aplicada a todos, indistintamente,
ou seja, todos os cidadãos, igualados pela razão, são
destinatários da norma positivada – o legislador ou
o Estado-juiz estão proibidos de estabelecer distin-
ções nas circunstâncias em que a lei não estabelece. A
grande questão é que todos, nesta concepção liberal,
eram os nobres, burgueses proprietários e pequenos
burgueses (artesãos, comerciantes e profissionais li-
berais), jamais os proletários ou as mulheres. O man-
dado de igualdade destinava-se ao Poder Executivo e
ao Poder Judiciário; o legislador, por sua vez, poderia
tratar como iguais ou desiguais as mais diversas si-
tuações, assegurando a manutenção da desigualdade
substancial entre as pessoas. A igualdade “seria, afinal,
desigualdade”, como asseverou Castanheira Neves(5),
e o direito se tornou instrumento de dominação.
A partir das críticas de Karl Marx ao modo de
produção capitalista, no contexto histórico da Revo-
lução Industrial, tornou-se evidente que a desigualda-
de material entre as pessoas é causada pela alienação
do potencial de trabalho do homem, havendo uma
dominação da classe burguesa sobre a classe do pro-
letariado. A igualdade material ou substancial, que
não é um conceito relacionado ao Estado social de
direito, é a tentativa de alcançar, na realidade fática,
a igualdade normatizada. Impende gizar que a igual-
dade material ou substancial tem adquirido, ao lon-
go do tempo, também a nomenclatura de isonomia
ou equidade, pois visa tratar desigualmente os de-
siguais, na medida em que se desigualam. O Estado
do bem-estar social preconiza uma distribuição mais
equitativa da riqueza social produzida e traz para o
centro da discussão a igualdade de chance ou igual-
dade de oportunidades entre os indivíduos, destacan-
do a necessidade de colocar todos os membros da
coletividade em iguais condições de competividade
pelos bens da vida.
(5) NEVES, Antônio Castanheira. Justiça e direito. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, v. 51,
p. 205-269, 1975.
(6) SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 214.
No ordenamento jurídico brasileiro, a igualdade
sempre foi inserida nas Constituições Federais, até
1988, apenas com a finalidade de aplicação formal.
Não havia garantias de efetividade e nem mecanis-
mos para sua regulação, de modo que se traduziu em
um adensamento da racionalidade liberal, mesmo
em se tratando da Constituição Federal de 1946. Se-
gundo José Afonso da Silva,
Nossas constituições, desde o Império, inscre-
veram o princípio da igualdade como igualdade
perante a lei, enunciado que, na sua literalidade,
se confunde com a mera isonomia formal, no sen-
tido de que a lei e sua aplicação tratam a todos
igualmente, sem levar em conta as distinções de
grupos. A compreensão do dispositivo vigente,
nos termos do art. 5º, caput, não deve ser assim
tão estreita. O intérprete há que aferi-lo com ou-
tras normas constitucionais, conforme aponta-
mos supra e, especialmente, com as exigências da
justiça social, objetivo da ordem econômica e da
ordem social(6).
plicou profundo impacto na aplicação do princípio,
que não mais estava adstrito à sua dicção formal,
mas se dirigia a assegurar uma igualdade material.
Por esta razão, não apenas o art. 5º, caput, assegu-
rou a igualdade, mas também os arts. 3º, incisos III e
IV, além dos arts. 170, 193, 196 e 205, bem como o
art. 7º, incisos XXX e XXXI, que garante a efetividade
do preceito no âmbito das relações de trabalho.
Torna-se indene de dúvidas que a Carta Magna de
1988 pretende a efetividade da igualdade material e
cerca o direito de diversas garantias para sua imple-
mentação.
3.1 ESTEREÓTIPO, PRECONCEITO,
DISCRIMINAÇÃO E ESTIGMA:
DISTINÇÕES
A distinção entre preconceito e discriminação não
é valorizada na seara jurídica e, em muitas oportuni-
dades, são utilizadas as expressões como sinônimas.
Entretanto, o preconceito é um sentimento, uma
ideia, uma pré-disposição mental para lidar com um

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