Limites Constitucionais à Autonomia Privada Coletiva

AutorSilvia Teixeira do Vale/Rosangela Rodrigues D. de Lacerda
Ocupação do AutorJuíza do Trabalho no TRT da 5ª Região/Procuradora do Trabalho da PRT 5ª Região
Páginas435-452
8.
LIMITES CONSTITUCIONAIS À
AUTONOMIA PRIVADA COLETIVA
(1) MEIRELES, Edilton. A Constituição do trabalho: o trabalho nas Constituições da Alemanha, Brasil, Espanha, França,
Itália e Portugal. 2. ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 179.
Questão que merece ser analisada prematura-
mente diz respeito ao real alcance da enigmática ex-
pressão “reconhecimento das convenções e acordos
coletivos do trabalho”, prevista no inciso XXVI, do
art. 7º da Carta Política de 1988.
Parece tautológico, mas figura importante asseve-
rar que a Constituição assegura a todos os trabalha-
dores urbanos e rurais o direito ao reconhecimento
de instrumentos coletivos, fruto do exercício pleno
da autonomia privada em cenário igualmente cole-
tivo. Assim, resta claro que, quando as agremiações
resolvem firmar convenções e acordos coletivos de
trabalho, fazem-no exercendo um poder normativo
decorrente e reconhecido a partir da Carta Maior, não
simplesmente conhecido.
O reconhecimento das convenções e acordos co-
letivos a partir da Constituição significa, para as enti-
dades sindicais, que estas, logicamente, têm o direito
de firmar normas coletivas asseguradas pelo Estado,
mas igualmente devem estabelecer ditas normas de
modo a trazer condições inovadoras para a categoria.
Como expressa Edilton Meireles, “o direito assegu-
rado na Constituição, em seu conteúdo, então, é o
direito de estipular a nova condição de trabalho e não
o direito de celebrar a norma coletiva em si”(1).
É dizer: o que o Estado reconhece é o direito das
agremiações não só firmarem normas coletivas, a par-
tir do legítimo exercício da autonomia privada mas,
principalmente, que novas condições de trabalho se-
jam estabelecidas pelos atores sociais. Assim é que, a
partir da lídima atuação sindical, devem ser criados
novos direitos – não direitos já previstos em lei ou na
Constituição, mas algo inovador, como, por exem-
plo, a regulamentação do adicional de penosidade, a
indenização para a dispensa decorrente da dispensa
arbitrária e os meios aptos à proteção à automação –
ou ampliados direitos já existentes na legislação.
Interessante frisar também que o reconhecimento
às convenções e acordos coletivos de trabalho é direi-
to geograficamente assentado no capítulo destinado
aos direitos sociais e, assim sendo, aparentemente,
enfrenta todos os questionamentos em relação à jus-
ticiabilidade ou sindicabilidade a partir do próprio
texto normativo, conforme já refletivo preteritamente
no item 8 da parte geral do presente estudo. Todavia,
é bastante observar singelamente o inciso XXVI, do
art. 7º da Carta Política de 1988, para perceber que
dito dispositivo possui alta densidade normativa, não
necessitando de qualquer regulamentação legislativa
posterior para que possa alcançar a sua maior po-
tencialidade. O que se defende, em outras palavras,
é que o texto normativo em comento é direito social
bastante por si mesmo, protegido, inclusive, sob o
manto do conteúdo pétreo da Constituição Federal.
Nesse passo, às entidades sindicais foi assegurado
constitucionalmente o direito não só de exercer de
forma autônoma a capacidade negocial, mas também
de elevar as condições de toda a categoria, como di-
reito fundamental social dos trabalhadores.
Nunca é despiciendo recordar que o caput do art. 7º
da Constituição Federal de 1988, em sua literalidade,
assegura a melhoria das condições sociais dos tra-
balhadores, vinculando, inclusive, os atores sociais,
quando da confecção de normas coletivas. Material-
mente, a análise do que pode ser considerado mais
benéfico para a categoria obreira tem se mostrado
bastante controverso. Em sede de negociação cole-
tiva, alguns direitos trabalhistas são flexibilizados
em favor de novas garantias aos trabalhadores, como
normalmente ocorre com cláusulas inovadoras, tra-
zendo garantia de emprego por determinado período
e fornecimento de cestas básicas ou outras utilidades,
para compensar diminuição ou perda de direito asse-
gurado em lei ou na Constituição.
436
CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DO TRABALHO
Se é certo afirmar que a negociação coletiva per-
mite, em um cenário de exercício de ampla auto-
nomia das partes, a elaboração de novas diretrizes
normativas por determinado período, não menos
certo é afirmar que, embora a Carta Política de 1988
reconheça as convenções e acordos coletivos como
instrumentos aptos a ensejar a normatização pelas
próprias partes, de forma autônoma, é a própria Lei
Maior quem estabelece limites à autonomia privada
em sede coletiva.
8.1 POSICIONAMENTOS DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL QUANTO AOS
LIMITES CONSTITUCIONAIS À
AUTONOMIA PRIVADA COLETIVA
A constante análise das lides trabalhistas pelo
Supremo Tribunal Federal é algo recente, pois a re-
ferida Corte normalmente não atribuía repercussão
(2) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 820.729/DF. Relator Ministro Teori Zavascki; Órgão jul-
gador: Pleno; Data de julgamento: 12.09.2014; Data de publicação: DJe de 03.10.2014. “EMENTA. PROCESSUAL CIVIL. RE-
CURSO EXTRAORDINÁRIO. NORMA COLETIVA DE TRABALHO. PAGAMENTO DAS HORAS IN ITINERE. FIXAÇÃO DE
LIMITE INFERIOR À METADE DO TEMPO EFETIVAMENTE GASTO NO TRAJETO ATÉ O LOCAL DO SERVIÇO. VALI-
DADE. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. 1. A controvérsia relativa à validade
de norma coletiva de trabalho que limita o pagamento de horas in itinere a menos da metade do tempo efetivamente gasto
pelo trabalhador no seu trajeto até o local do serviço, fundada na interpretação da Consolidação das Leis do Trabalho e da Lei
10.243/01, é de natureza infraconstitucional. 2. É cabível a atribuição dos efeitos da declaração de ausência de repercussão
geral quando não há matéria constitucional a ser apreciada ou quando eventual ofensa à Carta Magna se dê de forma indireta
ou reflexa (RE 584.608 RG, Min. Ellen Gracie, DJe de 13/3/2009). 3. Ausência de repercussão geral da questão suscitada, nos
termos do art. 543-A do CPC”.
(3) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental em Agravo em Recurso Extraordinário n. 923.188/DF. Re-
lator Ministro Dias Toffoli; Órgão julgador: Segunda Turma; Data de julgamento: 15.12.2015; Data de publicação: DJe de
08.03.2016. “EMENTA. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. TRABALHISTA. RE-
CURSO DE REVISTA. ANÁLISE DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
HORAS IN ITINERE. JORNADA DE TRABALHO. LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. CLÁUSULAS DE ACORDO
COLETIVO. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. O Plenário do STF, no exame do RE n. 598.365/MG, Rela-
tor o Ministro Ayres Britto, concluiu pela ausência de repercussão geral do tema relativo a pressupostos de admissibilidade de
recursos da competência de outros tribunais, dado o caráter infraconstitucional da matéria. 2. A solução da lide não prescinde
da análise da legislação infraconstitucional nem do reexame das cláusulas de acordo coletivo de trabalho, os quais são inviá-
veis no recurso extraordinário. Incidência das Súmulas ns. 636 e 454/STF. 3. Agravo regimental não provido”.
(4) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental em Agravo em Recurso Extraordinário n. 654.467/PE. Re-
lator Ministro Ayres Britto; Órgão julgador: Segunda Turma; Data de julgamento: 22.11.2011; Data de publicação: DJe de
16.12.2011. “EMENTA. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. VALIDADE DE NOR-
MA COLETIVA DE TRABALHO QUE ESTABELECE LIMITE DIÁRIO PARA PAGAMENTO AO EMPREGADO DE HORAS
EXTRAS A TÍTULO DE DESLOCAMENTO (HORAS IN ITINERE). CONTROVÉRSIA CIRCUNSCRITA AO ÂMBITO INFRA-
CONSTITUCIONAL. PRECEDENTES. 1. Não é possível, em recurso extraordinário, reexaminar a legislação infraconstitu-
cional aplicada ao caso, dado que eventual ofensa à Constituição Republicana apenas ocorreria de modo reflexo ou indireto.
2. De mais a mais, o Supremo Tribunal Federal entende ser incabível na via recursal extraordinária o reexame da validade de
cláusula de acordo ou convenção coletivos. Isso porque a interpretação de tais instrumentos normativos demanda o revolvi-
mento de matéria fática, atinente à realidade de trabalho própria de cada categoria, incluindo a ponderação, caso a caso, das
vantagens e desvantagens oriundas da estipulação de determinadas condições de trabalho pelas partes acordantes (Súmulas
ns. 279 e 454/STF). 3. Agravo regimental desprovido”.
geral a tais questões, sobretudo quando as querelas
trabalhistas tratavam acerca dos limites constitucio-
nalmente viáveis para a negociação coletiva.
Observe-se, por exemplo, em relação ao paga-
mento das horas de itinerário, que a Excelsa Corte já
havia decidido no sentido da ausência de repercussão
geral, afiançando que a matéria envolvia a interpreta-
ção de normas infraconstitucionais(2)(3)(4).
Entrementes, no ano de 2015, houve uma brusca
mudança de rumo em relação às questões trabalhis-
tas, iniciada com o julgamento do Tema n. 152 da
Tabela de Repercussão Geral, que tratava da renúncia
genérica a direitos mediante adesão a plano de demis-
são voluntária. Por considerar duvidosa a existência
de cláusula genérica prevista em norma coletiva, que
previa o afastamento de análise futura pelo Poder Ju-
diciário trabalhista, ofendendo supostamente o direi-
to fundamental de acesso à Justiça, o STF reconheceu
a repercussão geral do tema e assim decidiu:

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