Terceirização

AutorSilvia Teixeira do Vale/Rosangela Rodrigues D. de Lacerda
Ocupação do AutorJuíza do Trabalho no TRT da 5ª Região/Procuradora do Trabalho da PRT 5ª Região
Páginas494-520
12.
TERCEIRIZAÇÃO
Desde o advento da primeira Revolução Indus-
trial, há forte preocupação sobre como o capital irá se
organizar para conseguir alcançar lucro com o menor
dispêndio de valor ao trabalho humano.
Somente a partir da realidade fabril os operários,
sob a égide de um Estado gendarme, puderam perce-
ber que as alvissareiras liberdade e autonomia, pro-
paladas como dejúrios do capitalismo de primeira in-
dustrialização, não se realizaram no âmbito concreto.
Nesse contexto, antigos artesãos, então incorporados
à realidade capitalista como empregados, lobrigaram
que não eram mais donos dos meios de produção,
nem do preço do produto final de seu labor, que pas-
sava a ser ditado pelo tomador de serviços, doravante
reconhecido como empregador.
Neste universo de ingente exploração da força
laborativa humana, os operários passaram a obser-
var que aquela realidade hostil e degradante não era
um problema meramente individual; ao revés, a ne-
cessidade de respeito a patamares civilizatórios mí-
nimos era uma urgência coletiva, desvelando-se no
ambiente fabril o locus favorável à união de interes-
ses comuns, em consonância com a dignidade do ser
humano trabalhador. Ao mesmo tempo em que a at-
mosfera industrial disciplinava os corpos, capturan-
do saberes que antes eram passados de pai para filho
ou na relação escalonada das corporações de ofício,
igualmente figurava como um campo extremamente
propício para o surgimento de novas reivindicações.
Neste contexto de luta de classes, iniciou-se o
que veio a ser chamado posteriormente de direito
do trabalho, um ramo especializado inacabado, posto
em constante mutação e, apesar de sempre estar sendo
“modernizado”, não deixa de ser vinculado à resolu-
ção dos questionamentos originários. Por esta razão, o
modo como o capital irá se organizar ou como as em-
presas poderão se arranjar, de forma a não aviltar a dig-
nidade do trabalhador, sempre foi e sempre será um de-
safio candente a ser enfrentado pelo direito juslaboral.
Se as questões envolvendo o modo como o capital
poderá se estruturar para se valer do trabalho huma-
no permeiam o diálogo nem sempre pacífico travado
entre operários, empregadores e Estado, a preocupa-
ção acerca da diminuição do tempo de trabalho para
a obtenção de maior lucratividade, aliada ao aprimo-
ramento do modus faciendi, igualmente ocupa a pau-
ta de economistas, administradores e profissionais
do direito. Considerando estas premissas, Frederick
Taylor, engenheiro mecânico norte-americano, inau-
gurou academicamente o que viria a ser conhecida
como administração científica, pela publicação de
livro em 1911, que propunha, em linhas gerais, a uti-
lização de métodos científicos cartesianos na admi-
nistração de empresas.
Taylor foi o responsável por trazer para a fábrica
a preocupação com o relógio, hoje tão internalizada
na nossa cultura. O taylorismo almejava a raciona-
lização da produção, intentando o aumento da pro-
dutividade no trabalho e, para que tal objetivo fosse
alcançado, era necessário não desperdiçar tempo,
economizar mão de obra, suprimir gestos desneces-
sários e comportamentos supérfluos durante o pro-
cesso produtivo. Eis a “ciência” apresentada como
solução para completar o que a máquina não lograva
conseguir completamente: disciplinar os corpos, no
tempo e no espaço. Para tanto, era necessário sepa-
rar o trabalho intelectual (planejamento, concepção
e direção) e o trabalho manual (execução) no inte-
rior do processo produtivo. Igualmente, pregava-se a
decomposição do trabalho em movimentos elemen-
tares e ritmados, de acordo com a cadência das má-
quinas; tudo de acordo com o cronômetro, que servia
para eliminar o tempo obsoleto ou os movimentos
desnecessários.
Todavia, era necessário o alinhamento de in-
teresses patronais e operários. Na virada do sécu-
lo XIX para o século XX, este modelo de produção
deslocava-se na contramão do crescente movimento
sindical estadunidense e pregava a paz entre o ca-
pital e o trabalho como solução para o crescimento
das empresas. Acreditava-se igualmente que, com o
aumento da produção, haveria um grande benefício
Terceirização
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para patrões e empregados(1); mas, como relata Paulo
Sérgio do Carmo(2), houve apenas uma promessa, não
se concretizando a elevação do padrão salarial dos
operários.
Enquanto o taylorismo pretendia a sua expansão
como ciência a ser aplicada nas fábricas, na prática a sua
adoção ocorreu com excelência na indústria Ford, de
modo tão exímio que passou a adjetivar o método
de controle de espaço e tempo, sob a perspectiva de
um trabalho voltado para a produção em massa e
com grande estoque de produtos.
David Harvey(3) indica como data inicial simbó-
lica do fordismo o ano de 1914, quando Henry Ford
implantou o dia de trabalho de oito horas e cinco
dólares como recompensa para os trabalhadores da
linha de montagem de carros. Relata o referido autor
que o fordismo não era uma simples forma de produ-
ção. Para além disso, o propósito era disciplinar com-
pletamente o trabalhador, invadindo toda a esfera de
sua individualidade, a fim de se criar um novo ho-
mem, que pudesse não só voltar todas as suas forças
à corporação, mas estar sempre tendente a consumir
os produtos que ele próprio produzia(4).
O objetivo da fixação de dia de oito horas e cinco
dólares era parte do grande propósito fordista de dis-
ciplina laboral na linha de montagem. Com o deside-
rato de escoamento do grande estoque, Ford intenta-
va fornecer tempo de lazer aos seus empregados, para
que estes pudessem consumir os produtos fabricados
em volumes colossais. Esse era, portanto, um novo
modelo de sociedade: a do consumo em massa, para
fazer frente à produção em grande escala, com gran-
(1) Nas palavras de Taylor, o objetivo de sua ciência era: “assegurar o máximo de prosperidade ao patrão e, ao mesmo tempo,
o máximo de prosperidade ao empregado. Para o empregador, isto significa obter grandes dividendos e desenvolvimento de
seus negócios. Para o empregado, além de salários mais altos, há um fato de maior importância: o aproveitamento dos homens
de modo mais eficiente”. Vide TAYLOR, Frederick Winslow. Os princípios de administração científica. 7. ed. São Paulo:
Atlas, 1987, p. 31.
(2) CARMO, Paulo Sérgio do. A ideologia do trabalho. São Paulo: Moderna, 1993, p. 44.
(3) HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1993, p. 121.
(4) Nas palavras de Harvey, “o que havia de especial em Ford (e que, em última análise, distingue o fordismo do taylorismo),
era a sua visão, seu reconhecimento explícito de que produção de massa significava consumo de massa, um novo sistema de
trabalho, uma nova estética e uma psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrática, racionalizada, modernista e
populista”. Vide HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1993, p. 121.
(5) Lembra Paulo Sérgio do Carmo que “a linha de montagem, efetivada em 1909 na indústria Ford, fez com que a rotatividade
de mão de obra (turn over) se aproximasse da surpreendente marca de 380% ao ano. Para evitar esse alto índice de pedidos
de demissão, Henry Ford triplicou os salários, medida considerada um marco nas remunerações de trabalho. Entretanto, a
repetição das atividades e o tédio de um trabalho no qual os operários passavam a maior parte do tempo calados, segundo
observações do próprio Ford, faziam com que os trabalhadores não suportassem por muito tempo essa atividade”. Vide CAR-
MO, Paulo Sérgio do. A ideologia do trabalho. São Paulo: Moderna, 1993, p. 44.
de estoque. Tamanha era a crença de Henry Ford no
poder corporativo de regulamentação da economia
que, no começo da década de 1930, com os Estados
Unidos já em recessão, a indústria Ford aumentou
os salários dos empregados, para que estes pudes-
sem retornar à empresa na condição de consumido-
res. Apesar do salário elevado, de um modo geral,
os empregados se sentiam desmotivados a trabalhar
sem criatividade, executando cegamente ordens dos
“gerentes pensantes”, fazendo atividades meramente
repetitivas(5) e maçantes.
Com o fim da Segunda Guerra mundial, houve
uma necessidade crescente de produção de novos
bens de consumo, fazendo com que o modelo fordis-
ta ultrapassasse as corporações norte-americanas e
desembarcasse também em diversos países europeus,
no Japão e, até a década de 1970, no denominado Ter-
ceiro Mundo. No contexto expansionista de modelo
de produção e consumo em massa, o Estado, pelo
menos nos países europeus e nos EUA, exerceu papel
social e econômico relevante, na medida em que apa-
ziguou os movimentos operários, estabelecendo sa-
lário mínimo e fornecendo prestações sociais, como
saúde, educação, habitação e seguridade social, o que
fazia com que a tensão entre capital e trabalho fosse
refreada e as indústrias pudessem trabalhar a todo
vapor. O modelo de expansão internacional, que co-
locava os Estados Unidos no centro do capitalismo
mundial, tinha o dólar americano como indexador
das demais moedas, vinculando severamente o de-
senvolvimento econômico do planeta à política fiscal
e monetária norte-americana, o que funcionou bem

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