Dos crimes contra o patrimônio

AutorCristiano Rodrigues
Páginas549-598
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DOS CRIMES
CONTRA O PATRIMÔNIO
2.1 DO FURTO
2.1.1 FURTO SIMPLES (ART. 155 DO CP)
2.1.1.1 Tipo objetivo
A conduta de subtrair coisa alheia móvel, prevista no tipo do furto, tutela a proprie-
dade e a posse de bens que possuam valor patrimonial e, de acordo com o tipo penal obje-
tivo, podemos definir alguns de seus elementos objetivos da seguinte forma:
– Coisa: é tudo aquilo que possui existência de natureza corpórea e que possua valor
econômico (inclusive animais e o cadáver utilizado para pesquisas em universidades)
- Alheia: é algo que pertencente a outrem, ou na posse de outrem, sendo que não
configura furto a subtração de coisa própria, de coisa abandonada (res derelicta), coisa
comum ou coisa perdida (res desp erdita), podendo, nestes casos, incidir o crime de
apropriação indébita do Art. 169, parágrafo único, II, do CP.
- Móvel é todo objeto passível de ser removido ou deslocado.
Importante lembrar que a subtração de cadáver pode configurar crime de furto quan-
do este possuir valor patrimonial (ex: em necrotério de faculdade de medicina), ou
então, em outras hipóteses, sem valor patrimonial, haverá o crime de subtração de
cadáver (Art. 211 do CP).
Para a maioria da doutrina o proprietário do bem não pode cometer crime de furto
tão somente porque sua conduta não se enquadra no tipo penal, que tutela acima de
tudo a propriedade, e se refere a “coisa alheia”, podendo haver, nestes casos, o exercí-
cio arbitrário das próprias razões (Art. 345 CP), quando o proprietário vier a subtrair
seu próprio bem, que esteja na posse legítima de outrem.
2.1.1.2 Tipo subjetivo
Trata-se do dolo, vontade de subtrair coisa alheia móvel e, em face da conduta de
subtração, objeto do dolo específico do autor do furto, é que se distingue o furto do crime
estelionato (Art. 171 CP) e da apropriação indébita (Art. 168 CP).
O furto se caracteriza exatamente pela contrariedade ou desconhecimento da vítima
quanto a inversão da posse do bem no momento da subtração, ou seja, pelo dissenso, ex-
presso ou tácito, da vítima quanto a esta inversão de posse, enquanto nos demais crimes
patrimoniais mencionados (Estelionato e Apropriação indébita) a coisa é entregue volunta-
riamente pela vítima ao autor do fato.
MANUAL DE DIREITO PENAL • CRISTIANO RODRIGUES
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O furto possui ainda um elemento subjetivo especial, chamado de especial fim de
agir, que se consubstancia no termo para si ou para outrem”, ou seja, para que se caracte-
rize o furto, além do dolo de subtrair coisa, deve haver o fim específico de assenhoreamento
(animus furandi) do bem por parte do autor.
Desta forma, a ausência deste especial fim de agir faz com que o conhecido furto de
uso não caracterize crime, e o fato seja considerado atípico, desde que fique demonstrado
que o autor do fato pretendeu apenas usar o bem, devolvendo-o voluntariamente e nas
mesmas condições originais a seu proprietário.
O crime de exercício arbitrário das próprias razões (Art. 345 CP) em algumas hipó-
teses pode se assemelhar ao furto, fazendo-se a distinção dos crimes através da análise do
dolo pois, caso fique demonstrado que a subtração do bem ocorreu em face da intenção do
agente de satisfazer uma pretensão legítima sua (Ex: recuperar a força seu próprio bem),
não haverá furto, mas sim o crime de exercício arbitrário.
2.1.1.3 Consumação e Tentativa
A consumação do furto, de acordo com a teoria majoritária e adotada atualmente
pelo STF (Teoria da amotio), ocorre com a mera inversão da posse do bem, não havendo
mais a necessidade de que haja por parte do autor, após a subtração, a chamada posse man -
sa e tranquila do bem (Teoria da ablatio).
Já a teoria da concrectacio, pela qual a consumação se dá no momento em que o
agente toca no bem alheio, com o fim de subtraí-lo, e a teoria da illactio, pela qual a con-
sumação depende do agente conseguir levar o bem subtraído para o local que era destina-
do, também não são adotadas pela nossa doutrina e jurisprudência.
Já a tentativa de furto é plenamente possível, pois a conduta de subtrair é plurissub-
sistente, pode ser fracionada, logo se o autor vier a ser interrompido durante o processo de
subtração do bem, por motivos alheios a sua vontade, antes de ocorrer a inversão da posse,
caracteriza-se o furto tentado.
O furto realizado em estabelecimentos com sistema de segurança, vigilância e câme-
ras não será considerado crime impossível (Art. 17 CP), e quando, devido a esses siste-
mas, o agente for detido antes de sair do local com o bem, estará caracterizada a tentativa
de furto, já que, por menor que seja, nestas hipóteses de sistemas de segurança sempre
existirá alguma possibilidade de consumação do furto (Sum. 567 STJ).
2.1.1.4 Causa de aumento de pena no Furto simples (Art. 155 § 1º, do CP)
No Art. 155, § 1º, do CP está prevista uma causa de aumento de pena (+1/3) se o
furto for praticado durante o repouso noturno, ou seja, durante o período de descanso,
considerando-se, majoritariamente, que este período se inicia as 18hs indo até as 6hs da
manhã, quer o local esteja habitado ou não, incluindo também estabelecimentos comer-
ciais e até mesmo veículos.
Majoritariamente entende-se que não se aplica essa causa de aumento de pena para
as hipóteses de furto for qualificado (Art. 155, §§ 4º e 5º, do CP), já que esta vem prevista
em um parágrafo logo abaixo do furto simples, e por isso se refere diretamente a ele, não
englobando assim as formas qualificadas do furto subsequentemente previstas.
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2 • DoS CrIMES ContrA o PAtrIMÔnIo
2.1.2 Furto privilegiado (Art. 155, § 2º, do CP) e princípio da insignificância
Considera-se o furto como privilegiado quando o criminoso é primário e é de pe-
queno valor (majoritariamente – até 1 salário mínimo) a coisa furtada, sendo que, nesse
caso, o juiz poderá substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la (1/3 a 2/3),
ou aplicar somente a pena de multa ao furto.
Atualmente o STF e o STJ admitem a aplicação desta forma privilegiada do furto,
com a sua diminuição de pena, também para os crimes de furto qualificados, desde que a
qualificadora seja de caráter objetivo (Sum 511 STJ) e, portanto, compatível com a forma
privilegiada do furto.
Em face da frequente aplicação por nossos tribunais superiores do princípio da in-
significância (que nos crimes patrimoniais também pode ser chamado de princípio da
bagatela), como causa de atipicidade em furtos de pequeno valor, a forma privilegiada do
furto ganhou caráter subsidiário, somente sendo cabível quando, por algum motivo, não
for aplicada a insignificância ao furto no caso concreto.
Como sabemos, a insignificância vem sendo amplamente aplicada pelo STF e STJ,
com grande incidência nos crimes patrimoniais, fundamentalmente naqueles sem violên-
cia ou grave ameaça como o furto, de acordo com os seguintes critérios:
(a) a mínima ofensividade da conduta do agente
(b) a nenhuma periculosidade social da ação
(c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento
(d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada
Com base nesses critérios pode-se entende, por exemplo, porque algumas decisões ju-
risprudenciais vem entendendo que pode não ser reconhecida a atipicidade pela insignificân-
cia na hipótese de vários furtos praticados em continuidade delitiva (Art. 71 CP), ainda que
cada um destes furtos não possua valor significativo, se a totalidade do produto dos crimes
é alto.
Muitas vezes também não é considerado insignificante o furto de valor ínfimo que
seja realizado por pessoa que realize, reiteradas vezes, vários crimes patrimoniais, fazendo
do crime seu meio de vida pois, nesses casos, não se verificaria o requisito da “reduzida
reprovabilidade” do seu comportamento.
O chamado furto famélico ocorre quando a pessoa, visando satisfazer uma neces-
sidade alimentar imediata que importe assim em situação de perigo atual para a própria
pessoa ou para terceiros, subtrai diretamente os alimentos, sendo, a subtração, a única
forma de solucionar o problema e afastar o perigo para a vida naquele momento.
O furto famélico tradicionalmente não era considerado crime, por exclusão da ili-
citude da conduta, em face do estado de necessidade (Art. 24 CP), porém, atualmente,
tem prevalecido a aplicação do princípio da insignificância para afastar a tipicidade da
conduta, já que, via de regra, o valor dos alimentos subtraídos é sempre consideravelmente
baixo e insignificante.

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