Empregado público e a necessidade de motivação da dispensa sem justa causa: a repercussão geral no STJ

AutorMarco Antônio Villatore/Sonia de Oliveira
Páginas273-286

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Ver Nota12

1. Introdução

O texto constitucional de 1988, entre tantos temas que regula, dispõe sobre a forma de contratação de servidores, em sentido amplo, para ocupação de cargos e empregos públicos. Para ambos devem os indivíduos se submeter a concurso público; contudo, quando se trata da dispensa destes servidores, a controvérsia instaurada é cada vez mais debatida por juristas do direito do trabalho e do direito administrativo.

O tema central de estudo no presente artigo é justamente a forma de dispensa dos servidores e empregados públicos, em especial os empregados da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, a partir de acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal em repercussão geral.

Para a análise principal, primeiramente o artigo trata dos conceitos de servidor e empregado público, bem como do regime jurídico atual aplicável a tais agentes.

Após, serão demonstrados os procedimentos para dispensa do servidor público estável, previstos na Lei 8.112/90. A apreciação do procedimento se dará de forma a satisfazer o conhecimento geral acerca do assunto, não sendo necessário estudo aprofundado do processo administrativo disciplinar.

Com relação à dispensa dos empregados públicos é que a controvérsia se forma, pois como estes trabalhadores são regidos pelas normas da Consoli-

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dação das Leis do Trabalho existe a ideia de que podem ser dispensados por meio de ato administrativo discricionário do agente público, sem que seja motivado. Sobre este entendimento é que recai a crítica.

Por fim, realiza-se a análise dos termos do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 589.998/PI, justamente no intuito de investigar se, de fato, em qualquer hipótese se pode admitir a dispensa imotivada de empregado público.

2. Conceito de servidor e de empregado público e regime jurídico aplicável

A Constituição de 1988, após a Emenda Constitucional 19/98, passou a dispor no artigo 37 que a administração pública direta ou indireta, nas três esferas de poder, obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Já o inciso I do artigo antes indicado aduz que os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros e aos estrangeiros, nos termos da lei e, por sua vez, no inciso II está prevista a obrigatoriedade de realização de concurso público para investidura nos cargos ou empregos públicos.

A Constituição da República não possui palavras vãs, e a leitura atenta aos incisos I e II do artigo 37 permite observar que o constituinte fez diferenciação entre os ocupantes de cargo, emprego público e função pública, ainda que todos sejam considerados servidores públicos.

Portanto, o conceito de servidores públicos em sentido amplo inclui os servidores estatutários, os empregados públicos e os servidores temporários. Os servidores estatutários são aqueles sujeitos ao regime estatutário de contratação e são ocupantes de cargos públicos. Os empregados públicos, por sua vez, são os servidores contratados sob o regime da legislação do trabalho e ocupam emprego público. Por fim, os servidores temporários são aqueles contratados por tempo determinado com a finalidade de atender necessidade temporária de excepcional interesse público, exercendo função pública3.

Servidores públicos e empregados públicos possuem legislação específica que regra sua forma de contratação e o regime jurídico aplicável. A semelhança entre ambos está no fato de que devem ser, igualmente, aprovados em concurso público para trabalhar para a administração pública.

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A Lei 8.112/90, cujo texto dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, prevê no artigo 2º que para fins de aplicação da lei o servidor público é aquele investido em cargo público. No artigo seguinte, em continuação, explica que cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional e que deve ser cometido a um servidor.

Os estados e municípios podem editar seu próprio estatuto dos servidores públicos, cujas regras vincularão todos os ocupantes de cargos na administração pública.

Os servidores ocupantes de cargo público, portanto, são submetidos ao regime de contratação previamente estabelecido, cujas normas não podem ser alteradas, ainda que haja a concordância da administração pública e do servidor, pois são normas de ordem pública, cogentes e inderrogáveis pelas partes4.

Por sua vez, a Lei 9.962/00 disciplina o regime do emprego público da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, e o texto informa que estes empregados serão regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho e legislação trabalhista correlata. Desta forma, estes empregados são submetidos às normas trabalhistas editadas e alteradas pela União, já que estados e municípios não têm competência para legislar sobre direito do trabalho, conforme interpretação do artigo 22, inciso I, da Constituição de 1988.

Contudo, ainda que sujeitos às regras da Consolidação das Leis do Trabalho e da Lei 9.962/00, os empregados públicos somente podem ser contratados mediante obediência às normas constitucionais de contratação pela administração pública (requisitos de concurso público).

3. Estabilidade funcional prevista no artigo 41 da constituição de 1988 e o procedimento para demissão [sic] do servidor estável

Os5 servidores públicos em sentido estrito, ou seja, os ocupantes de cargo público, aprovados previamente em concurso, são estáveis no cargo para o qual foram nomeados após três anos de efetivo exercício, conforme previsão expressa do artigo 41 da Constituição de 1988.

Para ser ocupante de cargo público o candidato deve possuir nacionalidade brasileira, gozar de direitos políticos, estar quite com as obrigações milita-

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res e eleitorais, possuir o grau de escolaridade exigido para o exercício do cargo, ter idade mínima de dezoito anos e ter aptidão física e mental para o cargo. Outros requisitos podem ser exigidos no edital de concurso público dependendo da especificidade do cargo a ser ocupado6.

Durante o período de estágio probatório, ou seja, durante os três anos que sucedem a aprovação e nomeação para o cargo, o servidor será avaliado diretamente por comissão especialmente designada para este fim. A comissão deverá proceder à avaliação mediante observação dos quesitos de assidui-dade, disciplina, capacidade de iniciativa, produtividade e responsabilidade.

Quatro meses antes do término do estágio probatório a comissão homo-logará a avaliação realizada, podendo o servidor ser declarado estável, com a efetiva ocupação do cargo, ou ser exonerado.

O artigo 22 da Lei 8.112/90 dispõe que o servidor estável somente poderá perder o cargo por meio de sentença judicial transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar no qual lhe tenha sido oportunizada a ampla defesa. Esta previsão está de acordo com o disposto no artigo 247, parágrafo único, da Constituição da República, cujo texto aduz que as hipóteses de insuficiência de desempenho e perda do cargo somente poderão se dar por meio de processo administrativo em que seja concedido o contraditório e a ampla defesa.

O processo administrativo disciplinar (PAD) tem o seu rito previsto também pela Lei 8.112/90, a partir do artigo 143. Esse procedimento sempre deverá ser instaurado quando a autoridade administrativa tomar conhecimento de irregularidade no serviço público para apuração da notícia.

O procedimento de sindicância pode ser instaurado antes do PAD, sendo que este pode ser uma consequência daquele, ou seja, no término da sindicância o presidente que conduz o procedimento poderá determinar a instauração do PAD para que melhor se apure a infração cometida e/ou para aplicar penalidade de competência apenas da comissão de processo administrativo disciplinar. A sindicância, por exemplo, jamais pode resultar na exoneração do servidor público, mas tão somente na aplicação de suspensão ou de advertência.

O PAD deverá ser conduzido por comissão previamente instituída e composta por três servidores estáveis, sendo que o presidente deverá ter cargo efetivo superior ou do mesmo nível dos demais e nunca grau de escolari-dade inferior ao do servidor indiciado. Durante o trâmite do PAD o servidor indiciado deverá acompanhar todas as fases, podendo apresentar defesa, pro-

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duzir provas, indicar testemunhas para oitiva, sob pena de cerceamento de defesa e consequente nulidade do procedimento, que assim poderá ser declarado judicialmente.

Terminado o PAD, a decisão poderá ser tomada pela própria comissão ou por autoridade superior que terá acesso ao relatório final, o qual opinará pelo arquivamento do procedimento ou pela...

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