A Fraternidade Como Categoria Constitucional

AutorCarlos Augusto Alcântara Machado
Ocupação do AutorPromotor de Justiça em Sergipe, Mestre em Direito Constitucional pela UFC
Páginas83-110
A FRATERNIDADE COMO
CATEGORIA CONSTITUCIONAL
Carlos Augusto Alcântara Machado
Sumário: 1. Considerações introdutórias; 2. Liberdade, igualdade e frater-
nidade: evolução do constitucionalismo moderno; 3. Dignidade da pessoa
humana; 4. O advento do constitucionalismo fraternal; 5. O princípio da
fraternidade e a jurisprudência; 6. Observações finais; 7. Referências bi-
bliográficas.
1. Considerações introdutórias
O tema FRATERNIDADE é estudado, tradicionalmente, como objeto
da filosofia política ou social. Mais recentemente tem sido investigado
como categoria política, mas não há importantes registros de estudo da
fraternidade enquanto categoria jurídica.
Percebe-se uma natural dificuldade para a análise da fraternidade
numa perspectiva jurídica, porquanto, como registra Fausto Goria1, em
geral é compreendida como algo que se desenvolve espontaneamente,
* Promotor d e Justiça em Sergipe, Mes tre em Direito Consti tucional pela UFC, profe s-
sor de Direito Constitucional em cur sos de graduação e pós-graduação da Universi-
dade Tiradentes e da Universidade Federal de Sergipe, autor dos livros Mandado de
Injunção – um instrumento de efetividade da Constituição ( Editor a Atlas ) e Direito Constitu-
cional (Editora Revist a dos Tribunais).
1 Fraternità e diritto: alcune reflessioni (mimeo). Intervenç ão no Congresso patrocinado
pelo Movimento Comunhão e Direito, vinculado ao Movimento dos Focolares, em
Castelgandolfo – It ália, 18 de novembro de 2005. O texto, já traduzido (Frater nidade
e Direito: Algumas reflexões), pode ser encontrado na obra Direito e Fraternidade, uma
edição conjunt a (2008) de Comunhão e Direito, LTr e Editora Cidade Nova, sob a or-
ganização de Giova nni Caso, Afife Cur y, Munir Cury e C arlos Aurélio Mota de Souza,
pp. 25/31.
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incompatível, assim, com o Direito, pois caracterizado pelo uso da coa-
tividade.
Como se sabe, o termo fraternidade remete imediatamente à ideia de
consanguinidade, laços entre parentes, designando a qualidade que iden-
tifica pessoas integrantes de determinada e particular família (irmãos).
Buscando um referencial histórico nos documentos bíblicos – no An-
tigo Testamento, por exemplo – observa-se que o vocábulo irmãos era
utilizado para indicar os membros de uma mesma família; da mesma
tribo; como oposição aos estrangeiros; ou para indicar os originários de
um específico tronco familiar. Depois, constata-se a sua utilização para
designar pessoas ligadas pela mesma fé; por aliança ou até para identifi-
car os que desempenhavam semelhantes papéis ou funções.
No Novo Testamento, a doutrina cristã alargou sobremaneira a ideia
de fraternidade, com o reconhecimento e a proclamação de que todos são
irmãos, pois filhos do mesmo Pai.
Abstraindo a análise de qualquer convicção de fundo religioso, bus-
car-se-á apresentar a fraternidade como uma categoria relacional da huma-
nidade, superando, inclusive o clássico conceito aristotélico2 de amizade
política.
A ideia de fraternidade que ora se pretende difundir exprime igualda-
de de dignidade entre todos os homens, independente de organização
em comunidades politicamente institucionalizadas.
Partir-se-á da doutrina de Chiara Lubich3, quando afirma que a frater-
nidade é a “categoria de pensamento capaz de conjugar seja a unidade, seja a
distinção a que anseia a Humanidade contemporânea”.
Numa perspectiva puramente política, a análise do tema poderia ser
até mais assimilável. Mas como abordá-lo juridicamente?
O primeiro ponto que parece necessário registrar é o de que frater-
nidade e direito não são necessariamente excludentes. A fraternidade
2 Para o expoente da f ilosofia grega os cidadãos se unem, em consenso, com a finali-
dade de institui r uma determinada comunidade polític a.
3 Fundadora do Movimento dos Focolares, com sede na I tália, mas difundido em todo
o mundo. Trecho extraído, do discurso intit ulado “A fraternidade e a paz em vista
da unidade entre os povos”, e proferido em 22 de junho de 2002, por oc asião de um
Congresso “Pela unidade dos Povos” promovido pela Prefeitura e pela Prov íncia de
Rimini, Itália, com milhares de par ticipantes (https:// ww w.focolare.org/articolo.
php?codard=4103, acesso em 25 de fevereiro de 2010).

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