Humanismo, Natureza E Experiência

AutorFrancisco Borba Ribeiro Neto
Ocupação do AutorSociólogo e biólogo, é coordenador de projetos do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP
Páginas153-179
HUMANISMO, NATUREZA E EXPERIÊNCIA
Francisco Borba Ribeiro Neto*
Mira, sólo hay un medio para matar los monstruos; aceptarlos
O Minotauro, dirigindo-se a Teseu.1
Sumário: 1. A descrença do homem no próprio homem. 2. Os “novos humanis-
mos”. 3. Humanismo e pós-modernidade. 4. As características da mentalidade
humanista pós-moderna. 5. Princípios humanistas e diálogo numa sociedade
plural. 6. O monstro que deve ser aceito. 7. Natureza e experiência elementar.
8. Experiência, desejo e vontade. 9. Referências bibliográficas.
Por humanis mo costuma-se entender uma postura, surgida, em sua ver-
são moderna, no Renascimento, que valoriza o ser humano e suas potencia-
lidades. Com múltiplas facetas, o humanismo renascentista pôs o homem
no centro, exaltando sua beleza, sua força e sua inteligência, afirmando que
poderia realizar-se a partir de suas capacidades, construindo um mundo de
liberdade e de reconhecimento da dignidade humana. Mas, particularmen-
te nos séculos XIX e XX, a experiência histórica e a reflexão crítica levaram
à necessidade da sua refundação, com a criação dos “novos humanismos”,
muito diferentes entre si, mas podendo ser reunidos na medida em que
buscam o resgate de um elemento humano, aparentemente perdido, em
toda a sua riqueza e complexidade, na tradição humanista precedente.
* Sociólogo e biólogo, é coordenador de projetos do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
Dedica-se aos temas de bioética, c ultura, ciênc ia e religião. Membro do Conselho
Editorial de COMMUNIO, revista inter nacional de teologia e cultura, tem ar tigos
publicados em revistas científ icas, jornais e revistas. É um dos organizadores dos
livros Um diálogo latino-ame ricano: bioética e Documento de Aparecida (Difusão Editora,
2009) e Economia e vida na perspectiva da encíclica Caritas in veritate (Companhia Ilimi-
tada, 2010).
1 Cortázar (1970).
154 • FRANCISCO BORBA RIBEIRO NETO
1. A descrença do homem no próprio homem
O humanismo vindo do Renascimento repousava na crença de que o
ser humano é capaz de conhecer a verdade e de organizar racionalmente
a sociedade, construindo, deste modo, o que hoje é conhecido como
“bem comum”. Mas essa crença foi sendo gradativamente corroída ao
longo da história. Já Maquiavel – em O príncipe, de 1513 – mostra que
a política não se move em função tanto das doutrinas e das reflexões
éticas, quanto da força2.
No século XIX, Marx e Engels procuram mostrar que a práxis humana
constrói as ideias – e não o contrário3. Na sua concepção de ideologia, as
ideias sempre revelam uma parte da realidade, ocultando outra, servindo
como instrumento de dominação da classe hegemônica. Com a crise do
marxismo no final do século XX, o efeito dessa crítica sobre os ideais e os
valores humanistas foi maior que o esperado. Como descreve Borghesi
(2009):
Para o marxismo, todos os ideais são disfarce para interesses de clas-
se; ou seja, todos os ideais são ideologias, não há ideais verdadeiros.
Mesmo os ideais universais são ideologias, refletem apenas o ponto
de vista dos vencedores, que querem impor a sua ideologia a todos.
Assim, o marxismo educou os seus seguidores para a mentalidade de
que não existe nenhum ideal válido, porque tudo está em função das
leis da economia.
E quando o marxismo morre, o que fica? Permanece, como vimos, a
parte negativa, que é aquela que chegou até os nossos dias e atingiu
milhões de jovens nestes últimos anos. Se não há mais nada pelo
que valha realmente a pena dedicar a vida, a única coisa que resta
é enriquecer e progredir sem escrúpulos. Isso significa, no final das
contas, que só permanece a ideia do “burguês em estado puro”. O
revolucionário gera o “burguês em estado puro”, um burguês que não
tem mais nenhum interesse ideal com exceção do de enriquecer sem
nenhum freio ético e moral.
Enquanto o marxismo considera que os ideais e o conhecimento re-
fletem os esquemas de dominação da sociedade, o pensamento freudiano
2 Maquiavel (2004).
3 Marx e Engels (2007).

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