O Humanismo Integral E A Centralidade Da Pessoa

AutorRafael Mahfoud Marcoccia
Ocupação do AutorProfessor de Ensino Social Cristão e Filosofia no Centro Universitário da FEI-SP
Páginas303-324
O HUMANISMO INTEGRAL E A
CENTRALIDADE DA PESSOA
Rafael Mahfoud Marcoccia*
Sumário: 1. A Doutrina Social da Igreja; 2. A concepção de pessoa; 2.1 As
duas dimensões da pessoa: corpo e espírito; 2.2 As características estrutu-
rais da pessoa; 2.3 Pessoa e sociabilidade; 3. O humanismo integral como
critério de julgamento; 4. Referências bibliográficas.
1. A Doutrina Social da Igreja
A expressão Doutrina Social da Igreja designa o conjunto de escritos e
de mensagens – cartas, encíclicas, exortações, pronunciamentos, decla-
rações – que compõem o pensamento do magistério católico a respeito
da questão social. Não tem caráter dogmático nem intraeclesial: são os
problemas sociais, políticos e econômicos os seus objetos. De acordo
com Camacho (2005), a Igreja não renuncia a pronunciar-se sobre os pro-
blemas e as ideias próprias da época.
A Igreja não hesita em se apresentar como “perita em Humanidade”,
isto é, capaz de oferecer ao mundo “o que possui como próprio: uma
visão global do homem e da Humanidade”1. A Igreja se sente solidária
com o gênero humano e com a sua história2.
A Doutrina Social da Igreja se desenvolveu no século XIX, quan-
do surgiram a sociedade industrial moderna, as novas estruturas para
produção de bens de consumo, uma nova concepção da sociedade, do
* Professor de E nsino Social Cristão e Filoso fia no Centro Universitá rio da FEI-SP, doutoran-
do em Ciências Polític as pela PUC-SP. Dedica-se à pesquisa s obre o humanismo e os princí-
pios personalist a – aplicado à Doutrina Socia l da Igreja –, solidariedade e subsidiarie dade.
1 PAULO VI, Populorum progressio, n. 13.
2 Cf. Gaudium et spes, n. 1.
304 • RAFAEL MAHFOUD MARCOCCIA
Estado e da autoridade, e novas formas de trabalho e de propriedade.
Isto não quer dizer que os problemas sociais estivessem ausentes das
publicações anteriores na história da Igreja. São inúmeras as referên-
cias à situação real e concreta dos pobres desde os primeiros séculos
do cristianismo e da tradição católica. O próprio Leão XIII, na introdu-
ção da Rerum Novarum, refere-se à abordagem do tema em encíclicas
precedentes sobre soberania política, liberdade humana e constituição
cristã dos Estados, publicadas nos anos 1831, 1885 e 1888. Mas, en-
quanto anteriormente essas questões apareciam de forma secundária,
agora o papa faz da condição social dos operários o tema central de
sua carta.
O documento inaugural da Doutrina Social da Igreja é a encíclica Re-
rum Novarum, do papa Leão XIII, publicada em 1891. É a primeira vez que
um documento do magistério católico dedica-se integralmente à ques-
tão social. No decorrer do texto, o papa propõe-se a abordar a condição
dos operários. Leão XIII apoiava o direito de os trabalhadores formar
sindicatos, rejeitava o socialismo e defendia o direito à propriedade pri-
vada; discutia as relações entre o governo, os negócios, o trabalho e a
Igreja. À vista dos problemas resultantes da revolução industrial, que sus-
citaram o conflito entre capital e trabalho, Leão XIII enumera “os erros
que provocam o mal social, exclui o socialismo como remédio e expõe de
modo preciso e atualizado a doutrina católica sobre o trabalho, o direito
de propriedade, o princípio da colaboração em contraposição à luta de
classes, sobre o direito dos mais fracos, sobre a dignidade dos pobres e
as obrigações dos ricos, o direito de associação e o aperfeiçoamento da
justiça pela caridade”3.
De acordo com Camacho (2005), a Igreja se preocupava em combater
tanto as ideologias coletivistas como os excessos do liberalimo. É impor-
tante ressaltar, no entanto, que, como afirma João Paulo II,
A doutrina social da Igreja não é uma “terceira via” entre capitalismo
liberal e coletivismo marxista, nem sequer uma possível opção entre
outras soluções menos radicalmente contrapostas: ela constitui por si
mesma uma categoria. Não é tampouco uma ideologia, mas a formula-
ção acurada dos resultados de uma reflexão atenta sobre as complexas
3 Compêndio da Doutrina Social da Ig reja, n. 89.

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