O Princípio Pro Homine E A Constituição Federal De 1988: Uma Questão De Valor

AutorRenata da Rocha
Ocupação do AutorDoutoranda em Filosofia do Direito e do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC-SP
Páginas325-346
O PRINCÍPIO PRO HOMINE E A CONSTITUIÇÃO
FEDERAL DE 1988: UMA QUESTÃO DE VALOR
Renata da Rocha*
Sumário: 1. Do humanismo filosófico ao humanismo jurídico: a gênese
do Estado de Direito ou Constitucional; 2. Do humanismo jurídico ao
Constitucionalismo Moderno: a consagração dos direitos do homem e o
declínio dos valores humanos; 3. Corso e ricorso: o princípio pro homine
na Constituição Federal de 1988 – uma questão de valor; 4. Referências
bibliográficas.
1. Do humanismo filosófico ao humanismo jurídico: a gênese do Estado
de Direito ou Constitucional
Entendemos que um estudo que pretenda enfrentar o tema acima
proposto, tanto a partir de uma perspectiva ampla, debruçando-se sobre
a questão dos princípios humanistas constitucionais, quanto de um pon-
to de vista estrito, abordando especificamente a questão do princípio pro
homine na Constituição Federal de 1988, terá que forjar suas considera-
ções a partir de uma dimensão ontológica. Neste sentido, daremos um
passo atrás e tal como na Antiguidade Clássica questionaremos: “Que é
o homem?”. Ao nos confrontarmos com esta especulação tão elementar
cairemos, uma vez mais, de joelhos diante daquela que consideramos
* D outor anda e m Filo sofi a do Di reito e do Es tado p ela Po ntif ícia U niver sida de Cat ólica
de São Paulo – PUC-SP. Mestre em Filosof ia do Direito e do Estado pela Pontifícia
Universidade Católica – PUC-SP e Especialista em Direito Contratual pela Pontifícia
Universidade Catól ica de São Paulo – PUC/SP. Professora As sociada do IBDC – Institu-
to Brasileiro de Direito Constitucional; Membro da Comissão de Biodireito, Bioética
e Biotecnologia – OAB -SP; Pesquisadora do LEI-USP – L aboratório de Estudos sobre a
Intolerânc ia da Universidade de Sã o Paulo e Pesquisadora do P rograma Instit utos do
Milênio do CNPQ.
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ser, por assim dizer, a “ciência-mãe” da Humanidade: a Filosofia. Isto por-
que foi e é dela, em última análise, a tarefa de pensar o homem e a sua
natureza. Assim, não é exagero afirmar que de Sócrates a Ernst Cassirer
a história da filosofia não é outra senão a de perscrutar, de examinar,
de indagar e de refletir acerca da condição humana, de suas virtudes e
de seus vícios, de suas paixões e de suas contradições, de seus medos e
de seus anseios, de suas fragilidades e de suas potencialidades, de suas
sutilezas e complexidades; enfim, sua humanidade1.
No entanto, se a pergunta é pacífica, a resposta ao questionamento
“Que é o homem?” tem uma longa e controvertida história no pensa-
mento Ocidental. Dentre outras, uma das mais prestigiadas, é aquela
fornecida pelo Humanismo. Cabe, contudo, para a real compreensão do
termo aqui empregado, registrar as respectivas particularidades entre o
Humanismo Clássico e o Humanismo renascentista.
Bombassaro, Paviani e Zugno2 ensinam que o humanismo greco-la-
tino relaciona-se diretamente com o conceito de paideia, de formação
integral do homem por meio da educação e assim registram:
Os gregos viram pela primeira vez que a educação tem de ser também
um processo de construção consciente. “Constituído de modo correto
e sem falhas, nas mãos, nos pés e no espírito”, tais são as palavras pelas
quais um poeta grego nos tempos de Maratona e Salamina descreve a
essência da virtude humana mais difícil de adquirir. Só a este tipo de
formação se pode com propriedade aplicar a palavra formação tal como
a usou Platão pela primeira vez em sentido metafórico, aplicando-a a
ação educadora (Rep.377b; Leis 671e) [...] O fato de os gregos terem sen-
tido esta tarefa com algo de grandioso e difícil e se terem consagrado
1 Dentre os pensadores contemporâneos a indagaç ão foi realizada pelo filósofo Erns t
Cassirer. Na expect ativa de formular uma respos ta satisfatória, o pensador in vestiga
a natureza humana, atribuindo como carac terística essencial a ela: a busca do autoco-
nhecimento. Chama, ainda, a atenção para o fato de que essa busca de conhecer a
si mesmo encontra-se entre as mais antigas metas de indagação f ilosófica. Identifi-
cando que essa sede de a utoconhecimento já havia sido obser vada na Grécia Antiga,
pelo preceito conhece-te a ti mesmo feito pelo Oráculo de Delfos ao filósofo Sócrates
que promove doravante, na f ilosofia, a substit uição da Phisis pelo Antropos, isto é, da
Natureza pelo Homem. CASSIRER, Ernest. Ensaio sobre o Homem – Introdução a uma
filosofia da cu ltura humana. São Paulo: Martins Fontes, 20 01.
2 BOMBASSARO, Luiz Carlos. PAVIANI, Jayme e ZUGNO, Paulo Luiz (Orgs.) As fontes do
humanismo latino. Vol. 1. Porto Alegre: EDIPUC RS, 2003.

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