Imagem e imprensa na sociedade em rede: conexões temáticas na busca de critérios constitucionalmente consistentes de ponderação

AutorFelipe Peixoto Braga Netto
Ocupação do AutorDoutorando em Direito pela PUC-RIO
Páginas397-438
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Felipe Peixoto Braga Netto1
1. INTERESSE PúbLICO E LIbERDADE DE INFORMAÇÃO
Primeiro apure os fatos. Depois,
pode distorcê-los à vontade”.
Mark Twain
1 Doutorando em Direito pela PUC-RIO. Mestre em Direito pela UFPE. Professor
da ESDHC. Procurador da República. Procurador Regional Eleitoral em Minas
Gerais (2010/2012).
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Vivemos uma época que valoriza fortemente a imagem. O culto à ima-
gem é onipresente na sociedade contemporânea (chamada por alguns estu-
diosos de “sociedade em rede”2). Nesse contexto – autêntico truísmo – os
riscos de danos também crescem de modo exponencial. O tema da imagem
– seja dos cidadãos, seja das organizações sociais amplamente conside-
radas – está, em boa medida, ligado à atuação da imprensa. É delicado o
equilíbrio entre o direito de informar e o dever de não agredir a imagem das
pessoas envolvidas. Se o exercício diário da liberdade de imprensa garante
uma sociedade livre, não é menos certo que não se pode, sob esse pretexto,
destruir vidas e tisnar honras. A época em que vivemos já foi chamada da
“era da informação”, dado o impacto que a difusão do conhecimento atinge
em nossos dias. Uma vez divulgada a informação – sobretudo com a inter-
net, que parece feita para receber continuamente novas informações, mas
dicilmente para excluir o que recebe – não é possível individualizar quem
recebeu ou vai receber a informação jornalística3.
A liberdade de expressão faz parte da tradição constitucional bra-
sileira desde a Constituição do Império4, com tristes hiatos, porém,
2 Debruçando-se sobre as transformações tecnológicas e culturais, e olhando para a
sociedade de modo amplo, mesclando sociologia e antropologia, vale conferir a obra
de Manuel Castells (que disse ter passado mais de 15 anos entre “uma selva de li-
vros” para escrever sua trilogia). No primeiro volume mencionou um conceito hoje
muito usado, o de sociedade em rede. Assim, “a revolução da tecnologia da informa-
ção e a reestruturação do capitalismo introduziram uma nova forma de sociedade, a
sociedade em rede” (A sociedade em rede. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1999, p.
17). Conferir também CASTELLS, Manuel. O poder da identidade (segundo volume
da trilogia: A Era da Informação: economia, sociedade e cultura). Tradução Klauss
Brandini Gerhardt. 2a ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000. Ainda, BLÁZQUEZ, Niceto.
Ética e meios de comunicação. São Paulo: Paulinas, 1999.
3 Os primeiros passos no jornalismo on-line foram dados pelo New York Times
algumas décadas – apenas, porém, no começo, disponibilizando digitalmente
partes do conteúdo impresso. Hoje, porém, nota-se uma progressiva preocupação
dos jornais e revistas em produzir conteúdo próprio, trazendo ainda as notas do
universo digital, como por exemplo a atualização permanente, a interatividade,
a hipertextualidade etc.
4 A Constituição do Império (1824), de modo avançado (pelo menos formalmen-
te), assegurava da liberdade de expressão do pensamento, nos seguintes termos:
“Todos podem comunicar os seus pensamentos, por palavras, escritos, e publi-
cá-los pela imprensa, sem dependência de censura; contanto que hajam de res-
ponder pelos abusos, que cometerem no exercício deste direito, nos casos, e pela
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durante o governo Vargas e, mais tarde, na ditadura militar, nos cha-
mados anos de chumbo. Nos nossos dias, a Constituição de 1988 va-
loriza a liberdade de imprensa5. É atividade preciosa na construção do
pluralismo e do debate de ideias, essenciais à democracia6. O Brasil
muito deve à imprensa. Certamente não teríamos avançado no com-
bate à corrupção, na depuração de certas práticas políticas nefastas, na
scalização dos atos de interesse público sem sua decisiva vigilância.
Aliás, não é exagero reconhecer que boa parte da tarefa de descortinar
atos de corrupção, talvez os mais lesivos e graves, não resultou de
investigações dos órgãos do Estado, mas da imprensa. Os maus polí-
ticos, em geral, não costumam temer as punições formais do Estado,
mas temem a imprensa.
forma, que a lei determinar” (art. 179, IV – ortograa atualizada). A propósito
da evolução do direito à intimidade e à vida privada, conferir SAMPAIO, José
Adércio Leite. Direito à Intimidade e à Vida Privada. Belo Horizonte: Del Rey,
1998, sobretudo os Capítulos I, II e III).
5 A Constituição Federal, art. 5º, IX, proclama ser “livre a expressão da ativi-
dade intelectual, artística, cientíca e de comunicação, independentemente de
censura ou licença”. Mais adiante, no inciso XIV, assegura “a todos o acesso à
informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício pro-
ssional”. Por outro lado, a Constituição Federal de 1988 garante serem inviolá-
veis “a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado
o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”
(art. 5º, X). O mesmo artigo, no inciso V, confere à vítima o direito a indenização
pelo dano material, moral ou à imagem.
6 Sabe-se que “democracia” é uma expressão tão gasta pelo uso promíscuo que
perdeu muito do seu valor explicativo. Não há, decerto, tipos-puros de democra-
cia, apenas experiências múltiplas com características históricas bastante distintas.
As democracias constitucionais contemporâneas buscam banhos de legitimidade
mais ambiciosos, não se satisfazem apenas com eleições formalmente limpas, ulti-
madas pela representação popular tradicional. É cedo para dizer quais mecanismos
surgirão dessa tensão de legitimidade. A jurisdição constitucional, mesmo com
suas notórias falhas, é uma delas. Outras, menos problemáticas, podem surgir, e
serão bem-vindas. Aliás, a ciência política percebe que nós não queremos estar
vinculados às escolhas dos nossos antepassados, mas queremos, ao mesmo tempo,
vincular as escolhas das gerações seguintes (Cf. ELSTER, John. Constitutional
bootsprapping in Philadelphia and Paris. In: ROSENFELD, Michel. Constitution-
alism, Identity, Difference and Legitimacy: theorethical perspectives. Durham:
Duke University Press, 1994, pp. 57-83). Conferir, com discussão tematicamente
mais ampla e riquíssima bibliograa, SAMPAIO, José Adércio Leite. Teoria da
Constituição e dos Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2013.
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