Princípios de Millian, Liberdade de Expressão e Discurso de Ódio

AutorDavid O. Brink
Ocupação do AutorUniversity of California, San Diego
Páginas27-85
2
pRIncípIOS De MILLIan,
LIbeRDaDe De expReSSãO e
DIScURSO De ÓDIO12
David O. Brink3
O discurso do ódio utiliza epítetos para insultar e estigmatizar ter-
ceiros com base em raça, gênero, orientação sexual, ou formas de
associação. A regulamentação do discurso do ódio é controversa,
em parte, porque debates sobre discurso de ódio parecem dividir as
1 Uma versão anterior desse artigo foi apresentada como “Becker Lecture” na Cornell
University, na University of Kansas, e na Macalester College. Para uma discussão
produtiva das questões analisadas aqui, eu gostaria de agradecer Richard Arneson,
Joshua Cohen, Carl Ginet, Donald Green, Jeff Greenburg, Tom Grey, Terence Irwin,
Karen Jones, Philip Kitcher, Charles Lawrence, Julie Maybee, Richard Miller, Roo-
sevelt Porter, Luke Robinson, Fred Schauer, Henry Shue, Kyle Stanford, Jason
Stanley, Nicholas Sturgeon, Bonny E. Sweeney, EmiliaSweeney, Janet Swim, C.L.
Ten, and Peter Vranas. O trabalho neste artigo foi apoiado pelo”President’sResear-
chFellowship in theHumanities” da “UniversityofCalifornia”.
2 [Nota dos tradutores]: Este artigo foi traduzido por Bonifácio José Suppes de
Andrada, bacharel em Direito pela Faculdade Milton Campos, pós graduando
em Direito Público pelo Instituto de Educação Continuada- IEC- da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais – PUCMG-, advogado e assessor no
Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais e por Luiz Felipe Vargas dos
Santos Corrêa de Oliveira, bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais – PUCMG-, LL.M Dickinson School of Law – Penn
State Univeristy-, advogado.
3 University of California, San Diego.
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vertentes libertárias e igualitárias que se incluem na tradição liberal.
Durante os movimentos de direitos civis nos anos 1960 nos Estados
Unidos, interesses libertários, como a liberdade de associação e as
liberdades relacionadas a movimentos populares e princípios cons-
titucionais de igualdade apontaram na mesma direção, todos como
interesses igualitários na erradicação da discriminação racial e das
desigualdades sociais e econômicas que a discriminação sustenta.
Porém, debates sobre discurso de ódio parecem forçar uma es-
colha entre igualdade ou liberdade. De um lado, interesses iguali-
tários parecem exigir restrições à liberdade de expressão. Discurso
de ódio é a expressão de atitudes discriminatórias que têm histórico
longo, feio e algumas vezes violento. Como tais, discursos de ódio
são profundamente ofensivos e têm um poder de gerar segregação
social. Embora exista uma relutância quando se fala em restringir
discursos, parece que a melhor reação ao discurso do ódio, assim
como para outras formas de discriminação, é a regulamentação. Por
outro lado, interesses libertários podem parecer conter a busca por
igualdade. Apesar de alguns abominarem o discurso de ódio, a cura
parece tão maléca quanto a doença. A liberdades de expressão está
entre as liberdades mais fundamentais. Ideias ofensivas são parte
do preço que deve ser pago para que esses direitos constitucionais
sejam protegidos. Sendo assim, parece que a resposta correta ao dis-
curso de ódio é maior liberdade de expressão – se presumirmos que
o igualitarismo condena discurso de ódio – e não restrição à liberdade
de expressão.
A regulamentação de discurso de ódio levanta questões constitu-
cionais e questões morais. Embora essas questões não sejam as mes-
mas, é difícil separá-las inteiramente. Este artigo discutirá a possibi-
lidade da regulamentação de discurso de ódio ser justicada como
uma questão de moralidade, mas também serão discutidas questões
jurisprudenciais mais importantes sobre, por exemplo, se esse tipo de
regulamentação é consistente com a jurisprudência referente à liber-
dade de expressão. Propõe-se uma abordagem em que se pergunta o
que os Princípios de Mill sugerem sobre regulamentação de discurso
de ódio. On Liberty, de John Stuart Mill, faz uma defesa clássica da
liberdade de expressão, e de outras liberdades, contra regulamentação
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princípios de millian, liberdade de expressão e discurso de ódio 29
estatal, que tem importantes implicações na jurisprudência4 que trata
de direitos de liberdade de expressão. Sendo assim, talvez explorar
as implicações que os Princípios de Mill têm em regulamentações de
discursos de ódio deveria ser parte na formação de pontos de vistas
sensatos sobre a legitimidade política e constitucional de tais normas.
Ademais, as implicações que os Princípios de Mill têm na regula-
mentação de discursos de ódio são sutilmente interessantes e instru-
tivas. O argumento de Mill contra censura talvez implique que todas
as restrições sobre o conteúdo do que se expressa, incluindo regula-
mentação de discurso de ódio, não devem ser permitidas. É verdade
que Mill aceita a ideia de se restringirem liberdades se tais restrições
tiverem o objetivo de evitar danos aos outros, e isso parece dar espaço
para a possibilidade de se restringir expressões, sendo que tais expres-
sões proibiriam o uso de epíteto ofensivo. Contudo, Mill é muito claro
ao armar que a mera ofensividade não constitui dano(i 12; ii 44; iii 1;
iv 3, 10, 12–21; v 5). É fácil perceber que Mill aprova pontos de vista
libertários e condena a regulação de discurso de ódio. No entanto, a
posição de Mill sobre isso é mais complicada do que parece. O enten-
dimento correto dessa defesa dos direitos de liberdade de expressão
e de outras liberdades requer um entendimento da forma na qual ele
pensa certas liberdades de pensamento, de expressão, e ações que são
essenciais para o exercício de atividades intelectuais5, em particular, a
capacidade deliberativa6. Porém, se a concepção de liberdades funda-
4 A não ser que sejam expressas, as referências foram feitas a capítulos e
parágrafos em “ON LIBERTY [OL] (E. Rapaport ed., Indianapolis: Hackett,
1978). Faço referência por capítulo e parágrafo a UTILITARIANISM [U]
(G. Sher ed., Indianapolis: Hackett, 1979) e por capítulo e número de página
a Considerations on Representative Government[CRG] e The Subjection of
Women[SW], ambos republicados em THREE ESSAYS (Richard Wollheim ed.,
New York: Oxford University Press, 1975). Outras referências são feitas à divisão
natural no texto (se houver) e número de página nas edições na COLLECTED
WORKS OF JOHN STUART MILL (Toronto: University of Toronto Press).
Eu farei referência por livro, capítulo, e seção e número de página a Principles
of Political Economy[PPE], [PPE], COLLECTED WORKS, vols. ii-iii, ae A
System of Logic[SL], COLLECTED WORKS, vols. vii-viii.
5 [N. T.]: Mais precisamente higher capacities.
6 Em outros artigos, explorei esse argumento interpretativo e sua signicância
para o entendimento do utilitarismo de Mill e as perspectivas de reconciliar o
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