Introdução. Pressupostos deste livro quanto a método, metodologia e metódica

AutorJoão Maurício Adeodato
Ocupação do AutorProfessor Titular da Faculdade de Direito do Recife
Páginas1-34
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INTRODUÇÃO
PRESSUPOSTOS DESTE LIVRO QUANTO
A MÉTODO, METODOLOGIA E METÓDICA
1. A bipartição metodológica da filosofia para a
possibilidade de uma filosofia do direito: conheci-
mento e ética na filosofia retórica. 2. Os dois pro-
blemas daí decorrentes, desde o nascedouro oci-
dental, tornaram-se os mais importantes da teoria
e da filosofia do direito. 3. A tese da retórica como
método, metodologia e metódica para enfrentar
a opção entre descrição e prescrição. 4. Resumo
de conteúdo: este livro vai tratar dos problemas
oriundos da bipartição, reduzindo-os a uma teoria
da norma (como teoria do conhecimento do direi-
to) e a uma teoria do direito subjetivo (como teoria
da fundamentação ética do direito).
1. A bipartição metodológica da filosofia para a
possibilidade de uma filosofia do direito: conhecimento
e ética na filosofia retórica
Um livro de filosofia do direito que pretende trazer te-
ses, sem se reduzir a relatos descritivos do direito positivo
nem de doutrinas alheias, pode começar pelo conceito de
JOÃO MAURÍCIO ADEODATO
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tese. Uma tese pode começar a ser definida como uma opi-
nião fundamentada sobre um ou mais problemas. Como ha-
verá vários problemas, as formas de tratamento sugeridas
para os mesmos, as teses, serão também muitas. Para melhor
organizá-las, necessário estabelecer alguma hierarquia. As-
sim esta introdução se inicia por colocar as três teses básicas,
que definem o pensamento retórico para a filosofia do direi-
to, tal como aqui entendido; são como que pontos de partida,
que se pretendem aplicáveis à filosofia e à filosofia do direito,
aqui não apenas pressupostos, mas também tentativamente
fundamentados.
Primeira tese de base (contra os ontológicos e os re-
tóricos aristotélicos): retórica é filosofia, opõe-se a um tipo
de filosofia, a filosofia ontológica, mas não se opõe à filoso-
fia como um todo. Os ontológicos apossaram-se da filosofia a
tal ponto que os próprios retóricos passaram a acreditar que
não faziam filosofia, pois esta consistiria na busca da verdade.
Mas se se prescinde do conceito de verdade, retórica é filo-
sofia e filosofia é a busca da sabedoria, não da verdade. Por
isso este livro pretende defender uma “filosofia retórica” e se
distanciar da posição defendida por autores considerados “re-
tóricos” como Chaîm Perelman, que preferem falar em uma
“retórica filosófica”, posto que aceitam a tese de que retórica
e filosofia se separam, de que retórica não é filosofia.
Segunda tese de base (contra os ontológicos): retórica
não se reduz a mero ornamento, enfeite do discurso, ainda
que essa seja uma de suas importantes funções, e menos ain-
da se reduz a ornamentos antiéticos para enganar incautos,
mas esta também constitui uma de suas habilidades. Em ou-
tras palavras: nem cuida somente da beleza e da sedução por
si mesmas, nem cuida somente da beleza e da sedução para
servir a uma “má” ética. A linguagem comum opõe retórica a
ação, como se fazer “apenas” retórica não somente implicasse
um jogo vazio de belas palavras, mas também de mentiras e
meias-verdades. Retórica é em qualquer sentido uma forma
UMA TEORIA RETÓRICA DA NORMA JURÍDICA E DO DIREITO SUBJETIVO
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de ação, sem dúvida, uma das mais civilizadas delas.1
Terceira tese de base (contra os retóricos aristotélicos):
retórica não consiste apenas em persuasão, no estudo e aplica-
ção de meios para persuadir, vai além disso. Nem sequer a re-
tórica estratégica (que é apenas um tipo de retórica), na qual a
persuasão ocupa sem dúvida o lugar principal, reduz-se às me-
todologias persuasivas. Esta tese, mais ainda do que a primeira,
contradiz a maioria dos próprios retóricos.
Para situar a perspectiva retórica diante da filosofia do
direito tradicional, pode-se tomar a divisão que esta faz da
filosofia em ontologia, gnoseologia e axiologia. Carlos Cossio
divide a gnoseologia em lógica jurídica formal e lógica jurídi-
ca transcendental, ampliando para quatro subdivisões, com
essas duas lógicas somadas à ontologia e à axiologia.2 Garcia
-Maynez reúne a ontologia formal do direito e a lógica jurídi-
ca sob a denominação de teoria jurídica fundamental, à qual
cabe a definição do que é o direito e de quais seus conceitos
básicos; a segunda parte da filosofia do direito, a axiologia jurí-
dica, “tem por objeto estudar os valores a cuja realização deve
tender o direito”.3 Miguel Reale é outro que submete a divisão
tradicional a crítica e sugere o termo ontognoseologia: onto-
logia e gnoseologia são inseparáveis, pois todo conhecimento
é conhecimento de algo (aliquid), não se pode falar de objeto
sem conhecimento nem se pode conhecer sem haver objeto;
a separação entre gnoseologia e ontologia é metodológica, se-
gundo se faça preponderar a perspectiva do sujeito (a parte
subjecti) ou do objeto (a parte objecti).4 Aí haveria dois setores
1 . “A última crença é a crença na linguagem. Na dissolução dessa superstição a retórica é a última forma
de iluminismo” (Der letzte Glaube ist der Glaube an die Sprache, in der Auflösung dieses Aberglaubens
ist die Rhetorik die letzte Form der Aufklärung). BALLWEG, Ottmar. Entwurf einer analytischen Rheto-
rik. In: SCHANZE Helmut e KOPPERSCHMIDT, Joseph (Hrsg.). Rhetorik und Philosophie. München:
Wilhelm Fink, 1989, p. 42.
2 . COSSIO, Carlos. La teoria egológica del derecho y el concepto jurídico de libertad. Buenos Aires:
Abeledo Perrot, 1964, 2. ed., p. 275 s.
3 . “... tiene por objeto estudiar los valores a cuya realización debe tender el derecho”. GARCIA-MAYNEZ,
Eduardo. Filosofía del derecho. Mexico: Porrúa, 1974, p. 16-17.
4 . REALE, Miguel. Filosofia do direito. São Paulo: Saraiva, 2002 (20. ed.), p. 30. A expressão aliquid é
utilizada para indicar a ideia de que sujeito e objeto são irredutíveis um ao outro e que o objeto está fora
do sujeito, que a ele se dirige no ato de conhecimento, como propõe HARTMANN, Nicolai. Grundzüge

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