Teoria da norma jurídica como expressão simbólica dotada de validade (significante)

AutorJoão Maurício Adeodato
Ocupação do AutorProfessor Titular da Faculdade de Direito do Recife
Páginas201-233
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CAPÍTULO SEXTO
Teoria da norma jurídica como expressão simbólica
dotada de validade (signicante)
6.1. O significado da norma precisa se expres-
sar por símbolos. 6.2. Significantes e significados
diante de generalidade e individualidade. 6.3. A
retórica dogmática para exclusão do problema on-
tológico: a diferenciação entre fontes materiais e
fontes formais. 6.4. A racionalização hierárquica
das fontes formais do direito como estratégia dog-
mática: primárias e secundárias. 6.5. A revolução
do texto e a ilusão da objetividade: as retóricas de
pertinência, validade, vigência, eficácia jurídica
e eficácia social.
6.1. O significado da norma precisa se expressar por
símbolos
A operacionalidade do símbolo é o que o distingue da ima-
ginação e da representação... Só o conceito de símbolo
– cunhado a partir do conceito de sintoma na antiga me-
dicina – permite apreender o que acontece na percepção e
no conhecimento.171
171 . BLUMENBERG, Hans. Schiffbruch mit Zuschauer – Paradigma einer Daseinsmetapher. Frankfurt
JOÃO MAURÍCIO ADEODATO
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O conceito de signo ou significante ou mesmo símbolo
deve ser entendido em sentido bem amplo: palavras, gestos,
mímica, entonações, ações, objetos, locais, momentos, datas
etc. são sinais na medida em que, dentro de um contexto, são
utilizados para transmissão de informações, significados.172
Isso aponta para o segundo sentido da expressão “norma
jurídica” sugerido aqui, o uso que se identifica com os signifi-
cantes linguísticos, os quais objetivam comunicar um signifi-
cado normativo, expressar a norma no primeiro sentido, visto
no capítulo anterior.
Essa relação entre os significantes e os significados não
é arbitrária, mas controlada pelo uso comum da língua, o con-
trole público da linguagem já mencionado, auxiliado por re-
gras que constrangem – ou seja, o uso dos sinais não é livre – e
constituem a retórica material, dirigida pela gramática e mui-
tos outros fatores, dentre os quais o direito. Por isso a frase de
Nietzsche, mesmo depois de dizer que Deus está morto: “Temo
que não nos livraremos de Deus, porque ainda acreditamos na
gramática...”173
Mesmo após a “virada linguística” da teoria da lingua-
gem, no começo do século XX, ou seja, reconhecendo-se o
caráter convencional da linguagem e a distinção entre sig-
nificantes e significados, o pensamento ontológico sobre a
linguagem permanece atribuindo o sentido de “coisa” aos sig-
nificados expressados pelos significantes:
E o que é um sinal? Um sinal é, nessa perspectiva, uma de-
signação convencional, uma marca sobre a qual se acordou
para algo que existe independentemente dela. Aqui está
a. M.: Suhrkamp, 1979, p. 90: „Die Operabilität des Symbols ist, was es von der Vorstellung wie von der Ab-
bildung untersc heidet... Erst der Begriff des Symbols – vorgeprägt durch den des Symptoms in der antiken
Medizin – erlaubt zu erfassen, was in Wahrnehmung und Erkenntnis geschieht.”
172 . PATZELT, Werner J. Grundlagen der Ethnometodologie – Theorie, Empirie und
politikwissenschaftlicher Nutzen einer Soziologie des Alltags. München: Wilhelm Fink, 1987, p. 61.
173 . „Ich fürchte, wir werden Gott nicht los, weil wir noch an die Grammatik glauben...” NIETZSCHE,
Friedrich Wilhelm. Götzen-Dämmerung – oder Wie man mit dem Hammer philosophirt, in COLLI, Giorgio
– MONTINARI, Mazzino (Hrsg.): Friedrich Nietzsche, Kritische Studienausgabe – in fünfzehn Bände, vol.
6. Berlin: Walter de Gruyter, 1988, p. 78 (Die „Vernunft” in der Philosophie, § 5).
UMA TEORIA RETÓRICA DA NORMA JURÍDICA E DO DIREITO SUBJETIVO
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a coisa; ali está seu sinal. Aqui está uma “paixão” especí-
fica: medo, por exemplo; ali está a palavra ‘medo’. Medo
e ‘medo’ não são de modo algum o mesmo, naturalmen-
te: a primeira é uma paixão comum (acredita Aristóteles)
a todos os seres humanos; a segunda é uma palavra de
uma língua específica, nomeadamente o português. Todo
mundo sabe o que é medo, mas nem todo mundo sabe o
que significa ‘medo’. Certamente poder-se-ia utilizar com
a mesma eficácia outro sinal inteiramente diferente para
designar a mesma paixão.174
Daí que toda positivação do direito é simbólica, não cabe
falar de positivações “simbólicas” como opostas a positivações
“efetivas” ou propriamente ditas. Todo signo constitui efetiva-
mente a realidade em que se expressa, ou pelo menos concorre
com outros signos para constitui-la, e a diferença entre signifi-
cantes e significados não deve ser entendida como separação.
Em outras palavras, um texto legal que constitucionalistas tra-
dicionalmente designam como “inefetivo” ou “simbólico” é
simplesmente mais um discurso na arena da retórica material,
competindo com outros discursos, todos simbólicos, pelo relato
vencedor.
Para exemplificar a relação entre significantes linguís-
ticos e significados ideais pode-se pensar na distinção entre
algarismos e números: a ideia daquele número é sempre a
mesma, ainda que sua representação simbólica possa diferir:
para o número “três” podem-se utilizar símbolos como 3, III,
three, tres, drei, exibir os dedos polegar, indicador e médio ou
indicador, médio e anular, por exemplo.
Esses significantes podem então ser orais, gestuais e
textuais. Os significantes “pictóricos”, tais como vídeos, são
174 . EDWARDS, James C. The authority of language – Heidegger, Wittgenstein, and the thr eat of philoso-
phical nihilism. Tampa: University of South Florida Press, 1990, p. 67: “And what is a sign? A sign is, in
this account, a conventional designation, an agreed-upon mark standing for something that exists inde-
pendently of it. Here is the thing; there is its sign. Here is a particular “passion”: fear, for instance; there
is the word ‘fear’. Fear and ‘fear’ are not at all the same, of course: the first is a passion common (Aristotle
believes) to all human beings; the second is a word of a particular language, namely, English. Everyone
knows what fear is, but not everyone knows what ‘fear’ means. Indeed, one could just as well use another
sign altogether to designate the same passion.”

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