Os níveis retóricos da dogmática jurídica para enfrentar os problemas do conhecimento e da ética

AutorJoão Maurício Adeodato
Ocupação do AutorProfessor Titular da Faculdade de Direito do Recife
Páginas101-131
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CAPÍTULO TERCEIRO
Os níveis retóricos da dogmática jurídica para
enfrentar os problemas do conhecimento e da ética
3.1. Dogmática jurídica existencial: os seres hu-
manos não estão isolados, são apenas sós. 3.2.
Dogmática jurídica estratégica: as opiniões que
aqueles que lidam com o direito têm sobre a rea-
lidade constroem essa mesma realidade e ajudam
a tornar a solidão comum. 3.3. Retórica analítica
sobre a dogmática jurídica: não há uma dogmáti-
ca analítica. 3.4. Retórica analítica e ciência do
direito: descrição da dogmática como método e
metodologia. 3.5. Os postulados funcionais da ati-
vidade dogmática para tratar os dois problemas:
do texto à norma concreta.
3.1. Dogmática jurídica existencial: os seres humanos
não estão isolados, são apenas sós
Aqui vai sugerir-se transportar a tripartição da metódica
retórica para a dogmática jurídica, buscando mostrar como
os três níveis retóricos funcionam no direito moderno. As re-
flexões a seguir também devem ajudar a compreender o que
este livro quer dizer com semelhante tripartição.
JOÃO MAURÍCIO ADEODATO
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Para Hannah Arendt, a pluralidade constitui uma das
condições básicas da vida humana e a cultura ocidental clássi-
ca sempre teve consciência disso: na concepção grega clás-
sica, apenas na polis o ser humano é efetivamente humano e
para os romanos só ao estar entre seus semelhantes – inter
homines esse – ele pode perceber a realidade. Ao pensar con-
sigo mesmo, porém, a pluralidade é reduzida a uma dualida-
de, um diálogo interno do indivíduo, no qual o ser humano
faz companhia a si próprio. Para esse estado do pensamento
é necessário estar em solidão, mas em solidão o ser humano
também dialoga, também constitui retoricamente a realida-
de, pois a atividade mental é reflexiva. Diferente é o estado
de isolamento, no qual o ato de pensar, esse diálogo consigo
mesmo, não existe. O indivíduo isolado é incapaz de pensar
e assim deixa de ser humano.
As atividades mentais... especialmente o pensar – o diálo-
go silencioso do eu consigo mesmo – pode ser entendido
como uma efetivação da dualidade original ou a separação
entre mim e mim mesma que é inerente a toda consciên-
cia... A vida da mente, na qual eu faço companhia a mim
mesma, pode ser silenciosa, mas nunca é calada e nunca
pode ser completamente alheada de si mesma, por causa
da natureza reflexiva de todas as suas atividades.95
A solidão requer que a pessoa esteja só, sem dúvida, mas
o isolamento mostra-se muito mais claramente quando se está
junto a outras pessoas, mas sem qualquer comunicação com
elas. Sem um diálogo consigo mesmo é que o ser humano perde
contato com seus semelhantes, mesmo que esteja fisicamente
próximo a outros. A solidão pode se transformar em isolamen-
to, o que ocorre quando uma pessoa se vê privada da própria
companhia, o que vai fatalmente acarretar o distanciamento
95 . ARENDT, Hannah. Thinking (The life of the mind, one vol. edition). New York / London: Harcourt
Brace Javanovich, 1978, p. 74-75: “Mental activities… specially thinking – the soundless dialogue of the
I with itself – can be understood as the actualization of the original duality or the split between me and
myself which is inherent in all consciousness… The life of the mind in which I keep myself company may
be soundless; it is never silent and it can never be altogether oblivious of itself, because of the reflexive
nature of all its activities.” Cf. também a p. 185.

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