Teoria da norma jurídica como decisão dotada de efetividade e o retorno ao mundo dos eventos

AutorJoão Maurício Adeodato
Ocupação do AutorProfessor Titular da Faculdade de Direito do Recife
Páginas235-270
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CAPÍTULO SÉTIMO
Teoria da norma jurídica como decisão dotada de
efetividade e o retorno ao mundo dos eventos
7.1. A tese de que só na decisão se constitui a nor-
ma jurídica. 7.2. Os meios da etnometodologia:
persuasão, engodo, autoridade e ameaça de vio-
lência. 7.3. Sobrecarga do direito como principal
ambiente ético comum no controle do excesso de
disponibilidade ética. 7.4. Sobrecarga da decisão
e do judiciário no direito estatal moderno. 7.5. A
encruzilhada do ativismo judicial dos tribunais
superiores e o enfraquecimento do decisionismo
estatal do dia a dia.
7.1. A tese de que só na decisão se constitui a norma
jurídica
Este capítulo trata do sentido de norma jurídica como
norma de decisão, o terceiro dos usos destacados no livro, do
qual a sentença é um exemplo característico, mas só um exem-
plo. Quando aqui se fala em juiz e sentença trata-se apenas de
dois paradigmas, os quais devem ser estendidos a todo decidi-
dor no caso concreto e a toda decisão jurídica respectivamente.
Toda teoria é geral e toda decisão é individual, como
JOÃO MAURÍCIO ADEODATO
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visto atrás. Pode parecer então contraditória uma “teoria da
decisão”, que procura unir o geral e o específico.
Logo no começo de sua Retórica, Aristóteles afirma que,
devido a seu caráter necessariamente casuístico, só se deve
apelar a uma decisão concreta, e logo a um juiz, quando isso
for inevitável.195
O próprio Roscoe Pound, um bom exemplo por defender
a criação do direito pelo juiz, é cuidadoso:
Pois embora admitamos que o legislador e o juiz, ambos
fazem e conformam e desenvolvem e estendem ou restrin-
gem preceitos jurídicos, há uma diferença desde o primei-
ro momento na feitura legislativa e na feitura judicial do
direito. O legislador está construindo uma regra para o
futuro. Daí a segurança geral não requer que ele proce-
da a partir de premissas predeterminadas ou seguindo li-
nhas predeterminadas. Ele pode tomar essas premissas de
quaisquer expedientes que sua sabedoria ditar e proceder
seguindo as linhas que lhe parecerem melhores. Do outro
lado, aquele que faz o direito judicialmente não está ape-
nas fazendo uma regra para o futuro. Ele está construin-
do um preceito jurídico que vai se aplicar às transações
do passado, assim como do futuro, e está fazendo isso de
forma imediata, com referência a uma controvérsia sur-
gida no passado. Daí que o interesse social na segurança
geral requer que ele não tenha a mesma liberdade que o
legislador.196
Mas não há sentido em descrições de dados concretos
195 . ARISTOTLE. Rhetoric. I, 1, 1354b. The works of Aristotle, trad. W. Rhys Roberts, Col. Great Books
of the Western World. Chicago: Encyclopaedia Britannica, 1990, vol. 8, p. 593.
196 . POUND, Roscoe. Law and morals – jurisprudence and ethics. North Carolina Law Review, vol. 23,
1945, p. 185-222: “For although we admit that legislator and judge each make and shape and develop and
extend or restrict legal precepts, there is a difference of the first moment between legislative lawmaking
and judicial lawmaking. The legislative lawmaker is laying down a rule for the future. Hence the general
security does not require him to proceed on predetermined premises or along predetermined lines. He
can take his premises from whencesoever expediency of his wisdom dictates and proceed along the lines
that seem best to him. On the other hand the judicial lawmaker is not merely making a rule for the
future. He is laying down a legal precept which will apply to the transactions of the past as well as to
the future, and he is doing so immediately with reference to a controversy arising in the past. Hence the
social interest in the general security requires that he should not have the same freedom as the legislative
lawmaker.”
UMA TEORIA RETÓRICA DA NORMA JURÍDICA E DO DIREITO SUBJETIVO
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sem teoria e esse é um dos problemas enfrentados pela pes-
quisa sociológica. É preciso explicar os dados e isso só a teoria
pode fazer, organizando-os, posto que, ao lado da seleção e
observação, são necessárias metodologias para catalogá-los,
problematizá-los e explicá-los.
Conforme apontado, o dever dirige-se ao futuro e o
mundo dos eventos é sempre passado, pois, mesmo sendo
presente, seu relato necessariamente refere-se ao passado.
Recorde-se que a primeira acepção de norma, aqui neste li-
vro, é norma como ideia, como dever ser que se projeta para o
futuro e controla agora a conduta por meio dessas promessas.
A segunda é norma como fonte, expressão simbólica do signi-
ficado ideal prometido. O terceiro significado é este de norma
como decisão, um comando concreto de retorno ao mundo dos
eventos. Aqui pode-se dizer literalmente que a norma se reali-
za, torna-se real.
Mas para se falar coerentemente de uma teoria da deci-
são, é preciso entendê-la como decisão efetiva e não apenas
tomada. Isso porque a decisão apenas tomada é norma no sen-
tido de ideia, fica como promessa. Concretizada significa que
a decisão se tornou um evento, voltou ao mundo dos eventos
como um deles e vai constituir a retórica material.
Aqui aparece o problema de em que momento pode-se
dizer que a norma jurídica se concretiza, quando exatamente
ela deixa o sentido de norma-ideia e passa ao sentido de nor-
ma como decisão efetiva. Se é quando o juiz decide, quando
o condenado começa a cumprir a pena ou o inadimplente
tem seus bens levados a leilão. Como na decisão o mais cru-
cial é a efetividade, a norma como decisão precisa penetrar
no mundo dos eventos, ser cumprida no plano da retórica
material, ou seja, só quando o condenado é posto na cadeia,
quando o devedor é forçado a pagar a dívida ou quando a
paga espontaneamente.
Assim, a tese retórica não se confunde com o que tra-
dicionalmente se tem denominado “teoria da decisão”, fruto

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