Retórica da interpretação jurídica para além da confusão entre texto e norma

AutorJoão Maurício Adeodato
Ocupação do AutorProfessor Titular da Faculdade de Direito do Recife
Páginas271-299
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CAPÍTULO OITAVO
Retórica da interpretação jurídica para além da
confusão entre texto e norma
8.1. Crise do estudo do direito – doutrina – como
crise sobre a indistinção de seus níveis: o proble-
ma da mentira e a cientificidade do direito. 8.2. Os
níveis básicos da dogmática estratégica: normas
de conduta e normas sobre as normas de conduta.
8.3. Generalização: vagueza, ambiguidade e poro-
sidade da linguagem jurídica. 8.4. A imprecisão
da linguagem jurídica de segundo nível: os juris-
tas e seus malabares de sentido.
8.1. Crise do estudo do direito – doutrina – como crise
sobre a indistinção de seus níveis: o problema da
mentira e a cientificidade do direito
Tradicionalmente, a interpretação de textos se dirige
a um entendimento principalmente descritivo, pois pressu-
põe que o intérprete fixe os significados de maneira neutra,
objetiva ou mesmo científica. O problema, que interessa de
perto à filosofia da linguagem e à teoria do conhecimento,
é se a interpretação também não envolve necessariamen-
te um aspecto normativo. Além de ambíguos e vagos, os
JOÃO MAURÍCIO ADEODATO
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textos jurídicos são frequentemente compostos de conceitos
abertos e valorativos, cuja definição exige uma escolha fun-
damentada entre diversas alternativas para atribuir-lhes sig-
nificados. A interpretação de um aplicador do direito parece
ficar a meio caminho entre a tarefa descritiva de verificação
de significado (Bedeutungsfeststellung) e a tarefa prescritiva
de fixação de significados (Bedeutungsfestsetzung).220
A interpretação jurídica é, além disso, dogmática, ou
seja, é presa a regras relativamente rígidas, como pontos de
partida, e a procedimentos formais específicos, os quais não
admitem que qualquer um significado venha a ser escolhido.
Isso não se dá apenas nos planos sintático e semântico de um
jargão jurídico específico em um sistema hermenêutico de-
finido, mas também no nível pragmático: significações como
insultos, ironias, reprovações, elogios, contidas em textos, só
adquirem significado pleno diante de seu uso em uma situa-
ção específica.
A metodologia do direito é neste livro dividida em in-
terpretação e argumentação, a serem examinadas neste e
no próximo capítulo. Quer dizer, a retórica estratégica jurí-
dica se separa em uma teoria para tratar do abismo gnoseo-
lógico, determinando o que as fontes pertinentes, válidas e
vigentes significam diante do caso concreto, e uma teoria
para obter adesão dos circunstantes, daqueles que decidem,
e assim obter o poder de determinar a decisão desejada e o
relato vencedor.
Repita-se que a ameaça de violência é aqui considerada
metodologia de argumentação, o que não procede quanto à
violência efetiva. Essa promessa de consequências desagra-
dáveis no futuro, a coercitividade, desempenha uma função
essencial no controle normativo da realidade atual, levado a
efeito pelo direito, e é uma ideia também importante na ten-
tativa moderna de diferenciar “direito” das demais ordens
220 . BUCHWALD, Delf. Die Canones der Auslegung und rationale juristische Begründung. Archiv für
Rechts – und Sozialphilosophie, vol. 79. Stuttgart: Franz Steiner, 1993, p. 16-47.

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