Liquidação da Sentença

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Ocupação do AutorAdvogado
Páginas277-314
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EXECUÇÃO NO PROCESSO DO TRABALHO
Capítulo XXVII
Liquidação da Sentença
1. Nótula introdutória
O Código Civil anterior, em seu art.1.533, dizia ser líquida a obrigação que se apre-
sentasse certa quanto à sua existência, e determinada no tocante ao seu objeto. Ainda
que o Código atual não tenha reproduzido o aludido conceito, este deve ser preservado.
A propósito, como vimos no Capítulo anterior, o próprio CPC faz menção aos requisitos
de certeza e determinação da obrigação contida no título executivo, para este possua
ef‌icácia executiva.
Em um plano ideal, as obrigações consubstanciadas em títulos executivos judiciais
deveriam ser sempre líquidas, ou seja, conter todos os elementos necessários à sua imediata
execução, porquanto a certeza do credor, em relação ao montante do seu crédito — e,
em contrapartida, a do devedor, quanto ao total da dívida —, propiciaria uma execução
rápida, livre, e boa parte dos incidentes que a entravam, dentre os quais se incluem os
respeitantes à determinação do quantum debeatur (a Lei n. 9.957/2000, que acrescentou
as letras A a H ao art. 852 da CLT, para instituir o procedimento sumaríssimo, exige que
nas ações sujeitas a esse procedimento o valor dos pedidos conste da inicial). Não esta-
mos af‌irmando, com isso, que há, na prática, sentenças que se revelam incertas quanto à
existência do crédito, pois semelhante anomalia corresponderia à não sentença, ao nihil
jurisdicional, sabendo-se que, em nosso sistema de processo, o provimento emitido pelo
juiz deve ser sempre certo, mesmo quando resolva relação jurídica condicional (CPC,
art. 492, parágrafo único). Nula será, conseguintemente, a sentença que subordinar o
acolhimento dos pedidos formulados pelo autor à eventualidade de ser constatada, na
fase de liquidação, a existência do direito por ele alegado.
Com o advento do estatuto processual civil de 1973 deixou de haver lugar, em nosso
meio, para as sentenças incompletas, ou condicionais, a que Valentin Carrion dedicara
proveitosa monograf‌ia (“As Sentenças Incompletas”, Universidad de Madrid, 1971).
A incerteza, pois, que se possa irradiar da sentença exequenda liga-se exclusiva-
mente ao montante, ao quantum da dívida, situação que exigirá a prática de certos atos
antecedentes à execução propriamente dita — e dela preparatórios —, destinados à
quantif‌icação do valor a ser exigido ao devedor. A esse conjunto de atos dá-se o nome
de liquidação — que, em rigor, não é da sentença, e sim da obrigação, nela contida.
São múltiplos os fatores que impedem o juiz de proferir, no procedimento comum,
sentenças contendo obrigações líquidas: ora decorre da própria natureza do pedido; ora
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MANOEL ANTONIO TEIXEIRA FILHO
da absoluta ausência de elementos nos autos (máxime da inicial e na contestação); ora da
vasta quantidade de pedidos deduzidos pelos litigantes; ora das próprias circunstâncias
em que a sentença foi prolatada (em audiência, e. g., quando o juiz possuía pouco tempo
para compulsar, detidamente, os autos, com o objetivo de encontrar elementos que
ensejassem uma condenação líquida), etc. Não é de grande interesse, para este livro,
investigarmos as causas que conduzem ao proferimento de sentenças ilíquidas (obriga-
ções ilíquidas), e sim estudarmos o procedimento judicial a ser observado quando isso
acontece.
2. Conceito
Em sentido genérico, o verbo liquidar sugere a acepção de averiguar, tornar líquido,
tirar a limpo; na terminologia processual, entretanto, o substantivo liquidação indica
o conjunto de atos que devem ser praticados com a f‌inalidade de estabelecer o exato
valor da condenação ou de individualizar o objeto da obrigação. Como assinala Moacyr
Amaral Santos, pela liquidação se visa a estabelecer o valor, a quantidade ou a espécie
de obrigação, vale dizer, o que ou quanto é devido (obra cit., p. 2396); Edson Baccaria
a tem como “a operação pela qual atingimos um valor absoluto”. (“Liquidação da Sen-
tença Trabalhista”, São Paulo: Ed. Cargine, 1974, p. 20).; para Affonso Fraga, ela repre-
senta o “ato judicial pelo qual se determina o objeto da condenação”(“Teoria e Prática na
Execução das Sentenças”, São Paulo: 1922; Pontes de Miranda a vê como “o processo pelo
qual se torna líquido o objeto ilíquido do pedido da condenação” (“Comentários...”,
p. 510); José da Silva Pacheco af‌irma que “sentença ilíquida é aquela que não f‌ixa o valor
da condenação nem lhe individua o objeto” (“Execução”, Rep. Enc. do Dir. Bras., Rio de
Janeiro: Ed. Borsoi, vol. 21, p. 183).
Pela nossa parte, conceituamos a liquidação como (a) a fase preparatória da
execução, (b) em que um ou mais atos são praticados, (c) por uma ou por ambas as
partes, (d) com a f‌inalidade de estabelecer o valor da condenação (e) ou de individuar o
objeto da obrigação, (f) mediante a utilização, quando necessário, dos diversos meios
de prova admitidos em lei.
Examinemos, a seguir, individualmente, os elementos componentes do conceito
que enunciamos.
(a) Fase preparatória da execução. Embora a liquidação, no processo do trabalho,
do ponto de vista sistemático, integre a execução, sob o aspecto lógico ela f‌igura
como fase destinada a preparar a execução, a tornar exequível a obrigação contida
no título judicial, seja precisando o valor da condenação ou individuando o ob-
jeto da obrigação. A liquidação possui, portanto, caráter não apenas quantif‌icante,
mas também individuante. Título judicial, cuja execução se promova sem prévia
liquidação — sempre que esta fosse imprescindível —, é legalmente inexigível,
rendendo ensejo a que o devedor argua a falta, em seus embargos (CPC, art. 525,
§ 1.o, III).
(b) Em que um ou mais atos são praticados. Este elemento da def‌inição que elaboramos
tem o propósito de chamar a atenção ao fato de que embora, no geral, credor e
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devedor pratiquem diversos atos convenientes aos seus interesses, na liquidação
há casos em que, às vezes, o escopo da liquidação é atingido mediante a prática de um
só ato pela parte (o credor apresenta artigos de liquidação que não são impugnados
pelo devedor).
(c) Por uma ou por ambas as partes. Nada obstante o devedor tenha sido colocado
em um ontológico estado de sujeição (ao comando sancionatório, que se esplende
da sentença condenatória exequenda) pelo legislador, não se deve tirar desse fato a
equivocada conclusão de que ele não possua, na liquidação, direito a praticar atos
necessários a fazer com que a execução não transborde do título executivo em que
se funda, ou que não se afaste do devido procedimento legal.
Tanto é verdadeira a assertiva que o Código lhe permite opor-se à execução, via
embargos (CLT, art. 884); contestar os artigos de liquidação (CPC, art. 509, II), e o mais.
(d) Com a f‌inalidade de estabelecer o valor da condenação. Cuida-se aqui de execução
por quantia certa contra devedor solvente (CPC, art. 824), que tem na expropria-
ção judicial de bens do devedor o seu objeto (ibidem). Bens atuais ou futuros (CPC,
art. 789). Via de regra, as liquidações trabalhistas tendem a quantif‌icar o valor da
condenação, pois o que mais se costuma pedir, no âmbito da Justiça do Trabalho,
é a emissão de provimentos condenatórios do réu ao pagamento de certa quantia.
(e) Ou de individuar o seu objeto. Em alguns casos — algo infrequente no processo
especializado — o que se busca, na fase de liquidação, não é def‌inir o quantum
debeatur e sim individuar o objeto da obrigação a ser adimplida pelo devedor, ou
seja, “qualidades e espécies, como nas ações universais, nas alternativas e condi-
cionais...” (Leite Velho, “Execução de Sentenças”, Rio: 1985, p. 294, nota 1). Em
situações como essas, a atividade que as partes deverão desenvolver, nessa fase
preparatória da execução, concentra-se na f‌ixação do gênero e da qualidade do
objeto obrigacional
(f) Mediante a utilização, quando necessário, dos diversos meios de prova admitidos
em lei. Determinadas liquidações reclamam a abertura de fase voltada a provar certos
fatos que são relevantes ou mesmo imprescindíveis para def‌inir-se o montante da
condenação. Esse momento probatório é comum na liquidação por artigos, notada-
mente porque o CPC dispõe que, nessa modalidade de liquidação, será observado
o procedimento comum (art. 509, II). Daí vem a possibilidade de as partes reque-
rerem a produção de provas, segundo os meios especif‌icados em lei (ou desde que
moralmente legítimos, como adverte o art. 369 do CPC).
Torna-se despiciendo fazer constar da def‌inição que apresentamos a ressalva de
que os atos praticados pelo credor e pelo devedor, na espécie, estariam sob a f‌iscalização
do juiz, pois essa vigilância do magistrado não constitui particularidade dessa fase de
quantif‌icação do débito, se não que traço marcante do processo moderno, que se mani-
festa em todos os momentos e em todas as espécies de procedimento.
Impende registrar que a necessidade de apurar-se a liquidez da obrigação, estam-
pada no título executivo, decorre de norma legal imperativa, segundo a qual a execução,
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