Possível Conteúdo e Razão para o Direito de Águas
Autor | Dante A. Caponera |
Ocupação do Autor | Jefe de de la legislación de la FAO |
Páginas | 173-207 |
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P C R
D Á
7.1 INTRODUÇÃO
Devido ao aumento do consumo e da poluição da água, diversos países, tanto os industriali-
zados, quanto aqueles em desenvolvimento, em zonas tropicais, desérticas ou temperadas, de
climas áridos ou úmidos, estão reexaminando as respectivas legislações sobre águas ou estu-
dando a possibilidade de elaborar novos dispositivos legais. O propósito dessa nova legislação,
ou da emenda da antiga, é regulamentar o desenvolvimento dos recursos hídricos e fornecer
uma base legal para a introdução de medidas de controle da poluição da água e gerenciamento
de situações de risco resultantes de acidentes, calamidades naturais e outros eventos ains.
Um governo que procura modiicar a legislação existente ou promulgar uma nova pode
precisar fazer mudanças substanciais em seu sistema de direito de águas. É possível que os
direitos e privilégios baseados na propriedade privada, os direitos ripários, o direito dos
proprietários de terras às águas subjacentes, a doutrina da primeira apropriação dos EUA
e os direitos resultantes do ministerio legis tenham de passar por alterações substanciais,
a ponto de torná-los quase irreconhecíveis. Se os direitos de uso de águas, estejam elas em
propriedades particulares ou públicas, devem harmonizar-se com as políticas e os objetivos
governamentais, que requerem um sistema de controle, os proprietários e usuários não
mais poderão agir a seu bel-prazer. Os sistemas baseados em outorgas ou concessões mal
deinidas ou esporádicas deverão ser substituídos por ações administrativas permanentes
e uniicadas.
As nações relutam, com razão, em aceitar interferências estrangeiras em qualquer assunto
relacionado com os próprios poderes legislativos, e podem hesitar em seguir o exemplo de
outros países, por entender, por exemplo, que o que acontece no exterior talvez não seja muito
relevante às próprias necessidades. Além disso, com frequência, e de acordo com as normas
modernas, as leis dos chamados “países desenvolvidos” não podem ser consideradas os
melhores exemplos de legislação e administração hídricas apropriadas. Por último, os Estados
podem considerar que, devido a condições existentes diferentes, é diícil integrar novas leis e
instituições à sua própria realidade ísica, política, econômica, religiosa, institucional e social.
Os principais requisitos de uma legislação de águas moderna são os seguintes:
i. substituir sistemas tradicionais, costumeiros ou originados no sistema do common
law, por normas escritas que facilitem o uso mais racional da água disponível, por
meio de uma ação administrativa apropriada e do controle da poluição das águas;
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PRINCÍPIOS DE DIREITO E ADMINISTRAÇÃO DE ÁGUAS NACIONAIS E INTERNACIONAIS
ii. facilitar o estabelecimento de instituições reguladoras e a deinição de suas funções
e seus poderes, bem como sua relação com as instituições de desenvolvimento;
iii. delimitar as funções e os poderes dos diferentes órgãos governamentais, nos
aspectos setoriais da gestão dos recursos hídricos.
Uma lei básica de água, ato ou código, não deveria ser muito detalhada, mas deveria
conter os princípios fundamentais e criar instrumentos para realizar os objetivos espe-
cíicos da lei. Os detalhes para a execução dos dispositivos especíicos de uma lei são
melhores quando contidos em regulamentos subsidiários ou de implementação. Isto
porque demorados procedimentos parlamentares são geralmente necessários para
aprovar ou emendar uma lei básica, enquanto os regulamentos de implementação podem
ser expedidos por um ou mais ministérios, com poderes para tanto da dos pela lei.
7.2 A CONTRIBUIÇÃO DO ADVOGADO
A contribuição do advogado especializado em direito de águas ao processo de elaboração
ou emenda de uma lei hídrica é muito importante, mas ele precisa ter algum conheci-
mento sobre as condições históricas, sociais, econômicas, governamentais, jurídicas,
ísicas, climatológicas e hidrológicas do país, antes de elaborar a lei. Quando se trata de
um assessor estrangeiro, ele se beneiciará de visitas a obras hidráulicas, represas, pro-
jetos, distritos de mineração, esquemas de irrigação e áreas urbanas, em companhia de
advogados locais, a im de entender as condições ísicas em que essa lei será aplicada.
O advogado ou o redator de uma lei de águas também deveria consultar os minis-
tros, administradores e usuários da água, a im veriicar as políticas governamentais
e conhecer a opinião daqueles mais diretamente envolvidos nos aspectos setoriais do
gerenciamento dos recursos hídricos. Assim, ele poderá perceber os problemas que
devem ser resolvidos e os obstáculos que a lei deveria ultrapassar.
Também é útil conhecer as leis de águas promulgadas por outros países com
antecedentes similares, uma vez que possibilitam ao advogado veriicar se uma lei que
funcionou bem em outro contexto é adequada, ou não, à realidade local. Como simulação,
o advogado deveria aplicar os dispositivos em consideração a problemas previsíveis ou
existentes, para ver se a implementação da lei surtirá os resultados desejados. No caso de
esquemas ou soluções especíicas serem sugeridas, ele deveria ajudar a desenvolver uma
legislação que facilite sua implementação.
Ao elaborar um projeto de legislação hídrica inovadora, o advogado especializado
em direito de águas também deve estar preparado para negociar com grupos de pressão
ou lobbies dominantes ou concorrentes; proprietários de terras e industriais poderosos
e ambientalistas que procuram tratamento especial. As posições dos diferentes atores
deveriam ser harmonizadas ou rejeitadas, embora, em alguns casos, seja oportuna uma
solução conciliatória, que satisfaça um grupo sem sacriicar os objetivos principais da
lei. Grandes proprietários de terras, ou seus representantes no governo, podem ter
que ser convencidos de que, em vista dos usos futuros da água, é necessário abolir
os direitos ripários, e que o controle governamental desses usos os beneiciará. Parte
do trabalho do advogado especializado em direito de águas consiste em demonstrar
como a lei funcionará e como deveria ser implementada pelos aplicadores da lei em
circunstâncias especíicas.
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POSSÍVEL CONTEÚDO E RAZÃO PARA O DIREITO DE ÁGUAS
7.3 CONSIDERAÇÕES GERAIS
Quando se planeja a elaboração de uma nova lei hídrica ou de emendas à lei existente,
após o estudo de casos similares e padrões gerais, é possível apontar algumas das ques-
tões básicas que serão enfrentadas e desenvolver opções e métodos de abordagens fac-
tíveis. Os problemas a serem resolvidos pela legislação hídrica diferem de um país para
outro e podem ser maiores em alguns países do que em outros. Mesmo assim, apesar das
diferenças e da necessidade de se adaptar a lei às situações especíicas de um país, alguns
princípios universais devem ser contemplados em qualquer lei de águas, enquanto alguns
problemas, amplamente disseminados, podem ter uma solução comum.
É evidente que uma administração de águas adequada é essencial à implementação
e à execução efetivas dos dispositivos contidos em uma lei ou código de águas.
Os requisitos básicos para uma legislação hídrica moderna são indicados a seguir,
sem levar em conta sua ordem de importância, tendo em mente que alguns deles podem
ser adequadas para determinado país, mas nem todos esses princípios serão necessaria-
mente aplicáveis.
A ilosoia da legislação hídrica deve levar em conta:
i. a disponibilidade e a qualidade da água no país, na bacia, ou na região, bem como
as condições climáticas;
ii. o nível de desenvolvimento econômico e industrial;
iii. os usos hídricos existentes e o volume de água utilizado, quem os utiliza, em que
locais e com que ins;
iv. a existência de usos do solo que inluenciam o regime e a qualidade dos recursos
hídricos, assim como sua intensidade;
v. o custo de desenvolvimento das diferentes fontes de água;
vi. as necessidades presentes e futuras de água do país, bacia ou região;
vii. os costumes e as condições sociais existentes.
Embora não seja possível deinir especiicamente o conteúdo de uma boa lei hídrica,
nem o tipo de diploma legal necessário (código, regulamentos, portaria etc.), visto que
isso depende da estrutura jurídica do Estado em questão, pode ser útil ilustrar alguns
aspectos que devem ser considerados ou contemplados na legislação hídrica.
Neste capítulo, os termos “código”, “lei”, “ato”, “regulamento” “portaria” etc. são
empregados para designar um diploma ou instrumento legal para regular os diferentes
aspectos da gestão dos recursos hídricos, sem levar em conta seu aspecto formal e valor
no âmbito do sistema legal do país.
O primeiro requisito de uma lei de águas é incentivar, e não obstaculizar, as ativi-
dades associadas ao desenvolvimento e à conservação dos recursos hídricos. Na medida
do possível, o tom geral deveria ser permissivo, e não proibitivo, enquanto salvaguarda,
ao mesmo tempo, interesses públicos e privados.
Uma lei de águas deve incentivar seu uso e promover um clima conducente a
investimentos privados no setor hídrico, pois um usuário em potencial só investirá
capital e mão de obra em atividades como construção de poços, barragens, sistemas de
distribuição e obras de tratamento da água, quando tiver certeza de que receberá um
retorno justo durante um período suicientemente longo para que o empreendimento
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