Quando Forem Exigidos do Empregado Serviços Superiores às suas Forças, Defesos por Lei, Contrários aos Bons Costumes, ou Alheios ao Contrato (Art. 483, a, da CLT)

AutorMelchíades Rodrigues Martins
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho Aposentado do TRT da 15ª Região. Mestre em Direito
Páginas321-328

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1. Considerações preliminares

Quando o empregado firma com o seu empregador o contrato de trabalho que poderá ser de forma escrita, verbal ou tácita, normalmente são estabelecidas as condições pelas quais vão vigorar o ajuste. Via de regra é assim que funciona, sendo certo também que o contrato de trabalho de prazo indeterminado é o normal e o determinado, exceção.

Com efeito, assinalam Joaquim Pintado Nunes e Luísa Aguiar que "Pela celebração do contrato de trabalho, o trabalhador obriga-se a prestar uma dada actividade ou a permanecer disponível para a desenvolver, conforme as ordens, instruções e directrizes do empregador ou de quem o represente no seu poder de direcção, mediante a contrapartida do pagamento de uma remuneração e do exercício da actividade contratada em condições que permitam a efectiva e condigna realização da prestação. A relação de trabalho, como qualquer relação social, está protegida por um conjunto de direitos e correspectivos deveres, alguns dos quais reflectem na empresa os direitos de cidadania, mormente quanto aos chamados direitos de personalidade, tendo o trabalhador, mas também o empregador direito a ser tratados com respeito pela sua integridade física, psicológica e social"383.

O trabalhador, portanto, acha-se protegido com uma gama de direitos não só de origem constitucional, mas também de normas legais, normas convencionais e administrativas que visam assegurar um equilíbrio na relação que se forma com o ajuste (contrato de trabalho) a fim de serem afastados atos abusivos praticados pelo empregador, o que, na prática, não deixam de existir. Aliás, da mesma forma que existem bons empregados também não foge à regra o surgimento de maus empregadores.

É evidente que, numa relação de emprego, cabe ao empregador assegurar ao trabalhador condições de saúde, higiene e segurança e proporcionar um ambiente de trabalho onde predomi-

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nem a harmonia e um sentido de colaboração, o qual está incluído no "conceito de subordinação, já que, se o empregado tem de trabalhar sob a direção do empregador, e é este quem traça os objetivos comum, supõe-se que seu trabalho implique colaboração com o principal"384.

A cidadania, dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho são direitos que figuram no art. Ia da Carta Magna, portanto, direitos fundamentais, como o são a intimidade, a honra, a moral, e a imagem das pessoas, conforme o disposto nos inciso V e X, do art. 5a. Assim, o trabalhador além dessa condição é um cidadão que merece a proteção no seu emprego como na sua vivência em sociedade, até porque vivemos em um país onde está presente um Estado Democrático de Direito.

Extrai-se de tudo isso que o trabalhador em determinadas circunstâncias tem o direito de recusar serviços ilícitos, além de suas forças, qualificação, alheios ao contrato e aos bons costumes, como também de atos que lhe afetam a dignidade ou com a criação de ambiente hostil, degradante, humilhante ou outros fatores negativos que tornam o local de trabalho insuportável.

No art. 483 da CLT, encontramos a defesa do trabalhador contra os atos dos empregadores, cujas hipóteses nele elencadas traçam os motivos que poderão levar à rescisão indireta do contrato de trabalho por culpa do empregador. No caso, é ajusta causa do empregador que viola as condições do trabalho.

Na primeira alínea a, ora analisada, são tratadas quatro hipóteses que podem dar ensejo à rescisão indireta do contrato de trabalho por parte do empregado, as quais serão examinadas a seguir.

2. Exigência de serviços superiores às suas forças

O disposto no parágrafo único do art. 456 da CLT, estipula que, na falta de prova ou ine-xistindo cláusula expressa a tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal.

Embora o disposto no referido artigo, há que se ter presente que o poder de comando do empregador sofre limitações, de forma que ele não pode exigir do seu empregado serviços que não se conformam com a sua possibilidade, quer em termos técnicos, quer em físicos. Aqui podem ser apontadas várias situações, algumas previstas na CLT ou normas de segurança e medicina do trabalho.

A expressão "forças" aqui referidas, segundo Dorval Lacerda, "refere-se, não só às forças físicas, como, também, às forças mentais ou intelectuais. Força é capacidade laborativa e é sabido que tal capacidade pode ser, tal como declara, aliás, a própria lei, proibindo tratamento desigual, intelectual, manual ou técnica"385.

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No art. 198 da CLT, prevê que é de 60 (sessenta) quilogramas o peso máximo que um empregado pode remover individualmente e no art. 390 da CLT, que trata do trabalho da mulher está disposto que o empregador não poderá utilizar dos serviços da mulher que demande o emprego de força muscular superior a 20 (vinte) quilos para o trabalho contínuo, ou 25 (vinte e cinco) quilos para o trabalho ocasional. Importante ressaltar também que se aplicam ao menor as regras do art. 390 da CLT, incluindo o seu parágrafo único, por força do § 5a do art. 405 da CLT. Evidentemente que a vedação prevista nos dois mencionados artigos (arts. 198 e 390 da CLT) não se aplicam quando a remoção de material é feita por impulsão ou tração de vagonetes sobre trilhos ou por outros aparelhos mecânicos que reduzam os esforços físicos do trabalhador, conforme ressalva feita nos parágrafos únicos dos mencionados artigos. Sobre tais limites, registra Vólia Bomfim Cassar que "O comando legal deve apenas servir de parâmetro, pois deve ser observado o perfil e a estrutura física do empregado. Assim se posicionam Giglio, Alice Monteiro, Carrion, que defendem que deve ser de acordo com o perfil do empregado"386. A respeito, vale lembrar que NR-17 da Portaria n. 3.214/1978, do Ministério do Trabalho e Emprego, disciplina a questão da ergonomia no trabalho, que envolve o relacionamento entre o homem e o seu trabalho, compreendendo nessa relação a utilização dos instrumentais (máquinas e equipamentos etc.) necessários ao bem-estar e desempenho do empregado no serviço e sem lhe causar prejuízo à saúde física e mental.

Portanto, as normas regulamentadoras e outras expedidas pelo MTE ligadas à segurança, higiene e medicina do trabalho sobre a forma, limites de trabalho e suas cautelas têm por objetivo não comprometerem a saúde e a segurança do trabalhador.

A dignidade do trabalhador também deve ser preservada para os fins desse artigo. Os limites impostos por essa alínea serão mais difíceis de serem reconhecidas no caso de trabalho intelectual, mas Gustavo Filipe Barbosa Garcia afirma a sua ocorrência na seguinte hipótese: "se fosse ordenado que o empregado criasse elevado número de textos, em curto prazo de tempo, algo que seria praticamente impossível, humanamente falando, de ser executado, sem grave danos à integridade física e mental...

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