Responsabilidade tributária de terceiros

AutorMaria Rita Ferragut
Páginas93-134
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Capítulo V
RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DE
TERCEIROS
5.1 Introdução
O patrimônio dos sócios e dos acionistas não se confunde
com o patrimônio de suas respectivas sociedades. Não fosse
assim, a atividade empresarial estaria fadada à estagnação,
já que poucos se proporiam a comprometer parcela maior do
que o patrimônio investido no negócio.
Mas nem por isso a separação patrimonial é absoluta.
Tanto o Código Civil, quanto os dispositivos do CTN, que tra-
taremos neste capítulo, regulamentam a responsabilidade dos
sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas, e dos
administradores nas sociedades em geral. A finalidade dessas
normas é zelar para que essas pessoas cumpram, com a devida
responsabilidade, as obrigações e os deveres previstos no or-
denamento jurídico e nos atos constitutivos de cada sociedade.
A responsabilidade pessoal dos sócios, acionistas e admi-
nistradores – terceiros em relação à prática do fato jurídico,
mas não à obrigação tributária – é exceção à regra da separação
patrimonial, e só pode ser adotada em casos excepcionais, con-
sistentes na prática de atos culposos ou dolosos devidamente
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MARIA RITA FERRAGUT
tipificados, ou em sociedades que, por expressa disposição le-
gal, preveja a responsabilidade pessoal e ilimitada.
Neste capítulo interessa-nos a primeira hipótese, em que
a ilicitude da conduta do agente é condição necessária para
a aplicação da responsabilidade. Deve haver claro nexo cau-
sal entre a conduta do sujeito (administrador com poderes de
gestão ou representação da sociedade, por exemplo), e a con-
sequência de arcar com o passivo fiscal. Essas pessoas, quan-
do responsabilizadas, respondem por ato próprio (ilícito), e
não por ato do contribuinte.
Analisaremos, pois, tanto as infrações típicas (anteceden-
tes da norma sancionadora), quanto as sanções (consequentes
normativos), deixando para o último capítulo a análise da res-
ponsabilidade baseada na espécie societária eleita, segundo
as regras introduzidas pelo Código Civil de 2002.
5.2 Conceitos necessários ao estudo da responsabilidade
de terceiros: ilícito, infração, sanção, culpa e dolo
É de suma importância diferenciar os atos de gestão em-
presarial praticados de forma lícita, daqueles praticados de
forma ilícita. Os primeiros dizem respeito ao exercício regular
da gestão da sociedade, visam a alcançar os objetivos sociais
e obrigam somente a própria sociedade. Já os segundos são
praticados pela pessoa física do administrador – sócio e acio-
nista, ou não – e obrigam pessoalmente o indivíduo.
Mas nem sempre é simples caracterizar um ato de gestão
como lícito ou ilícito. O § 2º do art. 154 da Lei das Sociedades
por Ações, com o intuito de objetivar algumas dessas situa-
ções, proibiu aos administradores a prática de atos de libera-
lidade às custas da sociedade, entendidos como sendo aqueles
que diminuem o patrimônio social sem que tragam qualquer
benefício ou vantagem para a sociedade. Como exemplos, a
distribuição disfarçada de lucros e a falsificação do registro
eletrônico que atesta, nas guias de arrecadação de tributos, o
pagamento pretensamente realizado.
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RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
Dada a dificuldade dessa caracterização, agravada nesse
momento pela ausência de situações concretas e dos tipos le-
gais previstos para a má-gestão, por ora iremos nos restringir
a definir os conceitos de direito penal que serão amplamente
utilizados no decorrer deste capítulo e dos seguintes.
Ilícito é ato jurídico voluntário, omissivo ou comissivo,
contrário ao comportamento exigido na norma jurídica; é o
antecedente de uma norma sancionadora, que corresponde
ao descumprimento exigido pelo consequente de uma norma
dispositiva. É sinônimo de infração, e classifica-se em penal
(delito) e administrativo.
A voluntariedade necessária à tipificação do ato como ilí-
cito foi investigada por Celso Antônio Bandeira de Mello que,
ao tratar das infrações administrativas, entendeu:52
Deveras, ninguém pode ser sancionado senão pela violação do
direito que haja voluntariamente praticado ou concorrido volun-
tariamente para praticar. A proclamação desta obviedade não
briga com o fato de que a caracterização de inúmeras infrações
administrativas prescinde de dolo ou culpa do agente, visto que,
para configurar-se sua incursão nelas e consequente exposição
às pertinentes sanções, é indispensável que haja existido, pelo
menos, a possibilidade do sujeito evadir-se conscientemente à
conduta censurada.
E, adiante, concluiu: “[...] mesmo as infrações puramente
objetivas presumem a voluntariedade, já que supõem uma livre
e consciente eleição entre dois possíveis comportamentos.”53
(destaque do autor)
Já Pontes de Miranda apresenta uma interessante distin-
ção entre fatos e atos ilícitos, que pode ser agregada a essa
nossa exposição inicial. Segundo o autor, sempre que há ato
contrário ao direito, e alguém é responsabilizado por este
resultado lesivo, verifica-se a presença da ilicitude. Todavia,
52. Ilícito tributário, p. 24-25.
53. Op. cit., p. 25.

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