Os sujeitos no processo de execução fiscal

AutorPaulo Cesar Conrado
Páginas57-112
29
Capítulo 4
OS SUJEITOS NO PROCESSO
DE EXECUÇÃO FISCAL
4.1 Introdução: o processo e suas dimensões, objetiva
e subjetiva
No Capítulo anterior, assentamos que uma execução iden-
tificar-se-á como fiscal a partir de dois elementos: (i) de um lado,
o respectivo sujeito ativo (definível, analisando-se as espécies
descritas no art. 1º da Lei n. 6.830/80, pela expressão genérica
Fazenda Pública); (ii) de outro, o correspondente objeto (dívida
ativa, nos termos do parágrafo 1º do art. 2º da Lei n. 6.830/80).
Afora isso, fixamos que a proporção subjetiva passiva da lide
apresentar-se-ia como um indiferente para sua definição como
fiscal – o que significa, assim o vimos, que o polo passivo da de-
manda pode ser preenchido in concreto por sujeito qualquer.
Pois bem. Indo além da definição do particular concei-
to de execução fiscal, referidas premissas permitem lembrar
que processo é relação jurídica que (como todas as demais) se
expressa por dois termos subjetivos, afora o correlato objeto.
Possível falar, daí, em processo (inclusive o executivo fiscal),
30
PAULO CESAR CONRADO
sob duas dimensões fundamentais: a primeira, pertinente a
seus sujeitos; a segunda, a seu objeto.
Dedicar-nos-emos, neste Capítulo, à primeira dessas di-
mensões, investindo, em suma, sobre a análise dos sujeitos
do processo executório fiscal, sua definição, qualificativos e
particularidades.
4.2 O conceito de parte e seu canal de definição: a
petição inicial
Processo, sabemos, é relação jurídica que deriva de es-
pecial circunstância: a afirmada existência de um conflito a
incidir sobre uma dada relação de direito material.22
Lembre-se, a par dessa premissa, que conflito, como fato
jurídico, não se presume; para seu reconhecimento, impõe-
-se, antes disso, a respectiva tradução na competente lingua-
gem da petição inicial.23 É da petição inicial, pois, que se deve
entender irradiado o conceito concreto de conflito, servindo
aquele mesmo instrumento de base para definição dos corres-
pondentes atores – as partes.
À medida que assim se apresentar – constituindo-se sob
a competente linguagem da petição inicial –, o conceito de
parte se corporifica, sendo imperativo admitir, por isso, não
só sua natureza formal, senão também que sua construção
compete ao sujeito ativo do processo (aquele que responde
22.
“Em reescritura reduzida, num corte simplificado e abstrato, a norma jurídica
apresenta composição dúplice: norma primária e norma secundária. Na primeira, rea-
lizada a hipótese fáctica, i. e., dado um fato sobre o qual ela incide, sobrevém, pela
causalidade que o ordenamento institui, o efeito, a relação jurídica com sujeitos em
posições ativa e passiva, com pretensões e deveres (para nos restringirmos às relações
em sentido estrito). Na segunda, a hipótese fáctica, o pressuposto é o não cumprimen-
to, a inobservância do dever de prestar, positivo ou negativo, que funciona como fato
jurídico (ilícito, antijurídico) fundante de outra pretensão, a de exigir coativamente
perante órgão estatal a efetivação do dever constituído na norma primária.” (VILA-
NOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 123).
23. Estamos, em razão dos limites do presente trabalho, lidando com a óbvia reali-
dade do “processo não penal” – daí a referência à petição inicial (e apenas a ela).
31
EXECUÇÃO FISCAL
pela confecção/apresentação da inicial) – o que, aliás, é perfei-
tamente compreensível, já que o princípio da inércia veda a
iniciativa judicial, impondo ao Estado-juiz o encargo de atuar
não só se provocado, mas principalmente dentro dos limites
(inclusive, subjetivos) da provocação.24
Por excludência, tirar-se-ia, ao final, que todo sujeito não
definido como parte na petição inicial de uma determinada
demanda, qualificar-se-ia, processualmente, como terceiro,
não importando, para a produção de tal conceito, a aferição
de qualquer qualidade que porventura detenha.25
24. “Art. 2º. Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o
interessado a requerer, nos casos e forma legais.” (Código de Processo Civil de
1973). O assunto também é tratado, no Código de Processo Civil de 2015, no art. 2º,
dispositivo que se insere no Capítulo dedicado às normas processuais fundamen-
tais (“O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial,
salvo as exceções previstas em lei”).
25. Registremos, porém, uma interessante particularidade de nosso sistema: embo-
ra, por definição negativa, terceiro seja todo sujeito que não se vê alojado na condi-
ção de parte, hipóteses há em que determinados sujeitos processuais, mesmo osten-
tando a qualidade de parte, são para certos atos tratados como terceiros. Exemplo
disso se vê prescrito no parágrafo 2º do art. 1.046 do Código de Processo Civil de
1973: “§ 2º. Equipara-se a terceiro a parte que, posto figure no processo, defende
bens que, pelo título de sua aquisição ou pela qualidade em que os possuir, não po-
dem ser atingidos pela apreensão judicial.” Esse dispositivo não contém, em princí-
pio, um correspondente exato no Código de Processo Civil de 2015. Vale ressaltar,
apesar disso, que o art. 674, parágrafo 2º, traça regra que se pode dizer “assemelha-
da”. Ali se encontra prescrito, com efeito:
“§ 2º Considera-se terceiro, para ajuizamento dos embargos:
I - o cônjuge ou companheiro, quando defende a posse de bens próprios ou de sua
meação, ressalvado o disposto no art. 843;
II - o adquirente de bens cuja constrição decorreu de decisão que declara a ineficá-
cia da alienação realizada em fraude à execução;
III - quem sofre constrição judicial de seus bens por força de desconsideração da
personalidade jurídica, de cujo incidente não fez parte;
IV - o credor com garantia real para obstar expropriação judicial do objeto de direi-
to real de garantia, caso não tenha sido intimado, nos termos legais dos atos expro-
priatórios respectivos.”
É especialmente relevante, para o nosso contexto, o inciso III, dispositivo cuja lógica
supõe a inclusão, via redirecionamento, de um terceiro na lide, debaixo de pressuposto
que exigiria a abertura do “incidente de desconsideração da personalidade jurídica”
(casos em que se supõe a responsabilidade patrimonial em decorrência do art. 50 do
Código Civil, por exemplo). Se inobservado o referido incidente, dir-se-ia, segundo o
indigitado art. 674, parágrafo 2º, inciso III, que o “redirecionado”, conquanto parte,
teria estatura de terceiro (para fins de embargos de terceiro).

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT