Vale-transporte

AutorCláudia Salles Vilela Vianna
Ocupação do AutorAdvogada, Mestra pela PUC/PR, Conferencista e Consultora Jurídica Empresarial nas Áreas de Direito do Trabalho e Direito Previdenciário, Coordenadora dos cursos de pós-graduação da EMATRA/PR e PUC/PR
Páginas73-86

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8.1. Conceito - Características

Disciplinado pela Lei n. 7.418/85, o vale-transporte constitui um benefício que o empregador, pessoa física ou jurídica, antecipará ao empregado para utilização efetiva em despesas de deslocamento residência-trabalho e vice-versa, por meio do sistema de transporte coletivo público, urbano ou intermunicipal e/ou interestadual com características semelhantes aos urbanos, geridos diretamente ou mediante concessão ou permissão de linhas regulares.

Entende-se como deslocamento a soma dos segmentos componentes da viagem do beneficiário, por um ou mais meios de transporte, entre sua residência e o local de trabalho.

O vale-transporte, no que se refere à contribuição do empregador:

  1. não tem natureza salarial, não se incorporando à remuneração do empregado para quaisquer efeitos;

  2. não constitui base de incidência de contribuição previdenciária ou de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS;

  3. não representa rendimento tributável para o beneficiário para efeito de Imposto de Renda; e

  4. não é considerado para efeito de pagamento da Gratificação de Natal (13º Salário).

Sobre a ausência de natureza salarial da parcela, e consequentemente inexistência de reflexos, confira-se o Precedente Administrativo n. 3 da Fiscalização do Trabalho:

Precedente Administrativo n. 3 - FGTS. VALE-TRANSPORTE. FALTA DE RECOLHIMENTO DO PERCENTUAL DE 8% SOBRE PARTE DA REMUNERAÇÃO DEVIDA. O vale-transporte não terá natureza salarial, não se incorporará à remuneração para quaisquer efeitos e tampouco constituirá base de incidência do FGTS, desde que fornecido de acordo com o disposto no art. 2º, II da Lei n. 7.418/85. O vale-transporte pago em dinheiro tem natureza salarial e repercussão no FGTS.

A legislação determina, contudo, o custeio rateado dessa benesse, cabendo ao trabalhador arcar com 6% de seu salário básico (ou total dos vales, se inferior a esses 6%) e ao empregador a diferença existente. A questão que se impõe refere-se à ausência deste desconto, procedimento adotado por alguns empregadores e que levanta um debate sobre este valor que deixou de ser descontado configurar, ou não, salário in natura.

Considere-se um salário básico de R$ 900,00 mensais e o desconto do vale-transporte de R$ 54,00 (6% destes R$ 900,00). Caso o empregador não desconte os R$ 54,00, o salário permaneceria no importe de R$ 900,00 ou passaria a ser R$ 954,00?

O Tribunal Superior do Trabalho, sobre o tema, entendeu em 2010 que a ausência de desconto não faz com que surja um plus salarial. Confira-se:

"(...) 3 - DO REEMBOLSO DOS DESCONTOS DO VALE-TRANSPORTE - O Regional deu provimento ao Recurso Ordinário do Reclamado para excluir da condenação a determinação de reembolso dos valores descontados a título de vale-transporte, tendo em vista a constatação de que a Autora autorizou os descontos, nos termos do disposto na Lei n. 7.418/85. A Reclamante afirma que a devolução é devida, pois inicialmente recebia o vale-transporte sem qualquer desconto, razão pela qual entende que o percentual se integrou ao seu salário como benefício, não

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podendo ser suprimido. Invoca as disposições dos arts. 444 e 457 da CLT. Não se verifica, no entanto, nenhuma violação da literalidade dos dispositivos legais indicados, pois a interpretação conferida pelo Regional à questão mostra-se razoável ante os termos dos artigos indicados, uma vez que o benefício do vale-transporte é regulado por legislação específica, e a ausência do desconto por determinado período não faz com que o valor em apreço passe a ser considerado como um "plus" salarial, como pretende a Reclamante. Incide, assim, o óbice da Súmula n. 221 do TST. Não conheço. (...) " (TST, 4ª Turma, RR 62200-28.2003.5.02.0076, Julgamento em 12.5.2010, Relatora: Ministra Maria de Assis Calsing, DJ de 21.5.2010).

Ocorre que o parágrafo único do artigo da Lei n. 7.418/85 determina que "o trabalhador participará dos gastos do deslocamento", como um dever legal e não no sentido de poder ou não participar deste custeio. O mesmo ocorre com as contribuições previdenciárias, por exemplo, cabendo ao trabalhador o pagamento de 8%, 9% ou 11%, conforme o valor mensal de sua remuneração.

Com a redação disposta na Lei em referência, o empregador se obriga ao desconto e, se não o faz, acaba propiciando um valor maior de salário mensal ao seu empregado. Note-se que, pela legislação, o trabalhador do exemplo teria que arcar com o pagamento dos R$ 54,00 e, se não o faz, por benesse de seu empregador, acaba recebendo, indiretamente, estes R$ 54,00 a mais em seu salário mensal. Esse é, inclusive, o entendimento do STJ sobre a matéria, sendo suas decisões no sentido de que o montante não descontado integra a remuneração do obreiro, sobre o qual deverá, inclusive, incidir a contribuição previdenciária. Confira-se:

"TRIBUTÁRIO. TRANSPORTE GRATUITO OFERECIDO AOS TRABALHADORES PELA EMPRESA. SALÁRIO IN NATURA. INCIDÊNCIA DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. 1. É pacífico no STJ o entendimento de que o transporte fornecido pelo empregador de forma gratuita, sem o desconto previsto na lei que regula o vale-transporte, constitui salário in natura, razão pela qual incide a Contribuição Previdenciária. Precedentes. 2. Recurso Especial provido." (STJ - Processo 200101479580 - RESP 389550 - Relator Herman Benjamin - 2ª Turma - DJE de 29.10.2008)

Assim, não constitui procedimento recomendável a ausência de desconto da parcela a cargo do trabalhador, sob risco de esse montante vir a ser considerado, sim, salário in natura, com reflexo nas demais parcelas de natureza remuneratória, inclusive incidência de contribuições previdenciárias e fundiárias.

8.2. Beneficiários

São beneficiários do vale-transporte os trabalhadores em geral e os servidores públicos federais, como:

  1. os empregados celetistas;

  2. os empregados domésticos;

  3. os trabalhadores de empresas de trabalho temporário;

  4. os empregados em domicílio;

  5. os empregados do subempreiteiro, em relação a este e ao empreiteiro principal;

  6. os atletas profissionais - Lei n. 6.354/76;

  7. os servidores da União, do Distrito Federal, dos Territórios e suas autarquias, qualquer que seja o regime jurídico, a forma de remuneração e da prestação de serviços.

Obs.: No tocante aos empregados em domicílio (letra ‘‘d’’), o vale-transporte destina-se aos deslocamentos indispensáveis à prestação do trabalho, percepção de salários e os necessários ao desenvolvimento das relações com o empregador.

8.3. Exercício do Direito - Requisitos Necessários

Para o exercício do direito de receber o vale-transporte o empregado informará ao empregador, por escrito (modelo 6, p. 102):

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  1. seu endereço residencial;

  2. os serviços e meios de transporte mais adequados ao seu deslocamento residência - trabalho e vice-versa.

Esta informação deverá ser atualizada anualmente ou sempre que ocorrer alteração referente ao endereço ou aos meios de transporte utilizados, sob pena de suspensão do benefício até o cumprimento dessa exigência.

O empregado deverá ainda firmar compromisso quanto à utilização do vale-transporte exclusivamente para o efetivo deslocamento. A declaração falsa ou o uso indevido do vale-transporte constituem falta grave, conforme redação expressa no § 3º do art. 7º do Decreto n. 95.247/1987, ensejando dispensa por justa causa.

Este não tem sido o entendimento, contudo, de alguns Tribunais pátrios, que compreendem ser a justa causa uma sanção desproporcional à falta cometida. Confiram-se:

"JUSTA CAUSA. USO IRREGULAR DO VALE-TRANSPORTE. DESPROPORCIONALIDADE DA SANÇÃO. DESPEDIDA MOTIVADA NÃO RECONHECIDA. É reprovável a conduta do empregado que recebe o vale-transporte mas não utiliza regularmente transporte público para deslocamento para o trabalho, mas tal falta não se reveste de gravidade suficiente a ensejar a despedida por justa causa, mostrando-se a sanção aplicada pelo empregador desproporcional em relação à falta cometida. Recurso da reclamada a que se nega provimento." (TRT 4ª Região, RO 0050500-79-2007.5.04.0231, Relator: Hugo Carlos Scheuermann, DJ de 15.7.2010).

"ACÓRDÃO EM RECURSO ORDINÁRIO RUPTURA CONTRATUAL POR JUSTA CAUSA. PUNIÇÃO INCORRETA. Em que pesem as assertivas da reclamada em alegar que o reclamante foi dispensado porque utilizou indevidamente o vale-transporte, tal fato, embora irregular, não enseja a demissão por justa causa. A aplicação da pena capital de dissolução do contrato de trabalho, não obstante a confirmação do ato faltoso, afigura-se penalidade excessiva ao empregado sem mácula funcional em seu histórico de prestação de serviços ao empregador. O Decreto n. 95.247/87, em seu art. 7º, § 2º e § 3º, ao consignar que há falta grave no uso indevido do vale transporte, distinguiu onde a Lei n. 7.418/85 não o fez. E ainda que assim não fosse, a expressão falta grave não há, por si só, sem análise das particularidades do caso concreto, de inibir a atuação pedagógica do empregador na aplicação proporcional e gradual da pena ao ato faltoso ante o bom histórico funcional do empregado, que não contempla outros desvios. Por conseguinte, restando descaracterizada a demissão por justa causa, devidas se mostram as verbas rescisórias pleiteadas na inicial. Dou provimento. Dou provimento. Recurso ordinário do reclamante a que se dá provimento." (TRT 1ª Região - 10ª Turma - RO 7151320105010075 RJ - Relator Ricardo...

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