Algoritmos de inteligência artificial na predição do quadro clí- nico de pacientes e a responsabilidade civil médica por omissão de cuidados paliativos

AutorRafaella Nogaroli e Miguel Kfouri Neto
Páginas163-190
ALGORITMOS DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NA
PREDIÇÃO DO QUADRO CLÍNICO DE PACIENTES
E A RESPONSABILIDADE CIVIL DICA POR
OMISSÃO DE CUIDADOS PALIATIVOS
Rafaella Nogaroli
Mestranda em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR). Especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná
(EMAP) e em Direito Processual Civil pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar.
Bacharel em Direito e Pós-graduanda em Direito Médico pelo Centro Universitário
Curitiba (UNICURITIBA). Coordenadora do grupo de pesquisas em “Direito da Saúde
e Empresas Médicas” (UNICURITIBA). Membro do Instituto Brasileiro de Estudos de
Responsabilidade Civil (IBERC) e do grupo de pesquisas em direito civil-constitucional
“Virada de Copérnico” (UFPR). Assessora de Desembargador no Tribunal de Justiça
do Estado do Paraná.
Miguel Kfouri Neto
Pós-Doutor em Ciências Jurídico-Civis junto à Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa. Doutor em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo. Mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Estadual de
Londrina. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Maringá. Licenciado em
Letras-Português pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professor-Doutor
integrante do Corpo Docente Permanente do Programa de Doutorado e Mestrado em
Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA).
Coordenador do grupo de pesquisas “Direito da Saúde e Empresas Médicas” (UNICU-
RITIBA). Membro da Comissão de Direito Médico do Conselho Federal de Medicina
(CFM). Membro do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil (IBERC).
Desembargador no Tribunal de Justiça do Paraná.
Sumário: 1. Notas introdutórias: cuidados paliativos e o implemento de algoritmos de inteli-
gência articial. 2. Benefícios e riscos na utilização de “AI Dying Algorithms” no contexto dos
cuidados paliativos. 3. Aspectos ético-jurídicos nos cuidados paliativos e responsabilidade civil
médica por wrongful prolongation of life. 4. Responsabilidade civil médica na utilização de
inteligência articial para recomendação de cuidados paliativos. 5. Conclusão. 6. Referências.
1. NOTAS INTRODUTÓRIAS: CUIDADOS PALIATIVOS E O IMPLEMENTO DE
ALGORITMOS DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
Hipócrates, o pai da medicina, já enunciava um primordial dever dos médicos: “curar
quando possível, aliviar quando necessário, confortar sempre”.1 Para os prof‌issionais da
1. HARVARD HEALTH PUBLISHING. Palliative care: Surprising benef‌its from an underused therapy. Harvard Men’s
Health Watch, 2012. Disponível em: https://www.health.harvard.edu/newsletter_article/palliative-care-surprising-
benef‌its-from-an-underused-therapy. Acesso em: 20 jan. 2021.
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medicina na Grécia Antiga, não era surpresa que o tratamento médico proporcionasse
conforto com maior frequência do que propriamente a cura do paciente. À medida que a
medicina se desenvolveu, ao longo dos séculos, novos medicamentos foram descobertos
e maneiras mais ef‌icientes de diagnosticar e tratar doenças surgiram, o que tornou a cura
como o principal objetivo na prática médica. Em paralelo, a sociedade foi, paulatinamen-
te, perdendo a capacidade de aceitar a morte como um dos aspectos da vida, emergindo
uma cultura de pessoas em estado de “guerra total” 2 contra a morte em todas as fases do
ciclo de vida. Contudo, enquanto médicos e pacientes se concentravam exclusivamente
na cura da enfermidade, não raras vezes, vislumbrava-se o cenário de doentes terminais
com sofrimento desnecessário pelo prolongamento da vida, agravado por tratamentos
agressivos e com poucas perspectivas de sucesso.
Até a década de 1970, a morte não era tema de discussão entre os prof‌issionais atu-
antes no setor de saúde, conforme elucida o médico alemão Hans Christof Müller-Busch,
professor universitário e escritor especializado em medicina paliativa e terapia da dor.3
O ceticismo sobre a habilidade dos médicos e outros prof‌issionais da saúde em resolver
os problemas da longevidade, somados aos fardos da vida artif‌icialmente prolongada,
aumentou o receio de que intervenções agressivas e sem sentido nos estágios f‌inais da
vida levassem à perda de dignidade do paciente e uma morte em condições de sofrimen-
to intolerável. Assim, surgiu o debate em escala global sobre a questão de “morrer com
dignidade” e do conceito de uma “boa morte”. A promoção da dignidade humana e a
busca pela melhor qualidade de vida possível em f‌im de vida é a essência da ortotanásia.4
A Ortotanásia relaciona-se à ideia de morte digna ou morte na hora certa. Trata-se
de evitar procedimentos inúteis, que só prolongariam o sofrimento do paciente terminal,
fornecendo-lhe apenas os cuidados paliativos necessários para lhe garantir uma morte
digna, de forma natural, sem ser adiantada ou adiada.5 Nesse contexto, os cuidados
paliativos demonstraram-se como uma ferramenta inovadora de assistência na área da
saúde, que vêm ganhando mais espaço no Brasil na última década.6 No mundo, surgi-
ram of‌icialmente como prática distinta na área da atenção básica em saúde na década de
1960, no Reino Unido, diferenciando-se fundamentalmente da medicina curativa por
focar no cuidado integral, por meio da prevenção e controle de sintomas do doente.7
Centram-se na qualidade do f‌inal de vida de pessoas que enfrentam doenças terminais
ou incuráveis, prevenindo e aliviando o sofrimento por meio de identif‌icação precoce,
avaliação e tratamento da dor e de outros problemas físicos, psicossociais e espirituais.
2. CLARK, David. To comfort always: A history of palliative medicine since the nineteenth century. Oxford: Oxford
University Press, 2016, p. 223.
3. MÜLLER-BUSCH, Hans Christof. Issues of palliative medicine in end-of-life care. In: REHMANN-SUTTER,
Christoph; GUDAT, Heike; OHNSORGE, Kathrin. (Coord.). The patient´s wish to die: research, ethics, and palliative
care. Oxford: Oxford University Press, 2012, p. 177-190.
4. LÓSS, Juliana da Conceição Sampaio; EVANGELISTA DIAS, Vinícius; CABRAL, Hildeliza Boechat. (Org.). Cuidados
Paliativos em abordagem multidisciplinar. Rio de Janeiro: Brasil Multicultural, 2020, passim.
5. CABRAL, Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat (Coord.). Ortotanásia. Bioética, biodireito, medicina e direitos de
personalidade. Belo Horizonte: Fórum, 2015, passim.
6. Sobre cuidados paliativos e obstinação terapêutica no Brasil, imperiosas são as lições de DADALTO, Luciana.
Testamento vital. Indaiatuba: Foco, 2020, p. 29-42.
7. CLARK, David. To comfort always: A history of palliative medicine since the nineteenth century. Oxford: Oxford
University Press, 2016, p. 213.
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