Extubação paliativa: análise sobre a (i)licitude da conduta no ordenamento jurídico brasileiro

AutorSálvia Haddad
Páginas213-228
EXTUBAÇÃO PALIATIVA:
ANÁLISE SOBRE A (I)LICITUDE DA CONDUTA
NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Sálvia Haddad
Mestre em Direito Constitucional pela Unifor. Especialista em Direito Processual Civil
pela Universidade Federal do Estado do Amazonas – UFAM. Especialista em Direito
Tributário pela Centro Integrado de Ensino do Amazonas – CIESA. Procuradora do
Estado do Amazonas. Advogada.
Sumário: 1. Considerações iniciais. 2.Ortotanásia e cuidados paliativos. 3. Extubação pa-
liativa: conceito, perspectivas e casos. 4. Anal, extubação paliativa é ato ilícito no Brasil?
4.1 Extubação paliativa constitui infração ética? 4.2 Extubação paliativa constitui ilícito civil?
4.3 Extubação paliativa constitui ilícito penal? 5. Considerações nais.6. Referências.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A despeito de todos os benefícios que a tecnologia aportou na medicina, hoje se
questiona o limite ético da ação médicanas questões relacionadas à terminalidade de
vida. O avanço tecnológico na área da saúdeparece ter representado um retrocesso em
questões humanas ao permitir a adoção de medidas desproporcionais que prolongam
artif‌icialmente o processo de morte e atentam contra a dignidade da pessoa humana (art.
1º, III, da Constituição Federal).
O controle de doenças crônico-degenerativas, associado a outros fatores, permi-
tiu aumento da expectativa de vida e o envelhecimento da população. Dados atuais da
Organização Mundial de Saúde revelam que 60% da população mundial morrerá por
complicações decorrentes de doenças crônicas1e estimam que o número de pessoas com
idade superior a 60 anos chegaria a 2 bilhões em 2050.2No Brasil, o IBGE informa que a
expectativa de vida do brasileiro alcançou, em 2019, a idade de 79,9 anos para mulheres,
e de 72,8 anos para homens.3
Este contexto alterou o perf‌il dos pacientes que internam em Unidades de Terapia
Intensiva (UTI), aumentando a necessidade de cuidados paliativos. Muitas são as dis-
cussões atuais acerca do doente cronicamente crítico e do paciente em terminalidade
1. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5675:invest
ir-no-controle-de-doencas-cronicas-nao-transmissiveis-gera-grandes-ganhos-f‌inanceiros-e-de-saude-af‌irma-
oms&Itemid=839. Acesso em: 23 dez. 2020.
2. Disponível em: https://nacoesunidas.org/mundo-tera-2-bilhoes-de-idosos-em-2050-oms-diz-que-envelhecer-
bem-deve-ser-prioridade-global/. Acesso em: 23 dez. 2020.
3. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/26103-
expectativa-de-vida-dos-brasileiros-aumenta-para-76-3-anos-em-2018. Acesso em: 02 dez. 2020.
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SÁLVIA HADDAD
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de vida que necessitam de ventilação mecânica prolongada. Tais situações são cada
vez mais prevalentes e a sua avaliação prognóstica ganha signif‌icativa importância,
mormente nas decisões de suspensão de esforço terapêutico, como é o caso da extu-
bação paliativa.
Neste contexto, a presente pesquisa pretende analisar a (i)licitude da extubação
paliativa em nosso País, para verif‌icar se há algum óbice jurídico que impeça a realização
do procedimento.
É enorme a relevância da discussão diante de um cenário cultural brasileiro de
negação da morte, que enxerga o morrer como um fracasso da medicina, estabelecendo
um cruel padrão terapêutico de “não deixar partir” para pacientes em terminalidade,
ao ponto da distanásia, infração ética-disciplinar prevista no Código de Ética Médica,
representar, hoje, o verdadeiro bem-cuidar.
Some-se a isso a falta de conhecimento, o despreparo técnico para a realização do
procedimento e a prática constante da medicina defensiva, que acua prof‌issionais da
saúde por medo de denúncias no conselho de classe e de acionamentos judiciais poten-
cialmente danosos à sua reputação e prática clínica.
Para tanto, o estudo aborda a ortotanásia e os cuidados paliativos, analisa o conceito
de extubação paliativa e as situações para as quais o procedimento é indicado, apresen-
tando estudos de casos. Após, a pesquisa avança para examinar se a conduta constitui
infração ética-disciplinar e se estão presentes os requisitos do ilícito civil e penal para
verif‌icar a adequação da extubação paliativa num e/ou noutro instituto.
Este artigo segue a vertente metodológica teórico-dogmática para, a partir do sistema
jurídico posto e por meio da coleta de dados em fonte bibliográf‌ica e documental, pro-
mover, de forma argumentativa, o enquadramento legal da extubação paliativa no Brasil.
2. ORTOTANÁSIA E CUIDADOS PALIATIVOS
Quando se pretende responder a uma indagação científ‌ica é necessário abordar temas
adjacentes que ajudam no entendimento da questão posta. Assim, antes de adentrar na
temática da extubação paliativa, identif‌ico duas categorias pertinentes ao estudo que
merecem destaque: a ortotanásia e os cuidados paliativos.
A ortotanásia consiste na limitação dos recursos médicos, farmacêuticos e tecno-
lógicos em pacientes com diagnóstico de terminalidade. O objetivo não é abreviar nem
prolongar a vida do paciente, mas reconhecer e respeitar o curso natural da doença
rejeitando o prolongamento artif‌icial da vida biológica capaz apenas de agregar mais
sofrimento a um quadro já crítico(HADDAD, 2020).
Etimologicamente, ortotanásia signif‌ica morte correta: orto(correto) e thanatos(-
morte). A prática representa o respeito ao processo natural do morrer, na medida em que
veda a adoção de medidas que busquem, exclusivamente, o prolongamento artif‌icial da
vida. O médico não pode ser obrigado a prolongar o processo de morte sob o argumento
de preservar a vida. Muito ao contrário. O ato de abster-se de praticar a distanásia é um
ato de preservação da vida e da dignidade do paciente (BORGES, 2001).
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