O conhecimento em cuidados paliativos como instrumentalização do poder judiciário no combate à judicialização da saúde no Brasil

AutorRaíssa Edite Corrêa Teixeira e Suzana Nemeth Paniquar Kiipper
Páginas71-90
O CONHECIMENTO EM CUIDADOS
PALIATIVOS COMO INSTRUMENTALIZAÇÃO
DO PODER JUDICIÁRIO NO COMBATE À
JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NO BRASIL
Raíssa Edite Corrêa Teixeira
Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva e Pós-graduanda em
Docência com Ênfase em Educação Jurídica pela Faculdade Arnaldo em parceria
com o Curso Pro Labore.
Suzana Nemeth Paniquar Kiipper
Pós-graduanda em Direito Médico Hospitalar pelo CPJUR. Pós-graduanda em Direitos
Humanos, Responsabilidade Social e Cidadania Global pela PUC/RS. Advogada Espe-
cialista em Direito de Família e Sucessões pelo Damásio Educacional.
Sumário: 1. Introdução. 2. A saúde como um direito social fundamental. 3. Judicialização da
saúde no Brasil e suas causas. 4. Consequências da Judicialização da saúde no Brasil. 5. A
importância da medicina baseada em evidência nas decisões judiciais. 6. Aspectos importantes
dos cuidados paliativos. 7. Cuidados paliativos no Brasil. 8. Cuidados paliativos e o combate
à judicialização da saúde. 9. Conclusão. 10. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo ref‌letir sobre os diversos aspectos da saúde no
Brasil após a Constituição Federal de 1988, quando passou a ser considerada um Direito
Social Fundamental a ser regulamentado pelo Poder Legislativo e efetivado através das
políticas públicas do Poder Executivo. Além disso, tem como escopo repercutir o fenô-
meno da Judicialização da Saúde, suas causas e consequências, e o que levou o Poder
Judiciário a um questionável protagonismo ao julgar demandas individuais na intenção
de dar efetivação a esses direitos e como esse fato contribuiu ainda mais para o aumento
da Judicialização da Saúde, causando graves consequências ao sistema de saúde do Brasil
como um todo, seja público ou privado.
Com base no estudo dos Cuidados Paliativos e de seus princípios basilares de
garantia da qualidade de vida, do direito à informação, da autonomia do paciente, e de
uma medicina voltada para o cuidado do sujeito e não para a cura da doença, aliados aos
mecanismos propostos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para instrumentalizar
o Poder Judiciário com conhecimento científ‌ico e medicina baseada em evidência, tra-
ça-se uma nova perspectiva da possibilidade de uma mudança nas decisões judiciais,
como forma de combater a Judicialização da Saúde de modo mais racional, evitando a
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liberação de pedidos de medicamentos e procedimentos, característicos da obstinação
terapêutica, que não trazem benefício real ao demandante e minimizando as graves
consequências da gestão f‌inanceira da saúde pública. É sobre essa possibilidade que
será o debate desse artigo.
2. A SAÚDE COMO UM DIREITO SOCIAL FUNDAMENTAL
Para entender a saúde como um direito social fundamental, é necessário revisitar
um pouco de História. Logo após o f‌inal da Segunda Guerra Mundial, foi criada, em 1946,
a Organização Mundial de Saúde (OMS), cujo documento de sua constituição def‌iniu
saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente
ausência de afecções e enfermidades”, além de acolher a saúde como direito fundamental
de todo ser humano1. Após dois anos, a Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU)
proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos reconhecendo os direitos civis
e políticos, bem como os direitos sociais, econômicos e culturais, entre eles o direito à
saúde em seu artigo 25, inciso I2.
Entretanto, no Brasil, a vivência democrática é relativamente recente, visto que o
nosso passado histórico foi caracterizado por regimes autoritários. Especif‌icamente nos
anos de 1964 a 1985, o Brasil vivia um período da ditadura militar, no qual a saúde não
tinha um status propriamente de um direito, e, o acesso aos serviços de saúde pública
existentes era voltado apenas aos trabalhadores do mercado formal.
Foi no movimento sanitarista realizado em 1986, na 8ª Conferência Nacional de
Saúde3, que surgiu do clamor popular, uma proposta à Constituinte reconhecendo a
saúde como um direito universal. Foi nesse momento, também, que a saúde deixou de
ser apenas uma questão ligada à prática da assistência hospitalar de combate às doen-
ças, sendo reconhecida como vida com qualidade e passando a ter um f‌io condutor de
prevenção como um direito acessível a todos.
E, na esteira da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a promulgação da
nossa atual Magna Carta4, serviu de baliza para institucionalizar os Direitos Humanos
no Brasil, passando a saúde a ser reconhecida e elevada ao patamar de direito fundamen-
1. “Gozar do melhor estado de saúde que é possível atingir, constitui um dos direitos fundamentais de todo ser
humano, sem distinção de raça, de religião, de credo político, de condições econômica ou social”.
2. DECLARAÇÂO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS – art. 25: I) Todo o homem tem direito a um padrão de
vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados
médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez,
viuvez, velhice ou outros casos de perda de meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
3. “Cinco dias de debate, mais de quatro mil participantes, 135 grupos de trabalho e objetivos muito claros: contribuir
para um novo sistema de saúde e subsidiar as discussões sobre o setor na futura constituinte. A 8ª Conferência
Nacional de Saúde, realizada entre 17 e 21 de março de 1986, foi um dos momentos mais importantes na def‌inição
do Sistema Único de Saúde (SUS) e debateu três temas Principais: ‘A saúde como dever do Estado e direito do
cidadão’, ‘A reformulação do sistema Nacional de Saúde’ e ‘O f‌inanciamento setorial’ (Brasil, Ministério da Saúde,
Conselho Nacional de Saúde. 8ª Conferência Nacional de Saúde: quando o SUS tomou forma, 22.05.2019).
4. Constituição Federal de 1988 que f‌icou conhecida como Constituição Cidadã justamente por ter incluído de volta,
durante a redemocratização do país, os direitos sociais e políticos que haviam sido cerceados durante a ditadura.
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