Sedação paliativa e os contornos ético - jurídicos sobre o direito de morrer

AutorAlessandra Alves de Vasconcelos e Sarah Carvalho Santos
Páginas229-247
SEDAÇÃO PALIATIVA E OS
CONTORNOS ÉTICO-JURÍDICOS
SOBRE O DIREITO DE MORRER
Alessandra Alves de Vasconcelos
Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade de Brasília. Bacharel em Direito.
E-mail: alessandravasconcelos.adv@hotmail.com
Sarah Carvalho Santos
Membro Pesquisadora do Grupo de Estudo e Pesquisa em Bioética (GEPBio). Advogada.
E-mail: advocacia.sarahcarvalho@gmail.com
Sumário: 1. Introdução. 2. Considerações sobre as práticas em m de vida. 3. Cuidados
paliativos frente à terminalidade da vida. 4. Sedação paliativa. 5. Implicações bioéticas da
sedação paliativa. 6. Implicações legais da sedação paliativa. 7. Conclusão. 8. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A sedação paliativa é um recurso dos cuidados paliativos cujos primeiros relatos
datam do início da década de 90 e tem por objetivo fornecer cuidado para a morte digna
dos pacientes em situação de terminalidade de vida. Contudo, desde o seu surgimento
há um acalorado debate sobre a prática ser ou não considerada eutanásia.
Tal conceito também já foi apresentado como sedação terminal, o que colaborou
com as discussões sobre a sua licitude e ética, assim como a própria técnica em si, que
consiste em usar medicamentos que reduzem o estado de consciência a f‌im de propor-
cionar alívio adequado aos sintomas que não podem ser controlados por uma terapia
que não comprometa a consciência.
No ordenamento jurídico brasileiro, práticas como eutanásia e suicídio assistido
são classif‌icadas como crimes e infrações éticas. Além disso, o debate em torno do di-
reito de morrer é negligenciado, de forma que suas questões sensíveis culminaram na
judicialização da ortotanásia, enquanto a distanásia e mistanásia são práticas frequentes
nas instituições de saúde.
Nessa perspectiva, o presente artigo se debruça sobre a sedação paliativa que, apesar
de ser um recurso da ortotanásia, cuja licitude já foi declarada anteriormente, ainda é
alvo de questionamentos. Assim, o objetivo proposto é que se esclareça sobre as suas
implicações bioéticas e jurídicas, de forma a responder o seguinte problema: a sedação
paliativa é uma abordagem constitucional?
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ALESSANDRA ALVES DE VASCONCELOS E SARAH CARVALHO SANTOS
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2. CONSIDERAÇÕES SOBRE AS PRÁTICAS EM FIM DE VIDA
A autonomia para morrer implica em compreender a liberdade individual e a efeti-
vação de um projeto biográf‌ico, de forma que a possibilidade de deliberar sobre a própria
morte deve ser considerada um direito, mas também uma garantia ética.
A dignidade da pessoa humana foi estabelecida como princípio basilar da Cons-
tituição da República do Brasil, do qual decorrem todos os direitos fundamentais tão
necessários ao homem para que desenvolva suas potencialidades e mantenha uma
vida digna.
Desse modo, Ingo Sarlet def‌ine a dignidade da pessoa humana como:
... a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e
consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos
e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante
e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável,
além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência
e da vida em comunhão com os demais seres humanos.1
A Constituição Federal def‌iniu ainda a instituição do Estado Democrático de Di-
reito, estrutura em que se protege os interesses coletivos, as liberdades individuais e o
multiculturalismo garantindo, por conseguinte, a formação de projetos distintos de vida.
É nesse contexto que a autonomia privada em situação de f‌im de vida deve ser
compreendida e interpretada, tendo em vista que seu signif‌icado não pressupõe a ampla
liberdade, mas sim, a garantia de que o sujeito possa elaborar o seu conceito de vida boa,
em consonância com as relações interpessoais. 2
Portanto, a autonomia privada pode ser entendida como “o poder que os particula-
res têm de regular, pelo exercício de sua própria vontade, as relações de que participam,
estabelecendo-lhes o conteúdo e a respectiva disciplina jurídica”.3
No que tange ao paciente em f‌im de vida, é preciso questionar se a sua autonomia
decisória coaduna com o princípio da dignidade da pessoa humana. Isto é, se é permitido
a tal paciente, antes de seu diagnóstico e, em virtude de seu direito a uma vida digna,
recusar ou aceitar tratamentos, cuidados e procedimentos.
Moller defende que a Constituição Federal ampara e reconhece o direito de um
paciente em fase avançada de doença, assim entendido como aquele cuja morte é imi-
nente, de recusar e interromper o recebimento de um procedimento médico, de forma
que possa morrer de acordo com suas convicções pessoais.4
Na concepção de Habermas5, o direito à vida digna deve ser ref‌letido individual-
mente para se chegar a um entendimento do que é uma vida boa, através de critérios
1. SARLET, Ingo. Dignidade da pessoa humana e Direitos fundamentais na Constituição de 1988. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2001, p. 60.
2. GUSTIN, Miracy Barbosa de Souza. Das necessidades humanas aos direitos: ensaio de sociologia e f‌ilosof‌ia do direito.
Belo Horizonte: Del Rey, 1999.
3. AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 345.
4. MÖLLER, Letícia Ludwig. Direito à morte com dignidade e autonomia. Curitiba: Juruá, 2007.
5. HABERMAS, Jünger. O futuro da natureza humana. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
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