Breves notas sobre o direito de correção do menor no Império (1830-1865)

AutorAlan Wruck Garcia Rangel
Páginas9-24
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BREVES NOTAS SOBRE O DIREITO DE CORREÇÃO DO
MENOR NO IMPÉRIO (1830-1865)
Alan Wruck Garcia Rangel1
Resumo: Em um curto período, o Brasil conheceu a colaboração entre
família e Estado através do direito de correção do menor. Este breve
artigo recupera a legislação que fundou a colaboração, além de apontar
alguns elementos teóricos da noção de correção. Também esboça
algumas explicações sobre o insucesso da colaboração e seu descarte
como elemento de política correcional.
Palavras-chave: Castigo; Direito Penal do Menor; Casa de Correção.
Abstract: In a short period, Brazil knew the collaboration between family
and State through the correction of the minor. This brief article recovers
the legislation that founded the collaboration, in addition to pointing out
some theoretical elements of the notion of correction. It also outlines
some explanations of its failure of collaboration and its dismissal as an
element of correctional politics.
Keywords: Punishment; Minor's Criminal Law; House of Correction.
À primeira vista, pode parecer estranho um artigo de história do
direito em um livro cujo título é o “Futuro do Direito”. No entanto,
procurar vestígios do passado e interpretá-los nas suas próprias
1 Doutor em História do Direito e das Instituições, Universidade de Estrasburgo, F rança.
Pós-doutorando no Programa de Pó s-graduação em Direito da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro. Pesquisador vinculado ao Laboratório Interdisciplinar de História do
Direito, na mesma universidade. A presente pesquisa é parte do projeto “O direito de
correção antes do Código de menores de 1927” financiado pela Faperj no âmbito do Pós-
Doutorado Nota 10. Esse artigo é uma versão mod ificada e ampliada de palestra proferida
no I Fórum de Jovens Historiadores do Direito, realizada na Casa Rui Barbosa, em agosto
de 2019.
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vicissitudes, com o intuito de preencher uma ausência, tem significão
importante para entendermos o direito atual, e assim construir o futuro.
Para saber qual direção iremos é antes necessário saber aonde estamos e,
mais do nunca, aonde estávamos. Assim, a experiência do Direito no
passado pode se apresentar como um “modelo”, uma referência, uma
“forma jurídica” que se renova em diferentes épocas e contextos, mesmo
quando se trata de o imitar, deformar ou rejeitar. Identificar e
compreender as contingências do direito no tempo histórico reúne
componentes à constituição de uma massa crítica que pode se constituir
como ferramenta poderosa à elaboração de projetos e expectativas para o
futuro. É, neste sentido, que se deve encarar a correção do menor, como
uma forma jurídica, inicialmente arraigada no costume, e depois
institucionalmente organizada, para conter as faltas domésticas e, assim,
evitar a formação de delinquentes virtuais. Por isto, houve um tempo em
que o “aparelho penal” foi concebido na complexidade Estado-família2.
Seguindo uma tradição que remonta ao direito romano, o pai de família,
dotado de magistratura doméstica, colaborava com o poder público na
contenção de condutas desviantes e prevenção indireta de crimes3. Esse
modo de conceber a punição e/ou prevenção adentrou os séculos XVIII e
XIX com o advento dos Estados liberais (RANGEL, 2018). A
racionalidade da colaboração pode ser explicada pela imagem de uma
longa esteira, na qual a família está em uma de suas extremidades, e o
Estado - incarnado aqui pela administração pública e pelo poder
judiciário - na outra ponta 4. O direito de correção da família seria,
portanto, o primeiro bastião de contenção de uma juventude desregrada e
2 Como bem anotou Sarah Hanley, no início da época moderna para a França, “o modelo
de estruturação monárquica do Estado não era político e nem constitucional…, mas
social e familial” (HANLEY, 1995, p. 47).
3 Para o jurista Alves Junior, que cita Ben tham, “o magistrado, ou o pai, ou aquele que o
representa, não podiam fazer respeitar a sua autoridade, um no Estado, outro na família, se
não estivessem armados de meios coercitivos contra a desobediência” (JUNIOR, 1864, p.
284).
4 O Código Civil francês de 1804 previa às famílias o direito de internação dos filhos a
título de correção, e o Código Penal de 1810, o direito de correção do Estado. Esse
modelo francês de colaboração influenciou outros códigos: Po rtugal - Código Civil de
1867 (art. 143) e Código Penal de 1852 (art. 23, ) - e Itália - Código Civil de 1865
(art. 222) e Código Penal de 1859 (art. 88). Para um panorama geral da correção
doméstica na Europa, ver CAVINA, 2007, p. 208.

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