Direitos humanos e cidadania: uma revisão sobre religião e secularidade política

AutorClarissa Naback
Páginas147-164
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DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA: UMA REVISÃO SOBRE
RELIGIÃO E SECULARIDADE POLÍTICA
Clarissa Naback1
Resumo: A problemática entre política e religião ganha notoriedade nos
processos eleitorais e de representação política. Nesse artigo, busca-se
enfrentar tal questão não sob o ponto de vista da laicidade do Estado, pela
qual a religião seria relegada apenas para o plano privado. Pretende-se, a
partir de um sentido mais amplo sobre a política, abranger a sociedade
civil na constituição da democracia. Assim, retomamos o debate entre
cidadania e direitos humanos, levantado por Karl Marx em Sobre a
questão judaica, para destrinchar, junto com as reflexões de Max Weber
acerca da secularidade, o construção moderna sobre a política. Em
seguida, demonstramos dois movimentos de transformação: primeiro a
quebra do paradigma burocrático e racional da Administração pública;
segundo a retomada de setores religiosos, principalmente cristãos, na
mobilização por direitos humanos no século XX. Isso produziu efeitos
sobre o Brasil no horizonte de reinvenção da cidadania durante a
redemocratização. Por fim, trazemos algumas contribuições de John
Rawls e Jünger Habermas para pensar a atualidade e o contexto
brasileiro, colocando como perspectiva o pluralismo religioso e a
democracia.
Palavras-chave: secularidade; política; direitos humanos; cidadania;
sociedade.
Abstract: The issue between politics and religion gains notoriety in
electoral processes and political representation. In this article, we seek to
face this issue not from the point of view of the laicism of the State, by
which religion would be relegated only to the private sphere; but
1 Doutora em Direito pela PUC-Rio. Atualmente Pós-doutoranda do Programa de Pós -
Graduação em Direito da UERJ e bolsista do programa de Pós-Doutorado Nota 1 0 da
FAPERJ através do projeto Direitos humanos e religiã o: como os evangélicos participam
do campo da ação social.
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understanding a broader sense about the political, which includes civil
society. Thus, we recover the debate between citizenship and human
rights, raised by Karl Marx in On the Jewish Question, to unravel, with
Max Weber's analysis of secularity, the modern paradigm of politic.
Hereupon, we demonstrate two transformational movements: first, the
breaking of the bureaucratic and rational paradigm of public
administration and second the breakthrough of the mobilization for
human rights by the religious sectors, mainly Christians, in the 20th
century. This produced effects on Brazil in the horizon of reinvention of
citizenship during redemocratization. Finally, we bring some
contributions from John Rawls and Jünger Habermas on religious
pluralism, democracy and civil society, which can help in the analysis of
the current situation and the Brazilian political context.
Keywords: secularity; politics; human rights; citizenship; society.
Introdução
Todo ano eleitoral assistimos com força a retomada do debate
sobre laicidade no Brasil. Inevitavelmente, parte-se dos pressupostos
modernos de separação entre religião e Estado para contestar o campo de
influência de grupos religiosos entre as pautas políticas. No entanto, é
preciso ter em mente que, pelo menos desde o fim do século XX, as
transformações econômicas, sociais e culturais promoveram uma revisão
nas estruturas burocráticas e administrativas “modernas”, provocando
uma novo horizonte de percepção sobre o rearranjo entre Estado e
sociedade.
Nesse sentido, os recentes estudos sobre a relação entre Religião
e Política levam em consideração um campo mais amplo de debate sobre
o fenômeno do pluralismo religioso, que está, por vezes, relacionado à
globalização e aos processos de transformação governamental pós-70
(JUNGBLUT, 2014). Nota-se, de um lado, um movimento religioso
difuso, em que há um fluxo de práticas e rituais, de forma dinâmica e
flexível no sentido de uma bricolagem pessoal e própria; de outro, a
ampliação e expansão de doutrinas e instituições ortodoxas, sectárias ou
rígidas. Essas duas tendências opostas, como aponta Cecília Loretto

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