Século XIX: cem anos de luta por liberdade esquecidos pelo direito constitucional brasileiro

AutorIvanilda Figueiredo
Páginas263-281
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SÉCULO XIX:
CEM ANOS DE LUTA POR LIBERDADE ESQUECIDOS PELO
DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO
Ivanilda Figueir edo
But a bird that stalks
down his narrow cage
can seldom see through
his bars of rage
his wings are clipped and
his feet are tied
so he opens his throat to sing.
The caged bird sings
with a fearful trill
of things unknown
but longed for still
and his tune is heard
on the distant hill
for the caged bird
sings of freedom.
(Maya Angelou)
Introdução
O Século XIX foi um período importantíssimo de luta social. No
Brasil e Estados Unidos, estados ainda escravocratas, a luta pela
liberdade das pessoas negras escravizadas foi a força motriz de uma luta
maior por reconhecimento de direitos e pelo próprio ideal de força
normativa da Constituição. Em grande parte dos países europeus, os
enfrentamentos se centravam na construção de direitos sociais por meio
de um conjunto de revoltas conhecidas como Primavera dos Povospor
tratarem-se de expressões da luta de classes, tendo os proletários como
protagonistas. A partir da segunda metade daquele século, a luta das
sufragistas pelo direito ao voto das mulheres torna-se organizada tanto
nos países europeus quanto americanos.
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Trata-se de um século onde novos sujeitos de direito reivindicam
seu espaço sob o manto constitucional dos direitos fundamentais e novas
demandas passam a ser respondidas pelos Estados por meio do arcabouço
jurídico de criação de novos direitos.
Ainda assim, este período histórico é praticamente ignorado na
narrativa de institucionalização dos direitos fundamentais. Consultamos
manuais de direito constitucional escritos por dez autores de renome no
Brasil.1
Neles, encontramos referências a escravidão, a sua abolição e até
ao notório caso Dread Scott, no qual a Suprema Corte dos Estados
Unidos negou que as pessoas negras detivessem direitos constitucionais2.
No entanto, não encontramos referência a luta do povo negro contra a
escravidão.
Do mesmo modo, em nenhum deles, há qualquer referência direta
a Primavera dos Povos e a intensa luta por direitos sociais travada nos
países europeus. Mesmo quando o assunto é direitos sociais, há breves
menções as Constituições Russa (1917), Mexicana (1917) e Alemã
(1919), textos constitucionais do século XX, e não à toda luta travada no
século anterior e, que, destaque-se logrou resultados ainda naquele século
e foi parte da pressão histórica para a redação de tais Constituições.
O direito ao voto das mulheres aparece brevemente como uma
conquista obtida no Brasil no Código Eleitoral de 1932 que foi
constitucionalizada em 1934, porém as sufragistas e toda a organização e
luta destas mulheres no século XIX também não fazem parte da narrativa.
As ausências são significativas. Não à toa, autores há que
reconhecem apenas os direitos individuais como direitos fundamentais,
retomando a origem histórica das revoluções burguesas como o lugar
nato de origem destes direitos ou dotando os chamados direitos de
1 (i) BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional; (ii) SARLET, Ingo
Wolfgang, MARINONI, Luiz Guilherme, MITIDIERO, Daniel. Cur so de Direito
Constitucional; (iii) MENDES, Gilmar Ferreira, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Cur so
de Direito Constitucional; (iv) DE MORAES, Alexandre. Direito Constituciona l; (v)
TAVARES, André Ramos. Cur so de Direito Constitucional; (vi) BULOS, Uadi
Lammêgo. Curso de Direito Constitucional; (vii) AGRA, Walber de Moura. Curso de
Direito Con stitucional; (viii) FERNANDES, Bern ardo Gonçalves. Curso de Direito
Constitucional; (ix) DE MORAES, Guilherme Peña. Curso de Direit o Constitucional; (x)
NUNES JÚNIOR, Flávio Martins Alves. Curso de direito constituciona l.
2 Disponível em: Dred Scott v. Sandford (1857) | National Archives Acesso em: 02.05.22.

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