Justiça em Nowhereville: política da humanidade e estado-nação no século XXI

AutorMichelle Gueraldi
Páginas319-338
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JUSTIÇA EM NOWHEREVILLE:
POLÍTICA DA HUMANIDADE E ESTADO-NAÇÃO
NO SÉCULO XXI
Michelle Gueraldi1
Resumo: A questão migratória é apresentada neste artigo de forma
associada a um problema de justiça situado na afirmação do princípio
trinitário Estado-povo-território no sentido de que o respeito aos
direitos humanos dos migrantes internacionais pelos Estados nacionais, se
revela como um desafio para a promoção de políticas migratórias justas.
Ampara-se em Arendt, inicialmente, cuja análise relacionada a este tema,
localizada na sociedade europeia do período entreguerras, ilumina a
compreensão do mundo atual, sobretudo quanto ao debate que
desenvolve sobre a questão do pertencimento do indivíduo à comunidade
nacional e humana, como elemento que demarca a origem da titularidade
de direitos humanos. A fim de dar seguimento ao debate proposto,
considerando-se os contornos do tempo presente, recorre a um pensador
do mundo líquido moderno, Bauman, em sintonia com Arendt, em
particular quanto às categorias que emprega para discutir o papel do
Estado-nação em resposta à questã o migr atória sobretudo a respeito da
demanda por direitos dos migrantes estrangeiros. Nesta esteira, Hespanha
analisa questões de direito e justiça na sociedade pós-moderna, onde o
Outro não é o estrangeiro, mas todos os seres humanos, sujeitos de uma
ordem jurídica altruísta, alicerçada na responsabilidade ética da
comunidade humana, correspondente a sua irredutível ambiguidade e
multiplicidade. Por fim, conclui que o pertencimento à comunidade
humana, processo demarcado pela humanidade e não pela nacionalidade,
é uma ideia que se adequa à responsabilidade dos Estados em face do
1 Mestre em Direito pela Har vard Law School, autora de Em Busca do Éden, Tráfico de
Pessoas e Direitos Humanos, experiência br asileira, aluna do doutorado na linha de
pesquisa de Teoria e Filosofia do Direito no Programa de P ós-Graduação stricto sensu da
Faculdade de Direito da UERJ.
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respeito aos direitos humanos, entendida como uma meta universal para a
concepção de uma política migratória justa.
Palavras-chave: Estado-nação, migrantes, pós-modernidade, direitos
humanos.
Introdução
De que serve ter um mapa, se o fim está traçado?
De que serve a terra vista se o bar co está parado?
De que serve ter a chave se a porta está aber ta? Pra
que ser vem a s palavra s se a casa está deser ta? (...)
Quem me leva os meus fa ntasmas? Qu em me salva
desta espada? Quem me diz onde é a estrada ?
(Pedro Abrunhosa)
As guerras, as catástrofes da natureza, a penúria material ou
apenas um sonho, têm impulsionado pessoas a cruzar céus, terras e
mares. Não são poucos os obstáculos desta travessia, seja para aqueles
forçados a sair de seus países, os refugiados, ou para os que exerceram
uma escolha. A questão migratória movimento de intensificação
migratória transfronteiriça que se inicia nos anos de 1990 e se estende ao
tempo presente, em suas repercussões sociais, econômicas e políticas é
um tema que hoje congrega os Estados.
Neste panorama, destaca que a condição de estrangeiros
compartilhada pelos migrantes compromete a sua titularidade de direitos,
que são atribuídos pelos Estados nacionais, em sintonia com sua
conformação original, que associa Estado, nação e território e por isso
exclui os de fora.
No entanto, argumenta-se que os Estados, criados como grandes
sujeitos coletivos homogêneos, foram afetados por mudanças históricas
que marcam o fim do século XX, com repercussões sobre o conceito de
nação e nacionalidade. As transformações da economia mundial
globalizada, bem como os avanços tecnológicos influenciaram a
mobilidade humana em escala que não tem precedentes na história. Esta
tendência está desfazendo o projeto de Estados homogêneos etnicamente
que as guerras do século XX intencionaram promover, conforme acentua

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