A capacidade à luz do Estatuto da Pessoa com Deficiência

AutorHeloisa Helena Barboza e Vitor Almeida
Ocupação do AutorProfessora Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), nos cursos de graduação, mestrado e doutorado/Doutorando e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Páginas249-274
A capacidade civil à luz do Estatuto
da Pessoa com Deficiência
Heloisa Helena Barboza*
Vitor Almeida**
1. Introdução
minada de Estatuto da Pessoa com Deficiência1 (Lei n. 13.146), aprovada
em 06 de julho de 2015, instaura profundas mudanças no instituto da capa-
cidade jurídica. Destinado a assegurar e a promover, em condições de igual-
dade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com
deficiência, e principalmente sua inclusão social e efetivação plena de sua
cidadania, o Estatuto da Pessoa com Deficiência vem atender uma popula-
ção de quase 46 milhões de pessoas no Brasil, o que corresponde a 25% da
população brasileira2, que integram os 15% da população mundial, cerca de
um bilhão de pessoas3, afetadas por algum tipo de deficiência, as quais até
* Professora Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ), nos cursos de graduação, mestrado e doutorado.
Doutora em Direito pela UERJ e em Ciências pela ENSP/FIOCRUZ. Procuradora de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro (aposentada).
** Doutorando e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Ja-
neiro (UERJ). Professor Assistente do Curso de Direito da Universidade Federal Rural
do Rio de Janeiro (ITR/UFRRJ). Professor dos cursos de especialização do CEPED-
UERJ, PUC-Rio e EMERJ. Advogado.
1 Neste trabalho designada Estatuto.
2 Dados sobre pessoas com algum tipo de deficiência, constantes do censo demográfico
de 2010. Disponível “ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Caracte-
risticas_Gerais_Religiao_Deficiencia/tab1_3.pdf”. Acesso em 30 ago. 2014. Ver também
matéria veiculada na Agência Brasil, em 29 de junho de 2012. Disponível em “http://me-
moria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2012-06-29/pessoas-com-deficiencia-represent
am-24-da-populacao-brasileira-mostra-censo”. Acesso 30 ago. 2015.
3 Dados que tomam como base as estimativas da população mundial de 2010.
Informações extraídas do Relatório da Organização Mundial de Saúde (WHO) sobre
pessoas com deficiência. Tradução disponível em: “http://www.pessoacomdeficien-
cia.sp.gov.br/usr/share/documents/RELATORIO_MUNDIAL_COMPLETO.pdf”.
Acesso em 23 ago. 2015.
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então se encontravam esquecidas pelo direito brasileiro. A nova lei consti-
tui, sem dúvida, desde que aplicada de modo adequado, medida eficiente
para que as pessoas com deficiência obtenham os instrumentos necessários
para ter uma vida digna.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência constitui marco legal sem prece-
dentes no Brasil, que dá cumprimento à Convenção Internacional das Na-
ções Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) e seu
Protocolo Facultativo. Merece registro o fato de se tratar da primeira con-
venção do século XXI sobre direitos humanos e ter resultado de um proces-
so de elaboração diferente do geralmente verificado nos tratados sobre di-
rei tos hu manos , na me dida e m que contou com a participação ativa e inédi-
ta da sociedade civil4, o que incluiu organizações não governamentais e re-
presentações de pessoas com deficiência.
A também denominada Convenção de Nova York5 foi ratificada pelo
Congresso Nacional através do Decreto Legislativo n. 186, de 09 de julho
de 2008, e promulgada pelo Decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009, e,
portanto, já se encontrava desde então formalmente incorporada, com for-
ça, hierarquia e eficácia constitucionais, ao plano do ordenamento positivo
interno do Estado brasileiro, nos termos do art. 5º, § 3º, da Constituição
Embora o início de sua vigência esteja previsto para janeiro de 2016, a
Lei n. 13.146/2015 provoca de imediato inúmeras questões e debates, que
por certo se prolongarão, em virtude da amplitude da repercussão de suas
disposições no ordenamento jurídico brasileiro. Basta lembrar que a refor-
ma promovida no conceito de capacidade acaba não só por afetar de modo
direto praticamente todas as partes do Direito Civil, como também por se
propagar por outros campos jurídicos, dada à natureza fundamental de tal
conceito. Diversas indagações se superpõem: (i) não há pessoas com defi-
ciência mental ou intelectual incapazes? (ii) não há mais interdição? (iii)
quais os limites da curatela? (iv) qual a natureza jurídica da tomada de de-
cisão apoiada? (v) quando tem cabimento este tipo de decisão? (vi) quais os
efeitos dos atos existenciais praticados por pessoas que, em razão da gravi-
dade de sua deficiência, não se encontram em condições de decidir?
Muito esforço será exigido do intérprete e do aplicador do direito, para
que se dê efetividade ao que se encontra expresso no Estatuto da Pessoa
com Deficiência, mas principalmente para que se evitem duas atitudes de
todo prejudiciais, tais como: (i) a interpretação a partir da doutrina tradi-
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4 DHANDA, Amita. Legal capacity in the disability rights convention: stranglehold
of the past or lodestar for the future? In: Syracuse Journal of International Law and
Commerce, v. 34, n. 2, 2007, p. 429-462.
5 Neste trabalho designada Convenção de 2008.

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